sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Aniversário da São Paulo ainda inacessível e excludente!!!



Descrição da imagem: cartum de Ricardo Ferraz (desenhista com deficiência física) em que um homem com cegueira (com bengala e óculos) bata a cabeça fortemente em um poste de orelhão colocado erroneamente no meio da calçada. Acima do desenho está escrito: "O que vem de baixo não me atinge... Ui!".


Em 459 anos, a SP ainda não é acessível para todas as pessoas!! O RJ também tem inúmeros problemas; mas a cidade mais populosa do Brasil, DEVE melhorar muito para não excluir cidadãos e cidadãs que pagam devidamente uma das maiores taxas de impostos do Planeta, e têm o DIREITO de serem vistas e respeitadas 365 dias por ano!!!! 


Nesta importante data, parabéns aos ferrenhos defensores dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência da cidade de SP por lutarem todos os dias por lugares completamente acessíveis à todos e todas sempre!!!!!!!!!!

É necessário deixar bem claro que segundo a Convenção sobre os Direitos Internacionais das Pessoas com Deficiência, elaborada pela Organização das Nações Unidas, e oficializada como uma Emenda Constitucional, é inaceitável qualquer falta de acessibilidade, preconceito, discriminação e desrespeito aos seus direitos inalienáveis! Então, não é considerado correto inventar rotas supostamente percorridas pelo maior número de pessoas com deficiência dentro da cidade! 

TODAS as regiões DEVEM ser completamente acessíveis, principalmente, as periféricas que pelo seu desnível arquitetônico maior, excluem 99,9% as pessoas com deficiência de exercerem plenamente sua cidadania. 

Além disso, é necessário respeitar todos os artigos da Convenção da ONU, não apenas para garantir a acessibilidade física, mas a comunicacional, e junto com todos os direitos à educação, trabalho, habitação, saúde, cultura, esportes, e política de todas as 1, 5 milhões pessoas com deficiência que habitam a cidade de São Paulo. 

A mais populosa cidade do Brasil tem a obrigação de servir de exemplo para as demais!

Cabe somente à população, que elegeu seus governantes, cobrar seus direitos, para que seja bem representada para proporcionar, cada dia mais, uma vida melhor com autonomia, independência, empoderamento em cada cantinho da cidade.

É urgente deixar bem claro que ABSOLUTAMENTE todos os seres humanos podem adquirir qualquer deficiência em virtude dos acidentes de trânsito e domésticos, da violência (com armas de fogo, entre outros crimes); além de doenças, completamente, impossíveis de prevenir.

E além disso, o número de pessoas que envelhecem na cidade está cada dia aumentando. Portanto, estes cidadãos e cidadãs tem o direito de viverem com qualidade, autonomia e conforto em uma cidade acolhedora, que respeite suas dificuldades naturais de enxergar, ouvir, caminhar, falar, e conviver, pois TODOS os seres humanos que envelhecerem passarão por mobilidades reduzidas e/ou deficiências ao longo da vida, por menor que seja.

Por isso, o Desenho Universal e a Acessibilidade é necessária para todos e todas! Inclusive, crianças e mães com carrinhos de bebês.  

Força moradores de São Paulo!! Coragem e garra para exigir e construir uma cidade acessível e inclusiva HOJE!!!! 


Descrição da imagem: Cartum do desenhista Ricardo Ferraz. Quatro pessoas com deficiência carregam um grande lápis preto, como se levassem uma tora pesada para conseguirem entrar em uma porta fechada. Sobre ela está escrito SOCIEDADE. Uma pessoa com cegueira, outra com deficiência física em cadeira de rodas, uma pessoa com deficiência intelectual e um com surdez dizem: "Queremos Botar o Nosso Bloco na Rua".

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Caleidoscópio


Descrição da imagem: lindo pôr do sol em céu azul com raios desenhados e o dia escurecendo. Foto: Leandra Migotto Certeza - em Bertioga / 2011.

Hoje descobri que ter uma deficiência é ser acima de tudo gente. Ser uma pessoa é muito mais do que braços e pernas que se movam ou uma cabeça que pense, é acima de tudo sentimento e amor. É tudo como uma fórmula mágica, a qual leva proporções de substâncias vitais. Elas são colocadas em dosagens diversas, sutilmente.

