quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

É para esse céu que eu vou

Fim de tarde em minha janela.
Começo de vida em minha alma.
É para esse céu que eu vou.
Lilás, rosa, azul, branco.
Finito.

Estar é reconhecer a insignificância significativa de cada ser vivo.
É viver cada segundo intensamente único.
Ser é saber que o que vale é o que deixamos.

Palavras, gestos, abraços, carinhos, risadas, choros...
Sem receio de parecer simples.
Sem medo de ser feliz.

Reconhecimento leva-se da alma que não é pequena por já ser inteira.

Leandra Migotto Certeza

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Educar é aprender com a diversidade humana!!!






Trabalhando com a Jéssica

Rede Saci - 19/02/2009

Professora mostra como é possível ensinar sem se deixar ficar imobilizada pelo "rótulo": Síndrome de Williams.

Após passar um tempo em outra cidade retornei a São Paulo e também para lecionar na escola que sempre trabalhei.

Ao conhecer a sala de aula me deparei com uma menina muito meiga e carinhosa, extremamente afetiva e às vezes muito "grudenta". Era a Jéssica, que fazia de tudo para chamar minha atenção, pois queria exclusividade.

Apesar de ter Síndrome de Williams que a "impossibilitava" de ter o mesmo retorno das demais crianças, Jéssica era muito especial, já era alfabetizada e tinha um vocabulário muito rico além de sua idade cronológica. Sua maior dificuldade era transcrever sua oralidade para a escrita e principalmente a matemática.

Antes de assumir a sala de aula, segundo relatos, soube que Jéssica dormia quase que diariamente na sala de aula. Com a ajuda dos alunos da sala passei a estimulá-la e a cobrar as atividades iguais aos outros alunos, respeitando as suas limitações. Ela começou a produzir muito mais. Participava oralmente de todas as atividades propostas e começou a ler os mesmos textos que os demais; dava opiniões e escrevia, dentro de sua capacidade.

Algumas atividades eram específicas para ela, outras eram adaptadas para a medida que ela conseguia fazer. Porém, a matemática continuava sendo um desafio: as dificuldades eram muitas e ela não conseguia entender o mecanismo do sistema de numeração decimal. Ficava quase impossível resolver situações de matemática, o que causava muita angústia e depressão.

Após muitas tentativas com materiais concretos, desenhos e outros, resolvi introduzir o *material dourado. *Para tentar fazer com que ela entendesse, passei a usá-lo como um dos recursos*, *para que ela pudesse manusear, substituir e efetuar operações matemáticas com sucesso.

Ela se apaixonou pelo o material e começou a manuseá-lo com muita agilidade. Sua empolgação e sua vontade de aprender me impressionaram muito. Foi numa tarde de quarta feira (nunca vou esquecer este dia, que me emocionou muito), que ela conseguiu formar um número com o uso do material. A alegria dela era tanta que parecia que ela ia explodir, os alunos gritavam o seu nome em coro, acompanhado de palmas e ela, chorando, falava:

- Professora, eu consegui, eu aprendi, te amo, muito obrigada!

Após este dia ela queria todos os dias fazer matemática e até montou um material dourado em sua casa usando sucata. A cada dia eu ia aumentando gradualmente o grau de dificuldade e ela respondia bem. Suas produções de textos se ampliaram e ela passou a fazer o uso de recursos como diálogos, suspenses e clímax na narração. Seus textos passaram a ter sequência nos fatos e significados. E nunca mais dormiu na sala de aula.
Nesta época eu estava passando por um momento muito difícil na minha vida, tanto emocional mente como financeiramente, estava sem esperança, enxergava o mundo em preto e branco, vivia um dia de cada vez.

A Jéssica foi para mim uma pessoa muito especial, não no sentido da deficiência, mas como pessoa, pois aprendi muito com ela. Com seu jeito alegre e extrovertido de ser, cheia de esperanças e sonhos, não desanimava diante de um desafio, não via maldade nas pessoas, era espontânea, natural e acreditava no ser humano. Ela era solidária e se preocupava com o outro.

Jamais em toda minha vida vi alguém expressar tão intensamente o amor, felicidade, gratidão em apenas um sorriso, um sorriso puro, sincero. Ela me ensinou o valor de um sorriso, a refletir sobre a minha vida, a enxergar o mundo colorido e de outra forma, me ensinou a ver as coisas boas que a vida oferece, a viver intensamente o dia como se fosse o último, a não desanimar diante dos desafios que a vida nos oferece, me ensinou que existem várias maneiras de ver, sentir, ouvir e principalmente de expressar.

Jéssica, hoje sei o significado da palavra "educar", sei romper barreiras, ser um ser humano melhor. Você veio ao mundo com a missão de transformar as pessoas. Aproveite cada instante que a vida lhe proporcionar, continue sendo assim como você é, levando vida, esperança e alegria às pessoas. Você é a luz que brilha em momentos de escuridão para as pessoas.

Este tempo que estivemos juntas tivemos muitas trocas aprendemos uma com a outra.
Continue sendo você, sorria sempre.

Professora Tânia Bazzani

Descrição da imagem do centro: foto de Jéssica linda, maravilhosa! Uma menina doce, sorrindo sempre! Ela é negra, usa óculos na escola e tem traços de pessoas com Síndrome de Willians. Nesta foto veste uma camiseta azul e vermelha e ao fundo árvores 'douradas' completam a linda paisagem.
Descrição da imagem do lado direito: Jéssica e seu namorado muito felizes na festa de Natal da ABSW de 2008. Ela veste uma blusa vermelha e ele uma azul. Estão radiantes de paixão!

