quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Leandra realiza reportagem para Revista D+ - Diversidade e Diferença







Revista D+ - Edição 06 - Sessão Cultura – Pg: 47 e 48

Comunicação inclusiva para quem: herói ou coitadinho

Por Leandra Migotto Certeza *

Segundo dados do Censo de 2010 do IBGE, existem de 46,6 milhões de pessoas com deficiência (24% da população). Só no Estado de São Paulo são 9,3 milhões. Mas embora o conceito de sociedade inclusiva seja garantido pela Constituição Brasileira e referendado por tratados internacionais ratificados pelo país, não mereceu, ainda, uma difusão mais ampla, permanecendo desconhecido em seus fundamentos e em suas implicações na vida cotidiana, como Direitos Humanos.

A deficiência ainda é vista pela sociedade como algo que falta em alguém, e nunca pelo prisma da diferença humana inata, que por suas singularidades, requer atenção às especificidades quanto à forma de comunicação, mobilidade, ritmos, estilos e diversas maneiras de construir o conhecimento e os relacionamentos sociais. Isso acontece por meio do desenvolvimento de suas potencialidades, com total autonomia e independência em uma sociedade acessível a todas e todos, de qualquer idade, etnia, credo, gênero, orientação sexual e nacionalidade.

Estudos comprovam que antes do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, em 1981, a abordagem da mídia brasileira sempre pendeu mais pelo enfoque da vitimização, reforçando cada vez mais o estigma e o estereótipo dessa população. Porém, hoje ainda existem muitas reportagens preconceituosas, sensacionalistas, piegas e, principalmente, que reforçam a visão assistencialista, com uma abordagem pelo olhar da vítima ou do herói, que tem uma lição de vida para contar. “Um bom caminho para se conseguir um espaço na grande mídia sobre pessoas com deficiência é uma história bonita. Nem precisa ter um gancho na notícia. Basta falar de alguém que conseguiu vencer uma barreira muito grande e tem uma trajetória emocionante e espetacular, a qual todas as pessoas param para ouvir; e já ganha uma matéria para o Jornal Nacional ou Fantástico”, conta a produtora.

 “Hoje, o que faz falta para os jornalistas do Jornal Nacional é mostrar um pouco mais o cotidiano das pessoas com deficiência, como por exemplo, as dificuldades corriqueiras de transporte e comunicação, de como é difícil para uma pessoa se locomover, entre outros aspectos. E isso nós não fazemos muito”, afirmou Ellen Nogueira, produtora da Rede Globo de Televisão, durante o IV Encontro de Gestores de Comunicação do Estado de São Paulo, promovido pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência na cidade de São Paulo. 

Com uma proposta bem diferente da grande mídia, a Revista D+, apresentada por Denilson Nalin, durante o Encontro, traz a inclusão potencializando mais as pessoas, com ou sem deficiência, ajudando na formação de opinião, e procurando diminuir preconceitos e desinformações. Para ele, o tema está cada vez mais presente nos esportes, na televisão, em filmes, nas redes sociais, entre outros canais, como qualquer outro tema. “O site da revista é totalmente acessível, inclusive com reportagens e notícias da revista impressa também em vídeo em Língua Brasileira de Sinais (para o surdo não alfabetizado em Língua Portuguesa) e legendas. Hoje, já temos mais de 30 mil leitores”. 

Ao se abordar o tema de jornalistas com deficiência, a plateia questionou sobre como é a presença desses profissionais nas redações da TV Globo. A produtora respondeu que existe a jornalista Flavia Cintra (que tem tetraplegia) trabalhando no Fantástico. Mas há uma preocupação da TV em não expô-la a só fazer matérias com deficiência, porque senão parecerá que ela foi colocada lá apenas para falar sobre isso. “Ela tem que falar sobre tudo, porque é uma jornalista como qualquer outra. Mas teve uma matéria com a atleta Laís Souza, que ficou com deficiência, em que ela foi pegar onda pela primeira vez depois do acidente, em uma prancha adaptada. E esse trabalho é lindo. Nesse caso, a Flavia estava lá”.