Para olharmos alguém por inteiro é preciso paciência e humildade. Focalizar cada detalhe como único e especial. Há potencialidades em balanceamento e não apenas deficiências. Buscar a perfeição é um dom natural do ser humano que, afinal, quer sentir-se falsamente completo em algo, seja ele uma imagem ou uma concepção.

Então, será que se olharmos com cuidado a totalidade, como em um caleidoscópio formada por diversas peças refletidas, não chegaremos a uma forma mais do que perfeita, apenas: HUMANA?

Leandra Migotto Certeza - em 1998

Escrevi este poema em 1998 para a primeira revista especializada em pessoas com deficiência e inclusão quando comecei minha carreira de jornalista e passei por todos os veículos de comunicação da área de SP. Foi um lindo começo... Tenho muito o que aprender e desenvolver ainda. Espero que gostem...

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Permissão para ser INfeliz

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)

A psicóloga Rita de Cássia de Araújo Almeida conta como a demanda por felicidade vem crescendo nos serviços de saúde mental da rede pública

ELIANE BRUM
Há alguns anos me pergunto se o “direito à felicidade”, que se tornou uma crença partilhada tanto por religiosos quanto por ateus na nossa época, tem sido causa de considerável sofrimento. Se você acredita que tem direito à felicidade, de preferência todo o tempo, ao sentir frustração, tristeza, angústia, decepção, medo e ansiedade, só pode olhar para esses sentimentos como se fossem uma anomalia. 

Ou seja: eles não lhe pertencem, estão onde não deveriam estar, precisam ser combatidos e eliminados. O que sempre pertenceu à condição humana passa a ser uma doença – e como doença deve ser tratado, em geral com medicamentos. Deixamos de interrogar os porquês e passamos a calar algo que, ao ser visto como patologia, deve ser “curado”, porque não faz parte de nós. É um tanto fascinante os caminhos pelos quais a felicidade vai deixando o plano das aspirações abstratas, da letra dos poetas, para ser tratada em consultório médico. E, ainda mais recentemente, como objeto do Direito e da Lei, inclusive com proposta de emenda constitucional.    


Quem acompanha esta coluna sabe que a felicidade tem sido um tema assíduo. Acredito que poucos fenômenos são tão reveladores sobre a forma como olhamos para a condição humana em nosso tempo como o “direito à felicidade”. Sem esquecer que este tema está relacionado a outros dois fenômenos atuais: a medicalização da vida e a judicialização dos sentimentos. Ou, dito de outro modo: tratar o que é do humano como patologia e dar aos juízes a arbitragem dos afetos.

É importante – sempre é – ressaltar que obviamente existem doenças mentais e situações nas quais o uso de medicamentos é necessário e benéfico, desde que com acompanhamento rigoroso. O que se questiona aqui são os casos – infelizmente frequentes – de leviandade nos diagnósticos psiquiátricos e o consequente abuso no uso de medicamentos, que tem criado uma multidão de dependentes de drogas legais, cujas consequências só serão conhecidas nas próximas décadas. É íntima a relação deste fenômeno com a crença da felicidade que assinala nosso tempo. 
Desta vez, convidei a psicóloga e psicanalista Rita de Cássia de Araújo Almeida para falar sobre um recorte muito significativo: a crescente demanda por felicidade no SUS. No texto de final de ano em seu blog, ela abordava a “ditadura da felicidade” do ponto de vista de sua experiência como trabalhadora da rede pública de saúde mental. Rita, 43 anos, é formada em psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com mestrado em educação. Há 10 anos ela atua como psicóloga em CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), serviços estratégicos na área da saúde mental. Atualmente, Rita trabalha no CAPS Leste, de Juiz de Fora, e coordena o CAPS Casa Aberta, no município de Lima Duarte, ambos no interior de Minas Gerais. 
Nesta entrevista, ela toca em pontos importantes: o aumento do sofrimento causado pelo imperativo da felicidade; a crescente demanda por um diagnóstico de transtorno mental, com a consequente receita de medicamentos; a transformação de momentos como luto, desilusão amorosa e rebeldia juvenil em doença; a dificuldade cada vez maior de compreender que sentimentos como tristeza, angústia, frustração, ansiedade e medo dizem algo importante sobre a vida, que deve ser escutado e não calado. Assim como a insônia e a falta de apetite nem sempre significam doença, mas um aviso de que é preciso reformular algo no cotidiano.  
Nos últimos anos, Rita e seus colegas perceberam que tinham uma nova função ao acolher as pessoas que os procuravam na rede pública: autorizá-las a serem infelizes. Isso deve dizer algo sobre todos nós – e sobre nosso mundo.  
Você atua na rede pública de saúde, escutando pessoas que relatam dores psíquicas. Em seu texto de despedida de 2012, no seu blog, você escreveu sobre a “ditadura da felicidade”, apontando a diferença de queixa das pessoas nos serviços de saúde mental nesta última década. Afirmou que hoje o pedido é por “felicidade” – ou, dito de outro modo, teria se tornado impossível para as pessoas sentirem-se “infelizes” ou conviver com alguém “infeliz”. Como é isso?  