Táxi acessíveis na cidade de São Paulo

Prefeitura entrega à cidade os primeiros táxis acessíveis
Fonte: Agencia Inclusive em 18/02/2009

Os veículos adaptados começaram a circular no dia 17 de fevereiro.
Comentário SACI: Dica do Eduardo Câmara: Lá no blog mantenho uma lista de todos os serviços de táxi e transporte acessível particular que conheço. Se conhecerem mais algum que não está na lista, me avisem! Abaixo está o endereço do post no blog e também a lista atualizada, contendo inclusive os novos táxis de SP. Além disso, pesquisei e liguei para cada uma das empresas para confirmar as informações. Acabei acertando/incluindo algumas informações sobre os nomes, sites, e-mails e telefones das empresas de SP, que não estavam corretos ou estavam faltando. http://www.oglobo.com.br/blogs/maonaroda Endereço do post: //oglobo.globo.com/blogs/maonaroda/post.asp?t=lista-de-taxis-acessiveis-brasil-afora&cod_Post=162595

Apresentação dos veículos ocorreu na frente do Edifício Matarazzo

Os primeiros 20 táxis acessíveis destinados ao atendimento exclusivo de passageiros deficientes ou com mobilidade reduzida passarão a operar nesta data, na capital. Em evento com a presença do prefeito da cidade de São Paulo, dos secretários municipais de Transportes e da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida foram apresentados os veículos.

Os táxis são todos Fiat modelo "Dobló" adaptados conforme normas técnicas estabelecidas pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito). Além de equipamentos próprios para acomodar o deficiente, eles também contam com rádio transmissor, ar condicionado, música ambiente e sistema de rastreamento, itens que permitem mais agilidade no atendimento, e mais conforto e segurança para os passageiros.

Para maior comodidade dos usuários, todos os táxis acessíveis são rádio-táxis, e podem ser chamados pelo telefone do respectivo Centro de Operações de cada empresa. Eles ficarão distribuídos em pontos estratégicos da cidade de modo a chegar rapidamente a qualquer destino. A listagem com os número de telefone pode ser consultada pelo Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) do Departamento de Transportes Públicos (DTP) (11) 2692-3302, 2291-5416, 2692-4094, ou pela internet, no site da Secretaria Municipal de Transportes.

O custo do carro mais a adaptação são de, aproximadamente, R$ 90 mil, totalmente bancado pelo taxista. As especificações técnicas para a modificação dos veículos estão discriminadas no "Manual dos Requisitos Básicos para Táxi Acessível" que foi elaborado pela Área de Desenvolvimento Tecnológico da SPTrans. Os interessados poderão ter acesso a esse manual pelo site da SMT. As tarifas cobradas pelos táxis acessíveis têm o mesmo valor das dos demais táxis (bandeirada R$ 3,50, quilômetro rodado R$ 2,10 e hora parada R$ 28,00) acrescido da taxa de R$ 3,50 por ser rádio-táxi.

Foram sorteados 80 alvarás novos para táxi acessível, sendo escolhidos 80 condutores/empresas titulares e mais 40 suplentes. Além dos 20 alvarás já distribuídos, outros estão em período de preparação e, ainda, ocorrerá a chamada de suplentes do sorteio tendo em vista algumas desistências formalizadas.

Essa é mais uma iniciativa da política da Prefeitura que busca integrar o deficiente em todos os aspectos da sociedade. Para tanto, a Secretaria Municipal de Transportes tem colaborado em diversos aspectos. Nos últimos quatro anos, a frota de ônibus acessíveis da cidade cresceu de 302 para 3.166 veículos, a maior do país. O serviço Atende, que transporta os usuários deficientes com alto grau de severidade e dependência, conta atualmente com 327 vans, que servem a 3.622 passageiros especiais e mais de dois mil acompanhantes. Também existe o Bilhete Único que garante a gratuidade para os deficientes nos ônibus da rede municipal. Até o final de 2008, a SPTrans já havia emitido 257 mil Bilhetes Especiais. É assim que a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Transportes estão integrando todos os paulistanos.

Serviço:
Número das Centrais de Táxis que contam com táxi acessível: Associação das Frotas de Táxis Rua Alfredo Maia, 533 - Ponte Pequena Fone.: 11 3229-7688 / 3228-1400 / 3326-0505 endereço eletrônico: www.alotaxi. com.br

Associação dos Taxistas Autônomos - Fuji Táxi 2 Fone.: 11 5073-3600 / 5077-3999 endereço eletrônico: fujitaxi@uol. com.br

Associação Delta Comum Rádio Táxi 1 Fone.:11 5072-4499 endereço eletrônico: comercial@teletaxi.sp.com.br

Metrópole SP Rádio Táxi Ltda. - ME 1 Fone.: 11 5575-6681 endereço eletrônico: metropole_sp@ yahoo.com.br

Associação Super Táxi dos Taxistas Autônomos 1 Fone.: 11 3982-6414 endereço eletrônico: supertaxi@supertaxi.com.br Fonte: Prefeitura SP http://portal. prefeitura. sp.gov.br/ noticias/ sec/transportes/2009/02/0060

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Calçadas de Natal são o retrato do caos.

Desniveladas, entradas de veículos inclinadas demais, varandas avançadas sobre o passeio público dificultam a locomoção pelas calçadas de Natal.






Descrição da imagem: foto do repórter Gabriel Trigueiro driblando um obstáculo em uma calçada. Imagem colocada d eponta cabeça lateralmente.


Colocar esta página em posição horizontal para ler o texto deve ter sido um gesto desconfortável para você, leitor. E nosso objetivo foi mesmo dificultar um pouco a sua vida, para que você entre no clima do assunto desta reportagem e entenda como é difícil a ‘‘missão’’ de quem caminha pelas calçadas das ruas de Natal.