Mídia acessível

A acessibilidade não é apenas um instrumento para garantia de direitos, é um direito por si só. “Ouvir é usar a audição. Depende dos ouvidos, é o som chegando até o cérebro. Tocou a campainha da casa do vizinho. Você ouviu? Mas fez diferença para você ou acrescentou algo no seu dia? Escutar é prestar atenção, assimilar, compreender. Dar um significado para a informação que chega. Você não precisa ouvir para escutar. Pode ler nos lábios ou entender via Língua Brasileira de Sinais, por exemplo”, esclarece a publicitária, escritora e blogueiraLak Lobato, durante sua palestra A Comunicação Sonora em um Mundo Silencioso. Ela esteve surda por 20 anos e hoje é usuária de implante coclear (http://desculpenaoouvi.laklobato.com).

Porém, atualmente, caso você tenha deficiência visual ou surdez, ainda será ignorado pelos meios de comunicação da grande massa, que não cumprem o artigo 21 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, instituída pela ONU e ratificada como Emenda Constitucional pelo país; e mais especificamente, a Portaria 310 de 2006, que estabelece recursos de acessibilidade na programação veiculada nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão (uma concessão pública). Ellen disse que está sendo discutido com o Governo Federal a questão de maior acessibilidade dentro da programação da TV Globo, mas não é algo que já esteja definido. “Eu sei que estudos existem sobre o tema, mas nada foi efetivado”.

Na televisão, a audiodescrição (recurso que consiste na descrição clara e objetiva de todas as informações que compreendemos visualmente e que não estão contidas nos diálogos) começou a ser implementada em julho de 2011, depois de grandes embates entre pessoas com deficiência visual e audiodescritores de um lado, radiodifusores e Ministério das Comunicações do outro. De duas horas diárias, como era previsto por lei para ser implementado em 2008, chegando a 100% da programação televisiva em 10 anos, a carga horária de programação audiodescrita foi drasticamente reduzida para insignificantes 2 horas semanais a partir de julho de 2011 e ampliada para 4 horas semanais em julho de 2013.

O Ministério Público Federal entrou com ação em 2013, objetivando que a carga horária fosse revista, para que ser retomasse o cronograma de implementação anterior e que em 11 anos toda a grade de programação televisiva fosse acessível às pessoas com deficiência visual e a outros públicos que do recurso se beneficiam. Claro que isso não foi em frente. Dia 25 de setembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a portaria que obrigava emissoras de TV a disponibilizar 100% de seu conteúdo com audiodescrição em 11 anos. Preferiu voltar atrás e considerar o cronograma anterior, de chegar em até 20 horas semanais em 10 anos.

 ‘Portador’ ou ‘necessidades especiais’

Durante o Encontro, Ellen afirmou que 99% dos jornalistas não sabem nada sobre pessoas com deficiência, e principalmente, quais são as terminologias corretas, entre outros assuntos. “Os jornalistas do Jornal Nacional, recentemente, erraram ao falar ‘surdo-mudo’, que não existe. Recebemos uma enxurrada de críticas e aprendemos com isso. Também demos uma errata sobre o uso do termo ‘portador de necessidade especial”. Depois de pesquisar sobre a Convenção da ONU para entender sobre o assunto, a produtora constatou que existem jornalistas que não sabem falar sobre o tema. Para ela, hoje a mídia ainda tem muita responsabilidade sobre a terminologia errada ser repetida pelas pessoas. “Por isso, disseminar os conceitos corretos veiculados durante este evento será muito importante para nós aprendermos a tratar as pessoas com deficiência com mais respeito”. O intérprete presente na sala completou a fala da produtora, e explicou que não é certo utilizar linguagem de sinais para se referir às pessoas com deficiência auditiva ou surdez. A Libras é a segunda língua oficial do Brasil.

O público recebeu um folheto com recomendações sobre a terminologia inclusiva para orientar na produção de documentos e matérias que mencionem as pessoas com deficiência. Maria Isabel da Silva, jornalista e gestora de comunicação institucional da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, também realizou uma palestra enfocando a falta de informações corretas sobre as terminologias e mostrando um panorama sobre a história mundial e nacional do movimento social das pessoas com deficiência. A Secretaria disponibiliza material sobre o tema no endereço http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/.

*Leandra Migotto Certeza é jornalista, há 15 anos atuando nas principais revistas do setor, tem deficiência física, trabalha como consultora na área da inclusão e mantém os blogs: Caleidoscópio e Fantasias Caleidoscópicas. Esteve no Encontro de Gestores de Comunicação a convite da D+.

Fonte: http://demais-revista.com.br/