Rita de Cássia de Araújo Almeida – Atuo na saúde pública, em serviços do tipo CAPS (saúde mental) há 15 anos, sendo 10 deles como psicóloga. E, sim, tenho percebido uma mudança na maneira como as pessoas entendem a felicidade. Num passado não muito distante a felicidade era um bem a ser conquistado, quase uma utopia. Hoje, as pessoas se sentem na obrigação de serem felizes. A psicanálise entende a nossa época como a “era do direito ao gozo”. Ou seja: hoje, todos têm o direito de gozar plenamente, sem restrições. Nesse caso, a felicidade deixou de ser uma contingência, um evento, e passou a ser um direito que supostamente deveria ser garantido. Vivemos sob a ditadura da felicidade, e, por isso, grande parte das pessoas tem dificuldade de passar por momentos de infelicidade, de frustração e de perdas com naturalidade, entendendo isso como parte da existência. 

O que você está dizendo é que o imperativo da felicidade, a obrigação de ser feliz, está provocando sofrimento?


Rita – Percebo que as pessoas, além de sofrer pelo motivo que as levou a procurar ajuda, sofrem ainda mais pela angústia de ter que se livrar daquele sofrimento rapidamente, a qualquer custo. Não compreendem que aquilo que sentem pode ter um significado e um motivo que precisam ser escutados, pela própria pessoa. Também sentem muita necessidade de dar um nome para o que sentem. Querem logo receber um diagnóstico.


Tenho alguns exemplos que, imagino, não fogem muito à realidade de outros colegas trabalhadores da área. Um deles é quando alguém perde um ente querido e a própria pessoa – ou alguém da família, ou até mesmo outro profissional de saúde – solicita atendimento especializado pelo fato de ele ou ela estar sofrendo ou chorando muito. Enterram o pai num dia e querem estar prontos para ir ao cinema no fim de semana seguinte. Temos também adolescentes encaminhadas à psiquiatria por estarem em conflito com o namorado, assim como crianças indicadas por apresentarem problemas de comportamento e dificuldades de aprendizagem.
Para os que não estão familiarizados com o fluxo de funcionamento da atenção à saúde do SUS, precisamos abrir um parêntese para que entendam o exemplo que vou dar a seguir. O sistema funciona, ou pelo menos deveria funcionar, em rede. A atenção primária – o posto de saúde, unidade de saúde ou estratégia de saúde da família – é a extremidade da rede mais próxima do usuário. Portanto, é a primeira que ele procura quando apresenta qualquer problema. O desafio da atenção primária é não trabalhar em cima das especialidades médicas, mas intervir na pessoa como um todo, tendo como diretriz a promoção e a prevenção da saúde. Entretanto, a atenção primária pode, em casos mais específicos, nos quais a intervenção do chamado especialista seja imprescindível, acionar outros parceiros da rede que possam oferecer suporte. Os CAPS, modalidade de serviço que trabalho, oferecem uma escuta especializada no campo da saúde mental.
Certa vez, recebemos em acolhimento uma mulher, encaminhada por um profissional da atenção primária do nosso território de atuação. Segundo ele, esta mulher apresentava um quadro de insônia e delírio persecutório. Numa escuta mais cuidadosa, soubemos que ela, na verdade, estava insone por medo do marido, que ameaçava jogar água fervente em seu ouvido enquanto ela dormia. Portanto, uma ameaça real – e não um delírio de perseguição. Quando ela me disse que precisava de uma consulta com um psiquiatra para que ele lhe desse um remédio pra dormir, tive de perguntar a ela: “Um remédio? Para quê? Para a senhora acordar com o ouvido queimado?”. Parece óbvio, mas ela não se dava conta de que não dormir, no seu caso, era um sinal de saúde, era uma forma de se proteger (do marido violento) – e não uma doença. Tivemos de autorizá-la a estar com insônia e, obviamente, auxiliá-la a tomar outras providências mais adequadas à situação.