Protegida na comodidade de seus carros com ar-condicionado, boa parte dos natalenses nem olha de lado para ver o cenário de descaso com o cidadão, que surge na paisagem urbana em forma de calçadas desniveladas, entradas de veículos inclinadas demais, varandas avançadas sobre o passeio público, paredões que impedem a circulação e obrigam as pessoas a disputar espaço com os carros. Esses são apenas alguns dos absurdos que se põem como obstáculos entre o pedestre natalense e sua cidadania.

Nas próximas edições, publicaremos uma série de matérias sobre a precariedade das calçadas em vários trechos da cidade, com a opinião dos cidadãos afetados pelo problema, a visão de urbanistas e a posição do poder público. Para ilustrar a situação, percorri avenidas em diferentes bairros, com diferentes perfis econômicos, urbanos e sociais. Minha primeira ‘‘aventura’’ foi andar na Avenida Jaguarari. Segue o relato:

Quarta-feira, 9h39. Meu trajeto a pé entre as avenidas Jaguarari e Alexandrino de Alencar já começa difícil. Estou caminhando numa calçada com menos um metro de largura, ou seja, menos de um terço do recuo previsto em legislação municipal.

Equilibrando-me entre a sarjeta onde corre esgoto a céu aberto e uma plataforma de cerca de dois metros de altura, que serve de base para as casas do trecho, tenho que olhar para trás de quando em quando e prestar atenção no trânsito. Corro o risco de ser esmagado, caso algum motorista perca o controle de seu carro. Logo a frente, ainda na calçada estreita, sou obrigado a virar de lado para passar entre o paredão e um poste de energia.

Em meio a esta aventura, resolvo subir uma escada esculpida no paredão, de corrimãos mambembes, para conversar com moradores sobre a situação de acessibilidade na rua. Encontro Dona Marlene, uma aposentada de 70 anos que caminha com auxílio de uma bengala. Ela tem medo de cair da plataforma, mal consegue subir e descer as escadas que dão acesso a sua casa e sofre para caminhar na região. ‘‘Não posso andar tranquila, morro de medo de me acidentar. Meu irmão caiu dessa escada uma vez e teve de ir para o hospital’’.

Foram os netos de Dona Marlene que construíram o corrimão de ferro usado pela aposentada para subir as escadas. Sua vizinha, a comerciante Tânia Garcia, também mandou fazer um acesso, com corrimãos de madeira que estão com parafusos soltos e ameaçam cair. Ela também teme acidentes e ainda se sente prejudicada pela dificuldade de acesso dos clientes a seu ponto. ‘‘É inconveniente e perigoso sempre’’.

Passado o trecho mais estreito da calçada, sigo em direção à Avenida Alexandrino de Alencar. O percurso é de obstaculos e armadilhas. Já castigado pelo calor de uma manhã de sol forte de fevereiro - não há árvores onde passam os pedestres -, cabe a mim a tarefa de escalar batentes altos, desviar de montes de areia usados em obras e me equilibrar para não escorregar em entradas de carro de ângulos íngremes, que preenchem todo o espaço entre os portões das casas e o asfalto. Com pisos inadequados para superfícies inclinadas, essas entradas representam aos pedestres um enorme risco de queda. A alternativa é arriscar-se andando na rua. É a Escolha do Sofia do cidadão natalense.

A mobilidade oferecida pelas calçadas parece piorar a cada metro que me aproximo da esquina da Jaguarari com a Alexandrino. Carros estacionados irregularmente me expulsam da calçada mais de uma vez. Ao atravessar ruas adjacentes, tenho de enfrentar barreiras de concreto nas esquinas.

Talvez achando que a medida vá diminuir os alagamentos na chuvas fortes, os moradores instalam murinhos de concreto delimitando suas propriedades, em pleno passeio público. A acessibilidade para portadores de deficiência é nenhuma, tanto nas esquinas quanto ao longo das calçadas. O pedestre que tiver duas pernas funcionando que pule os obstáculos. O semelhante que se dane e o poder público parece longe, bem longe.

Depois de vencer uma barreira de concreto na esquina com a Rua Coronel Silvino Bezerra e outra na esquina com a Rua Álvaro Carrilho, tenho um novo e desanimador trecho até o cruzamento com a Avenida Presidente Quaresma. Além dos problemas que já venho enfrentando desde a rótula da José Bento - calçadas estreitas, entradas irregulares de carros, barreiras de concreto e montes de areia de obras -, percebo que os desniveis se acentuam à medida em que o declive fica mais agudo.

Num determinado trecho, vários pedestres, entres os quais um idoso aparentando cerca de 80 anos, andam na rua em sentido oposto ao dos carros, para escapar das calçadas iclinadas e dos degraus de 50cm, 80cm, um metro de altura. Uma parte da calçada já próxima da Presidente Bandeira é particularmente uma armadilha: nesse pedaço, após vencer uma entrada para carros com duas faixas de cimento escorregadias e ângulo em torno de 45 graus, o pedestre tem de saltar de plataformas entre uma frente de casa e outra e descer inseguras escadas construídas pelos moradores para compensar o desnível. Qualquer distração pode ter sérias consequências.

O comerciante Moisés Oliveira, proprietário do imóvel da entrada de carros inclinada que acabo de citar, defende a construção. Ele conta que uma recente fiscalização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) o notificou, juntamente com outros moradores, e que a defesa já apresentada. ‘‘Essa minha entrada é até correta comparada com outras que tem aqui na rua. A calçada era muito alta e se eu não fizesse isso, não teria como entrar com meu carro’’.
A aposentada Tânia Soares, que mora numa rua perpendicular, também acha que os moradores não têm culpa. ‘‘Isso aqui é desse jeito há décadas e eu tenho de mudar? Eu por exemplo, se mexer na minha calçada vou comprometer o alicerce da minha casa’’.

Na esquina entre a Jaguarari e a Alexandrino, o caos na urbanização atinge seu ponto máximo. No lado onde ando, há carros estacionados na rua e também na calçada. A traseira de um dos carros parados na calçada praticamente cola com a lateral de outro estacionado na rua, então não me sobra espaço algum para andar. Do asfalto no qual caminho vejo que a esquina oposta tem mais de um metro e meio de altura e acesso através de escadas precárias. Para piorar, móveis de uma estofadora que funciona no local são expostos no passeio público, atrapalhando ainda mais o trânsito das pessoas.

A situação deixa o marketólogo Gilson Roberto indignado. ‘‘É muito perigoso andar aqui. As pessoas pagam seus impostos e ainda têm de andar em calçadas altas, sujas, com buracos. Nossa cidade não tem infra-estrutura’’.

O reformador de móveis Eurípedes Dantas também reclama da altura da calçada e argumenta que a presença de objetos às vezes previne acidentes. ‘‘Estou aqui nesse ponto há 35 anos e várias vezes pessoas idosas deixaram de cair porque se seguraram nos móveis’’.
Exceção

Depois de passar por mais esse ‘‘perrengue’’, dobro na Alexandrino, em direção à Prudente. Não há padronização no piso das calçadas e nem adequação às normas de acessibilidade, mas pelo menos o terreno é mais plano e não encontro desníveis gritantes. Fico surpreso com a calçada de uma loja de carros, única do trajeto que tem piso anti-derrapante e ladrilhos para orientar deficientes visuais.

O estabelecimento é do comerciante Antônio Pereira. Ele sabe que sua loja é uma ilha de respeito à urbe, em meio a um quadro de caos. ‘‘Fiz esse piso um ano atrás pensando em meus clientes e na população. Além da calçada ser adequada, você pode ver que os carros não estacionam fora da área interna da loja, então o passeio público fica livre. Mas no geral, ninguém liga para as leis’’.

A arquiteta Gleyce Elali destaca o aspecto cultural do problema. ‘‘Em Natal, as calçadas não são feitas pensado nas pessoas. Elas são construídas para facilitar a entrada dos carros, as atividades dos comerciantes, mas não para tornar melhor a locomoção dos cidadãos. E falo de todos as pessoas, não apenas dos idosos e deficientes’’. Ela destaca que a cidade já teve elaborados dois planos de acessibilidade e que todos os projetos de reforma e construção têm de ser apresentados dentro das normas, à Semurb e ao Conselho Regional de Arquitetura, Engenharia e Agronomia (Crea). ‘‘Mas sem fiscalização, não adianta de nada’’.

Falta de acessibilidade física em Natal

Falta calçada em Nova Descoberta

GABRIEL TRIGUEIRO - Da equipe do Diário de Natal.

Em muitas vias de Natal, os pedestres sofrem para caminhar em calçadas desniveladas e muito estreitas. Mas na Rua Djalma Maranhão, principal corredor do bairro de Nova Descoberta, a situação é ainda pior. Além de enfrentar barreiras arquitetônicas, a população também tem de dividir espaço com mercadorias expostas no passeio, por comerciantes que não respeitam os limites de suas lojas, e andar na pista em trechos onde carros estacionados e carrinhos de lanche ocupam todo o passeio público.
Cadeirantes dificilmente têm como
fazer uso dos trechos de calçadas. Foto de Joana Lima / DN.
Comecei meu trajeto pela via por volta das 10h, andando em direção ao bairro de Morro Branco, do lado esquerdo da via, no meu ponto de vista, ou seja, no sentido oposto à mão dos carros. Os primeiros dez metros da caminhada não têm pavimentação e estão sujos de esgoto e fezes de cavalo. Vencida essa primeira parte, a subida da ladeira me desafia com batentes que separam as frentes de casa, quando o correto seria haver uma inclinação constante.


Outro problema são as entradas para carros, que formam inclinações perpendiculares nas quais preciso de cuidado redobrado para não escorregar. Esse problema se acentua na calçada de uma loja de brinquedos, com piso bem inclinado e sem rampas de ligação aos trechos vizinhos. Logo em seguida, aparece o primeiro obstáculo não arquitetônico. Um carrinho de lanches bloqueia minha passagem.


Decido andar entre o objeto e o muro de uma casa. Nesse momento, além de me locomover de lado, sou obrigado a subir uma escada e um batente para chegar ao próximo trecho. Sigo caminhando em direção ao cruzamento com a Avenida Amintas Barros e muitas surpresas ainda me aguardam. Após passar por uma esquina na qual as calçadas beiram meio metro de altura, me deparo com um trecho de difícil circulação em frente a um mercadinho.


Nessa parte, a calçada está quase toda tomada por caixas com frutas, garrafões de água mineral e vários outros produtos. Mas o pior é o lixo amontoado e as moscas voando por cima. Ando me espremendo para não bater nos outros pedestres, nos garrafões, nas frutas e, principalmente, nos sacos de lixo. Também tomo cuidado para não cair na rua, já que a calçada é bem alta. Insatisfeito, entro no mercado e pergunto a um vendedor o porquê das mercadorias e do lixo no passeio público. ‘‘A gente deixa as mercadorias aí rapidamente, só enquanto não tem onde espaço para colocar aqui dentro. Mas sempre fica um espaço para o pessoal passar’’, explica.