O que essa queixa de “infelicidade” diz da nossa época? O que ela oculta? O que revela?
Rita – Na verdade, o que causa infelicidade às pessoas não mudou muito. Sofremos, em geral, pelo mesmo motivo apontado por Freud há quase 100 anos. Sofremos, na imensa maioria das vezes, do mal-estar resultante das nossas relações com os outros. Entretanto, percebo que mudou muito a forma como as pessoas lidam com esse mal-estar, com sua infelicidade cotidiana. Num passado não muito distante o profissional da saúde mental era, em geral, procurado para ajudar a pessoa a compreender seus mal-estares, decifrá-los. Hoje, um número cada vez mais crescente de pessoas nos procura com um único objetivo: se livrar dos mal-estares. Não querem saber nada sobre seus sofrimentos ou sobre sua infelicidade, não desejam decifrá-los ou interrogá-los. Querem apenas que o sofrimento e a infelicidade silenciem, e ainda demandam de nós uma resposta rápida, eficaz e, especialmente, que não lhe exija muito esforço. Estamos nos tornando uma geração de humanos que temem sua própria humanidade. Vivemos numa sociedade que pretende negar e rejeitar toda espécie de tragicidade que a condição humana carrega consigo.
O que perdemos quando paramos de nos interrogar sobre nosso mal-estar com o mundo? Ou sobre nossos conflitos, nossas angústias e ansiedades?

Rita Para a psicanálise, nossos mal-estares são oportunidades que temos para reconduzir e aperfeiçoar nosso processo de subjetivação, de construção de nós mesmos, processo este que nunca cessa. São esses mal-estares que nos fazem repensar nossos valores, objetivos, nosso modo de ser e nossas relações. As lagartas, para se transformarem em borboletas, precisam antes passar pela fase do casulo. Se quisermos aproveitar esta metáfora para entender o processo de subjetivação humano, diríamos que somos capazes de viver esse processo de transformação um sem número de vezes. De lagarta para borboleta, de borboleta para lagarta, e assim sucessivamente. Estas transformações, por sua vez, só acontecem quando questionamos nosso modo de ser e de estar no mundo. Quando paramos de nos interrogar, perdemos a oportunidade de passar por essas transformações, ficando paralisados, fixados em uma só condição: ou lagarta, ou borboleta. E é muito melhor quando podemos aproveitar todas as possibilidades de estar nesse mundo.

Por que você acredita que paramos de nos interrogar? O que aconteceu? O que mudou?


Rita – A pressa talvez seja o sintoma mais evidente da nossa sociedade atual. Zygmunt Bauman (sociólogo polonês, autor de Modernidade LíquidaO Mal-Estar da Pós-Modernidade e Vida para Consumo, entre outros) descreve muito bem nosso tempo. Ele diz que vivemos sob a pressão de constantes mudanças, o que favorece uma cultura do esquecimento, em vez de uma cultura do aprendizado e da lembrança.


Como eu disse, as queixas são as mesmas de 10 anos atrás, mas hoje é cada vez mais comum que as pessoas procurem soluções fáceis e rápidas. As pessoas não têm paciência e disposição para passar por tratamentos longos, que exijam esforço e tempo. Outro dia, eu ouvi algo mais ou menos assim, num atendimento: “Olha aqui, minha filha, eu não vim aqui pra ficar de conversinha com você. Eu tenho depressão e preciso de um remédio, porque esse que eu estou tomando não está valendo nada”.