Sobre o lixo, o homem me diz que os sacos estão ali à espera da coleta diária. O trecho seguinte de calçadas tem desníveis e carros estacionados de um lado da rua, além de placas de propaganda e lixo no passeio oposto. Ao prosseguir com minha caminhada, vejo mais e mais irregularidades. Um pequeno restaurante tem um grande portão que abre para fora e reduz o espaço dos pedetres pela metade. Do outro lado, uma oficina de bicicletas mantém peças do lado de fora. Após percorrer mais alguns metros de batentes, barreiras, rampas, irregulares e desníveis variados, sou obrigado a andar por dentro de um supermercado, já que a calçadas do estabelecimento está completamente tomada por sete carros estacionados transversalmente.


Termino minha caminhada neste sentido indo do supermercado à esquina com a Rua Amintas Barros, trecho em declive que, para variar, tem sequências de calçadas menos inclinadas em relação à rua, o que gera batentes altos, difíceis para descer com segurança. Em seguida, resolvo subir de volta uma parte da rua pela calçada oposta.


Após me espremer entre a pista de rolamento e os andaimes de uma obra, sigo até uma loja de rações e acessórios para animais de estimação. A calçada em frente está preenchida de gaiolas e outros objetos. A exemplo da justificativa dada pelo vendedor do mercadinho, o dono da loja, Elias Silva, explica que não há espaço para as mercadorias na parte interna. ‘‘Quando acaba o expediente, em coloco as coisas aqui dentro e fica lotado’’, explica. ‘‘Mas você pode ver que tem um espaço para as pessoas passarem (o tel espaço tem menos de um metro de largura, quando a legislação municipal determina pelo menos 2,5m de passeio livre). O problema daqui é o trânsito de carros. Nunca vi ninguém reclamando das calçadas’’, afirma.


Não é o que pensa o aposentado Josafá Pereira da Cruz, 84 anos, que mora no bairro há mais de quatro décadas e é dono de um dos raros trechos da Djalma Maranhão que tem calçada larga, plana e desobstruída. ‘‘Aqui, cada um faz as calçadas de um jeito. As pessoas estacionam carros, botam mercadorias, ferragens, carrinhos de lanche e tudo mais. É horrível para andar’’, reclama. Seu filho, o engenheiro civil Ivan Pereira da Cruz, defende que o poder público aja com energia. ‘‘A prefeitura tem autoridade para chegar e tirar essas coisas (referindo-se às barreiras arquitetônicas e aos objetos) e devia tirar mesmo’’, opina.

Descrição da imagem: foto de uma calçada em Natal que tem três degraus e está completamente em desnível.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Para reflerir sempre!

LENTAMENTE...
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoínho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida a fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante…
Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio pleno de felicidade.
Pablo Neruda.

Quarta-capa

Tatiana Rolim - Meu andar sobre rodas.
Por Leandra Migotto Certeza.
Para Tatiana Rolim nossa alma é intocável. Ao olharmos alguém por inteiro é preciso humildade e paciência. Focalizar cada detalhe como único e especial. Todos somos capazes de buscar nas dores de ontem o resgate de flores para o amanhã.
Naquela quarta-feira em 1995 estava tudo programado, exceto o final. Em frações de segundo as adversidades proporcionaram uma grande reviravolta em seu 'eu interior'. Garra, determinação, ousadia e bom humor inato sustentaram sua personalidade frente às mudanças da vida.
Reabilitada fisicamente, Tatiana hoje faz questão de lutar contra todas as barreiras impostas em seu dia-a-dia. Expolorando toda sua sexualidade, ávida para o amor, apaixonada pela vida e por suas surpresas, a autora nos mostra as diversas formas de estar no mundo.
Viajando através de sua história o leitor encontrará um novo universo a ser explorado, o das potencialidades. Descubra seu andar sobre rodas.

Quarta-capa do livro "Meu andar sobre rodas" de Tatiana Rolim. Texto escrito em 2001. Áurea Editora - ISBN: 85-88678-03-9.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Crítica de arte

Bienal ou Canibal?

Abapuru - Obra de Tacila do Amaral - 1928 - óleo/tela 85 X 73cm.
Por Leandra Migotto Certeza.

“Nenhuma fórmula para a contemporânea do mundo. Ver com olhos livres” (trecho do Manifesto da poesia pau-brasil de Oswald de Andrade de 1924.). Será que os críticos esqueceram desse 'detalhe', ao julgar a desapropriação de certos artistas ao tema da mostra? Bienal é aquela exposição de arte que todos esperam dois anos para ver ou um reduto de intelectuais?. E arte é para ver, ou “Aquilo que você vê não é aquilo que você vê”?.

A percepção vai além da visão e a arte vai além da história. É um estado de primeira-idade, contemplação do primeiro instante tanto de um estudante como o de um artista. “Nossa época anuncia a volta ao sentido puro” (trecho do Manifesto da poesia pau-brasil). Sentido esse, que as crianças têm ao intrigar-se com as formas 'diferentes' de René Magritte, alegrar-se com as cores de Tarsila e Van Gogh; libertar-se com o “fantasma” de Antonio Manoel; ou se aterrorizar com a obra de Edgar de Souza. A experiência de ir a um lugar inusitado, o qual não se tem repertório algum pode ser um passo a caminho da busca do conhecimento, desde que não se caia na 'banalização' comercial dos tempos modernos.

A arte está sendo feita para dialogar com o universo e não para ficar preza aos museus ou galerias. Levar o que se diz 'cultura' ao povo é resgatar sua própria identidade. Cultura é tudo o que se vive, seja em uma selva ou dentro de um apartamento. “Temos a base dupla e presente - a floresta e a escola...” (trecho do manifesto poesia pau-brasil). Conhecimento se adquire através do empirismo, com uma 'pitada' de filosofia e teoria. O equilíbrio é a chave que abrirá todas as portas do mundo. “A alegria é a prova dos nove” (manifesto antropofágico).

“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” (manifesto antropofágico). 'Entender' a Bienal em seu contexto histórico e artístico é fundamental para todos os cidadãos, matéria-prima dos artistas e do próprio homem, mas 'curtir' as cores, as formas, e os sentimentos refletidos pelas obras é uma das experiências mais ricas que alguém possa ter.

Não cabe exclusivamente a uma exposição de arte 'tapar o buraco' da desinformação e falta de repertório da maioria das pessoas. Todo processo de erudição, deve ser construído através da educação básica em uma sociedade mais estruturada. Mas não é maravilhoso ver a surpresa estampada no rosto dos velhinhos, o sorriso nas crianças, o amor apaixonante no casal de namorados, a dúvida no semblante do crítico de arte, a descoberta de um novo mundo nos olhos da dona-de-casa? Isso é uma mágica que se renova a cada dois anos... Unir os pedaços da vida é um ato mais do que antropofágico. É um ato humano.

“Preocupado no que as obras têm a lhe dizer individual e pessoalmente, o público não busca um discurso totalizante da exposição e não deve ser criticado por isso. Essa tampouco é uma obsessão dos artistas, e não devia ser. É obsessão de curadores, críticos, historiadores, diretores.”, afirma o crítico Teixeira Coelho. “No passado, a Bienal teve a função de ser um museu temporário. Hoje não é mais. Os museus cumprem a função de trazer grandes exposições. Para trabalhar com material histórico, a Bienal deve entender que história da arte e crítica da arte andam juntas e fariam muito sentido se trabalhassem dentro da contextualização presente.”, esclarece o curador da mostra Paulo Herkenhoff.

O curador pretende evitar noções como fronteiras entre as salas e estimular diálogos entre os selecionados e sua participação com o público. Para ele a Bienal não tem um tema exclusivo, mas trabalha com o conceito de antropofagia, que consiste na incorporação de valores culturais alheios para a criação de sua própria identidade.

É uma mostra de 'curadores vale-tudo', da antropofagia à 'angústia canibal de ser anulado pelo fascínio do objeto', passando pelo trans-humano e a fotografia como 'roubo da alma'. “Buscamos noções de transparência, que permitissem diálogos e que enriquecessem e ampliassem as possibilidades de percurso. Era preciso entender que, ao mesmo se as obras tem existências individuais, essa transparência permitiria um fluxo do olhar entre elas. Os grandes segmentos da Bienal devem estabelecer conexões entre si”, disse Herkenhoff.

Numa sociedade canibal, o sistema de signos não admite variantes. Então, por que não fazer uma Bienal de um artista só? Simples: porque os artistas resistem a essa redução, mesmo quando se apropriam da obra dos outros para construir a sua. “A história como fenômeno geral nunca teve a racionalidade que nela querem encontrar os sistemas de idéias variados. Menos ainda a tem a história da arte. Na 'história' da arte haverá espelhamentos, influências, reverberações. Mas não uma linha, menos ainda silogismos.” (Teixeira Coelho).

Nossos ancestrais guaranis, por exemplo, achavam que a pessoa se dividia em duas partes quando morria: uma ligada ao corpo físico e outra à alma e ao verbo. Assim, os devorados consideravam seus canibais como veículos de transcendência, porque seus corpos não apodreciam na terra e nem virariam espectros maliginos. Cabe lembrar que autoria é uma questão moderna, burguesa. O artista antigo tinha a consciência de que não vinha do zero, de que tinha uma história. Canabalizava conscientemente a obra alheia.

Ao assumir que 'só a antropofagia nos une', a Bienal não está declarando seu credo no que os católicos romanos chamavam de transubstanciação, ou seja, a devoração do corpo de Cristo no momento da comunhão. Está sim, assumindo que a padronização cultural na era da Internet acabou com a possibilidade da autoria. Não existe, assim, espaço para a obra original, não contaminada. A matriz responsável pela geração dos artistas transformou todos eles em seres intercambiáveis, o que é mais monstruoso que o canibalismo original.

A antopofagia surge dentro dessa perspectiva de se trabalhar a questão da cultura brasileira, que perpassa por várias artes: está na pintura, na literatura, no cinema, na fotografia, no teatro, na música. Depois atravessa o tempo. Ela toma uma forma em 1928 com a pintura de Tarsila do Amaral, mas já era possível falar de modos antropofágicos na pintura brasileira há séculos, desde o barroco, por exemplo. Ao mesmo tempo, a antropofagia atravessa o tempo, na direção presente na medida em que artistas como Glauber Rocha, Caetano Veloso, Hélio Oiticica, Lygia Clark foram capazes de reencontrar possibilidades de antropofagia para o momento específico em que viveram.

Qual a vitalidade de uma cultura que gira ou que se faz girar tanto tempo ao redor de um único eixo? Mário reinou sozinho durante quase meio século, mesmo depois de Oswald publicar seus manifestos, e continua sendo envocado. De outro lado, Oswald e a antropofagia só foram aceitos no final dos anos 60. Não há outros nomes e idéias com base nos quais poderia aventurar a cultura brasileira? “A Bienal tem a função de apresentar um panorama, um recorte da arte. A Antropofagia foi desde o começo uma escolha que estivesse vinculada à cultura do Brasil. Não queríamos ter a Europa como ponto de referência, e sim nossa própria cultura como ponto de partida”, esclarece Herkenhoff. ” Nunca fomos catequizados. Fizemos foi carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.” (manifesto Antropofágico).

“Conta todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida.” (manifesto Antropofágico). “Antropofagia não é um padrão. Toda vez que alguém enlata a antropofagia, ela deixa de ser antropofagia.” (Paulo Herkenhoff). É hora de cumprirmos o quarto 'mandamento' do Manifesto Antropofágico, que pede para sermos 'contra todas as catequeses', e passar à devoração final da própria antropofagia e de seu pai e profeta.