O que você diz para uma pessoa que acabou de perder alguém que amava, mas não quer viver esse luto? Ou acredita que não deveria estar sentindo essa dor, ou até que é injusto sentir essa dor?
Rita – Percebo mais como se as pessoas não se sentissem no direito de sofrer, não se sentissem autorizadas a serem infelizes, sabe? Então, é interessante que muitas vezes tenhamos de intervir de modo a autorizá-las a sofrer. Precisamos dizer a elas: “Olha, você acaba de perder sua mãe, e, se você a amava, é normal que você sofra, que não durma bem, que não queira se alimentar. Estranho seria se você quisesse ir ao cinema logo depois do enterro. Então, vá para casa, chore, sofra, viva seu luto, compartilhe-o com as pessoas que você ama e volte aqui na semana que vem para conversarmos mais”. Alguns voltarão algumas vezes e agradecerão depois por você não ter se aproveitado de sua fragilidade momentânea para rotulá-lo com um diagnóstico psiquiátrico. Alguns não voltarão porque buscarão outras soluções e modos de lidar com a perda. Uma minoria voltará muitas vezes, porque aquela perda foi realmente insuportável e quebrou a pessoa de tal maneira que a ajuda profissional será fundamental para que ela consiga seguir caminhando. E alguns outros não voltarão, porque irão procurar outro profissional que atenda o seu pedido, que lhe dê uma anestesia, uma droga qualquer que faça calar seu mal-estar. É claro que, lamentavelmente, encontrarão quem faça isso.

O tratamento, no caso, seria “autorizar” a pessoa a ser “infeliz”? Ou a sentir frustração, tristeza, desânimo, ansiedade, saudade, medo etc... ?


Rita – Sim. Para trabalharmos de forma ética, não temos de dizer apenas o que a pessoa quer ouvir, mas, sobretudo, o que ela precisa ouvir. Sendo assim, temos que, muitas vezes, desconstruir sua demanda inicial, autorizando-a a sofrer, a ficar infeliz, a perder o sono e o apetite, quando isso faz parte de um contexto normal de perda, luto, fracasso, desentendimento familiar. Até para que a pessoa possa, a partir daí, fazer perguntas sobre sua vida, suas escolhas, seu modo de ser... No caso daquela mulher que não dormia por causa do marido que a ameaçava, por exemplo, não medicá-la, não acabar com sua insônia, foi fundamental para que ela pudesse questionar seu casamento, a posição dela naquela relação, e possibilitar que ela pudesse fazer novas escolhas e buscar outros caminhos.

Você poderia dar outros exemplos concretos da experiência no consultório?


Rita – Dias atrás recebemos em acolhimento um homem de meia idade queixando-se de dificuldade para dormir e nervosismo. Ele queria a receita de um remédio que já tinha usado uma vez e que, segundo ele, foi muito bom. Ou seja, ele apresentou uma queixa e, em seguida, a solução, tudo em poucos minutos. Tentando desacelerar sua pressa, como deve ser a nossa conduta nesses casos, tratei de fazer as perguntas que ele mesmo deveria estar se fazendo naquele momento. Como estava a sua vida, a sua relação com o trabalho, com o lazer, com a família, o que o deixava nervoso, o que pensava nas noites insones... Respondendo a estas perguntas, ele confessou que, depois da morte da esposa, há alguns anos, decidiu mergulhar intensivamente no trabalho, “para não pensar”. Ele trabalha no trânsito, um local por si só muito estressante, cerca de 14 horas por dia, incluindo feriados e finais de semana, sem horário certo para comer ou dormir. Não tem lazer, mora sozinho e não conseguiu, desde a morte da esposa, se relacionar afetivamente. No decorrer da nossa conversa, ele conseguiu perceber que, com a vida que estava vivendo, era impossível que não estivesse insone e estressado. No final da consulta, estava decidido a reduzir seu tempo de trabalho, a definir horários regulares para comer e dormir, a voltar a fazer uma atividade física e a programar seu lazer. Pedi que ele nos telefonasse em um mês para dar notícias sobre as mudanças, se elas tinham produzido o efeito esperado. Minha experiência me diz que, neste caso, conseguimos produzir o efeito desejado: auxiliar a pessoa a sair de uma posição de paralisia e impotência diante de seus sintomas.