“Quanto a mim vou à Bienal ver as obras uma a uma. O prazer visual que o ficcionista Herkenhoff me der será sempre mais decisivo que a lenda imposta às obras. E vou pensando que, se há um manifesto a afirmar hoje, é aquele em favor da libertação dos curadores, e das obras de arte. A arte, assim como as exposições, não precisa de tese a cosê-las, conclui Teixeira Coelho.

Exercício da disciplina História de Arte do curso de Comunicação Social, escrito na Universidade Anhembi Morumbi em ?/?/1998.
Legenda da imagem: reprodução da obra Ubapuru de Tarcila do Amaral. Figura de um ser humano com braços e pernas bem maiores do que a cabeça, retratadas de lado em cor de pele. Ao fundo do ser humano um céu azul celeste, um cactus gigante bem verde e um sol bem redondo, laranja forte e amarelo vivo. As cores e as formas são bem marcadas e marcentes na obra de Tarcila.

'Dedicatória-resenha'

O sopro leve da poesia
Por Leandra Migotto Certeza.

As palavras são como pedras trilhando o caminho da vida. Feliz é aquele que tem um amigo que as escolha. O poeta é a aquele que anda a caçar idéias, como um caçador de borboletas, procurando prender ao pensamento as palavras que ao vento se perdem no seu mundo solitário. O amigo é aquele que as carrega pela vida, com um caderninho pendurado no pescoço e as entrega ao poeta com um sorriso leve e seguro.
O leitor ao abrir as páginas de “EU&MCZ 15 anos de poesia” de Henrique Osório da Fonseca - economista de profissão e poeta de coração - sentirá o sopro leve da vida, como um olhar de amigo. Em meio a verdadeiras declarações de amor (como em “Teu olhar” poema feito de palavras simples); um bilhete a namorada; ou confissões escancaradas do sentimento humano mais incontrolável como a paixã (que é leveda as últimas consequências nos versos de “Refúgio”); à reflexões profundas sobre as diversidades sociais; além do próprio fazer poético, tudo misturado em um mar de sentimentos, o leitor mergulhará em uma busca interior.

O livro é recheado de dedicatórias, homenagens e palavras sobre sua tragetória como poeta. Para o leitor que gosta de conhecer, não só a vida de quem está por tráz dos livros através de suas obras, mas também fora delas; esta coletânea de versos simples e introspectivos será bem saborosa, com “gostinho de quero mais.” Agora para o leitor que está acostumado a um texto construído inteiramente por metáforas e vocabulário erudito, sua obra não passará de um simples caderno de anotações.

“A grande sabedoria vê tudo num só, a pequena sabedoria multiplica-se entre as muitas partes.” Ao colocar esta frase anônima como epígrafe de sua obra, Henrique Osório, declara aos leitores, que as palavras são nada mais do que um retrato dos mais simples sentimentos humanos. Todo leitor aberto às inúmeras janelas da vida que os livros nos trazem, saberá apreciar, em sua obra, a essência humana: sua alma caleidoscópica.
'Dedicatória-resenha' escrita a pedido do professor Luiz Carlos Palma para a obra EU&McZ - 15 anos de Poesia - Henrique S. Osório da Fonseca - Scortecci Editora - pg. 25 - ISBN: 85-73272-158-8 - em ?/?/ 1998

Crítica de cinema



E agente atravessa...


Por Leandra Migotto Certeza.

Em “Ô Xente. Pois, não” documentário de Joaquim Assis, o espectador percorre o olhar do viajante pelos descampados do coração. Imagens de homens arando a terra, como se fincasse sulcos por entre seus corpos.
As vozes parecem estar ao seu lado, escapando dos limites da tela da TV ou do projetor de imagens, como em uma conversa no meio de um roçado. Depoimentos anônimos se tornam coletivos, e nos fazem pensar no papel do artista, se é que ele tem um.

Retratar a miséria do povo, a ignorância intelectual e o atrazo evolutivo de certas regiões do país, não é uma terefa fácil para aquele artista que está desvinculado de esteriótipos e condicionamentos catárticos do sistema capitalista.

Deixar de 'apenas' mostrar mais uma cena de um homem sofrendo e lutando para sobreviver na seca do Nordeste ou nas lavouras da Bahia é um trabalho minuncioso de resgate a condição humana. Foi o que fez Joaquim Assis, ao mostrar ao espectador a simplicidade daquela comunidade.

Ainda bem que hoje existem pessoas com tamanha senssibilidade capazes de captar o ser poético de dentro do artista, como um profundo conhecedor da alma humana na sua essência. A questão que se coloca é o que o leitor faz com a mensagem que as imagens e o texto transmitiram.

Ao acenderem as luzes naquela sala da aula, cheia de pessoas que não se considaram “aquelas da sala de jantar”, de que fala a letra de Mariza Monte, tudo o que senti foi a mais pura emoção. O instante de primeiridade tomou conta do meu ser, e tive vergonha de estar do lado de fora da tela da TV.

Claro, que não vamos sair por aí salvando o mundo, nos livramos de todos os bens materiais, deixarmos a família e nos dedicarmos aos 'necessitados'. Afinal de contas, nós somos os mais necessitados, pois estamos na outra margem do rio e não sabemos o que fazer agora.

Mas ao invéz de apenas ficarmos analizando a fala regionalista ou os erros de concordância verbal das personagens, e a simplicidade do modo de vida daquelas pessoas, vamos olhar para aquele que está mais próximo de nós, como o jardineiro, o feirante, o camelô, a empregada doméstica, o varredor de rua, o mendigo, o moleque que vende balas no farol, e tantos outras personagens que fazem parte do nosso cotidiano.

Exercício do curso de Leitura Crítica promovido pelo Itaú Cultural em ?/?/1999.
Descrição da imagem: foto de Joaquim de Assis, autor do documentário "Ô Xente. Pois, não". Homem calvo de cabelos brancos, aparenta uns 60 anos. Foto em close com um sorriso tímido.

Exercício de semiótica


Imaginando o verbal.

Por Leandra Migotto Certeza.

A fotografia é um sistema de signos, uma signagem; desta forma, afirma e nega o real ao mesmo tempo. Tanto a palavra quanto a foto são entendidas como signo-objeto de si mesmas. Mas o que dizer, das completas alterações feitas com as imagens na era da informatização em que tanto o caráter indicial, iconográfico e simbólico da fotografia pode ser modificado? Atravessamos a linha da reprodutibilidade técnica benjaminiana, para nos aproximarmos quase que no completo vazio do real. Não se pode mais confiar, tanto na imagem como espelho do mundo, ou na palavra como registro histórico.

Tudo o que encontramos hoje, junto aos meios de comunicação é a verossimilhança colocada como verdade. A foto de um jogador de futebol em um caderno de esportes de um jornal, por exemplo, funciona apenas como uma “ilustração”, a qual não revela o caráter documental da notícia, nem trabalha a função simbólica da arte. Serve apenas, para chamar a atenção do leitor para uma identificação visual, apontada atualmente como principal característica da percepção humana. Se houvesse apenas o texto, tachado muitas vezes pela maioria do público, como algo denso a cansativo a atenção seria deslocada ou sumiria quase que por completo.

Mesmo que tentando dar a impressão de autorial na fotografia, colocando seus créditos ao lado da imagem, o jornalista ou artista, está simulando um contexto ficcional ou real. Nunca poderemos confiar, nem na imagem, quanto menos em sua referência escrita: a legenda. Simulacros da comunicação, tanto a palavra como a imagem, perdem a identificação artística ou documental com o leitor.

A relação do verbal e do visual é colocada em cheque em favor da superficialidade do fato transformado em romance 'àgua com açucar'. Em revistas semanais como a “Veja”, em que seu maior conteúdo devia ser a notícia como simples registro ducumental de um fato, o real é transformado em uma espécie, pode se dizer, de 'fotonovela', em que os fatos ganham uma linguagem ficcional romanceada, e as fotos um caráter de simples ilustração. Parece que tudo, ganha status de simulacros do cotidiano, como uma função catártica, a qual mantém o indivíduo preso à ideologia dominante. É como se estivéssemos imaginando o verbal.

Exerício da disciplina de Simiótica, escrito no curso de Comunicação Social da Universidade Anhembi Morumbi em ?/?/1999. O professor deu nota 10 para este texto!
Descrição da imagem: espécie de mandala super colorida feita com desenhos espelhados de formas geométricas em círculos. As cores que predominam são: azul, lilá, amarelo, e vermelho. Foto feita pelo amor Marcos na exposição do SESC Pompéia em 2008.

Crítica de documentário



Cabeças feitas.

Por Leandra Migotto Certeza.

Ao olharmos pela 'janela de nossas casas', a qual está sempre nos ligando ao mundo, veremos como a realidade é uma pintura surrealista. Na era da globalização a condição humana nem chega perto de alcançar a harmonia entre a alma e o corpo.

A ganância e o poder imperam nas cabeças dos homens, e tudo o que se vê são: fábricas funcionando como no início do século, onde os trabalhadores fazem parte da engrenagem das máquinas; crianças virando carvão em meio à escravatura das minas; bóias-frias mutilados; mãos dilaceradas quebrando pedras…

No filme de Adrian Cooper, “Os Chapeleiros”, a fumaça da chaminé da fábrica é o próprio pulmão dos operários, expelindo uma massa escura e densa, mistura de suor e dor. Como corpos espalhados em um necrotério, músculos e ossos descansam na hora do almoço presos entre as máquinas.

O 'som' que sai de suas faces é mais alto do que qualquer depoimento contra a opressão humana. Para aquele que assiste, do outro lado da tela, resta uma sensação de sufocamento absoluto que transpira indignação.

Desigualdade social, injustiça, preconceito racial, alienação ideológica, massificação tecnológica, esteriótipos paternalistas, corrupção política, entre outros 'tons' colorem as pinturas misturadas de fantasia e realidade, puro surrealismo. Faz parte do atual sistema capitalista falido dos países do chamado ‘Terceiro Mundo’.

Produzimos sob o imperialismo internacional dos países desenvolvidos, nos atolando em dívidas, consumindo desenfreadamente o lixo capitalista. Em plena década de 70 rumo ao século XXI, uma fábrica de chapéus ainda funciona nos moldes da era feudal, longe até mesmo, das chamadas divisões do trabalho da Revolução Industrial. Esse é o reflexo de uma sociedade doente, contaminada pelo vírus da ganância e do poder.

Cabe ao artista 'antena da raça', como disse o poeta, continuar captando as imagens dessa realidade, livre de máscaras ideológicas e com “óculos de raio X” radiografar a essência humana: sua alma caleidoscópica.

Exercício do curso de Leitura Crítica realizado no Itaú Cultural - 14/07/1999. O texto foi muito elogiado pela professora da USP que ministrou o curso.

LINK sobre o documenttário: http://www.curtagora.com/filme.asp?Codigo=1639&Ficha=Completa

Legenda da imagem: foto de Adrian Cooper, criador do documentário "Os chapeleiros". Homem de cabelos grisalhos e despenteados com um sorriso maroto e camisa vermelha.