Como é o método de trabalho nos CAPS? Há uma preocupação de que as pessoas não sejam medicadas sem necessidade, quando, em muitos casos, como você conta, a demanda é por um diagnóstico de transtorno mental, com a consequente receita de pílulas? Ou, dito de outra forma, como evitar que os CAPS virem fábricas de doentes mentais e dependentes de drogas legais?


Rita – Como eu disse, o sistema público de saúde funciona em rede. Os CAPS compõem o trançado da rede que oferece uma escuta especializada no campo da saúde mental. Sendo assim, apesar de, em alguns casos, recebermos demanda espontânea, o mais comum é recebermos encaminhamentos dos demais parceiros da rede, em especial da atenção primária. Ao chegar ao CAPS, a pessoa passará por um dispositivo chamado “acolhimento”. Este é um dispositivo que deve ser utilizado por todos os CAPS, uma diretriz para o que chamamos de “porta de entrada” do serviço. Regular esta porta de entrada é fundamental para que os CAPS, como você disse, não se transformem em fábricas de doentes mentais. O acolhimento, como o próprio nome diz, é o momento em que a pessoa será acolhida em sua demanda, será escutada com cuidado, sem pressa, em uma ou mais entrevistas, por um ou mais profissionais do serviço, para que se possa construir uma estratégia de intervenção. E a intervenção pode ser, inclusive, desconstruir a demanda inicial pelo diagnóstico e pela medicação, para incluir outras demandas, nas quais a pessoa pode atuar como protagonista de sua própria história – e não como um mero usuário de drogas legais, para usar suas palavras.

O “direito à felicidade” tem sobrecarregado o sistema público de saúde? Qual é a sua experiência? É a maioria dos casos na área de saúde mental?


Rita – O Ministério da Saúde, através da Coordenação de Saúde Mental, tem passado orientações no sentido de evitar a psiquiatrização e medicalização das situações cotidianas, obviamente por entender que esse tipo de conduta é, na atualidade, uma realidade na saúde pública brasileira. A Linha Guia de Atenção em Saúde Mental de Minas Gerais – uma publicação da Secretaria Estadual de Saúde que define as diretrizes da política de saúde do estado – alerta para o problema do uso inadequado dos chamados benzodiazepínicos, comumente indicados como se fossem uma fórmula mágica para solucionar problemas pessoais e sociofamiliares. Os benzodiazepínicos – classe de medicamentos com propriedades ansiolíticas, hipnóticas, anticonvulsivantes e miorrelaxantes – estão entre os medicamentos mais prescritos no mundo e inúmeras vezes de maneira inadequada. Geralmente, segundo essa Linha Guia, são prescritos quando o médico se sente impotente diante das queixas de seus pacientes. Hoje, o uso abusivo de benzodiazepínicos pela população tornou-se um grave problema de saúde pública.


No nosso cotidiano de trabalho nos CAPS, especialmente no trabalho em parceria com a atenção primária, onde podemos fazer um diagnóstico do que leva as pessoas a procurarem tratamento em saúde mental, temos percebido um aumento na demanda por psiquiatrização e medicalização dos problemas cotidianos. O bom é que, na saúde pública, temos mais liberdade de desconstruir esse tipo de demanda: com a pessoa que nos procura, com a sua família e até com o colega profissional de saúde.
“Usamos o medicamento de forma correta e ética quando ele serve para a pessoa falar – e não para fazê-la calar” 
O “direito à felicidade”, na sua opinião, tem levado então a uma maior medicação das pessoas?


Rita – Sim, sem dúvida. A maioria das pessoas que nos procura quer ser medicada – diagnosticada e medicada. Querem um nome para a sua doença e uma pílula milagrosa que resolva seu mal-estar. E, quando dizemos a elas que o remédio não vai resolver seus conflitos familiares, não vai solucionar seus problemas financeiros, não vai dissolver uma culpa ou uma perda, assustam-se e ficam pensativas. Acho que as pessoas realmente acreditam que há um remédio que solucionará isso para elas. E, na verdade, elas não acreditam nisso por acaso. Elas acreditam porque há um discurso, extremamente forte e presente em nossa sociedade, alimentado principalmente pela indústria farmacêutica, que sustenta a ideia de que é possível encontrar na prateleira da farmácia um remédio para qualquer mal-estar que nos incomode. Este é um excelente exemplo, na saúde, de quando a oferta gera a demanda. Existe demanda por felicidade em pílula porque o multimilionário mercado farmacêutico oferta esse tipo de solução.  


Isso não quer dizer que os medicamentos psiquiátricos nunca devam ser usados, que são um mal em si. A crítica que se faz é à medicação excessiva e sem norteamento ético. O medicamento precisa servir para que a pessoa fale, para que ela compareça – e não para que ela se cale, se transforme numa morta-viva, num zumbi. Às vezes, a doença psíquica chega ao ponto de impedir a pessoa de ir e vir, de se comunicar, paralisando-a completamente, impedindo-a de fazer laços ou apagando a sua subjetividade. Nestes casos, o medicamento pode e deve ser usado, mas somente com o intuito de fazer com que a pessoa se movimente, fale, compareça. Resumindo: no campo da saúde mental sabemos que estamos usando o medicamento de forma correta e ética quando ele está servindo para fazer a pessoa falar – e não para fazê-la calar.
Você acredita que existe diferença na demanda nos serviços de saúde mental da rede pública e na demanda nos consultórios privados, com respeito à felicidade e à forma como as pessoas se relacionam com dores como frustração, angústia, tristeza, medo etc?
Rita – Eu sou uma entusiasta defensora do nosso sistema público de saúde – o SUS. Na minha opinião, deveríamos ir às ruas levantando bandeiras para exigir financiamento adequado e melhores condições para os seus trabalhadores. E, dentre os inúmeros motivos que me fazem defender esta proposta, vou dizer apenas um que considero fundamental. O melhor sistema de saúde privado que poderíamos conceber não é capaz de fazer uma coisa que só o SUS pode fazer: intervir sem estar submetido à lei de mercado ou à lógica do consumo. Não podemos negar que a medicalização dos nossos problemas cotidianos faz muito bem ao desenvolvimento da indústria farmacêutica – e só o SUS é capaz de manter uma distância segura dessa influência.


Além disso, no SUS, podemos com mais tranquilidade desconstruir a demanda por uma especialidade ou por uma intervenção específica, pelo próprio sistema de rede. Na rede privada ou conveniada, qualquer um de nós pode, a qualquer momento, marcar uma consulta com qualquer especialista, mesmo que não haja nenhuma indicação para tal. Só isso já aumenta muito a probabilidade de uma pessoa ser diagnosticada e medicada sem o cuidado necessário – algumas vezes por uma falta de cuidado ético do profissional, em outras vezes pela própria pressão do usuário em ser atendido no seu pedido. Especialmente porque, no setor privado, o usuário é, na verdade, um cliente. E sabemos que, na sociedade de consumo, o cliente sempre tem razão.
De certo modo, você percebe na sua prática clínica cotidiana que tudo o que é do humano virou patologia. De novo, o que isso revela? E o que isso causa?
Rita - Sim, hoje, tudo o que nos torna humanos é passível de ser diagnosticado e medicado. Acho que isso revela que nós nos tornamos uma sociedade extremante “careta”. Careta no sentido de ser capaz de interpretar todo o tipo de transgressão ou de atitude fora do padrão como um provável transtorno mental a ser diagnosticado e tratado. Ou seja: normatizado. Tenho 43 anos e três filhos, dois deles adolescentes de 17 e 15 anos. Quando eu tinha a idade deles, uma atitude qualquer que eu cometesse, fora das normas e das regras, era tratada como uma transgressão, apenas. E tínhamos certo orgulho da punição que recebíamos, já que ela era como um troféu e também uma espécie de acerto de contas, que nos autorizava a transgredir novamente. Já meus filhos não têm a mesma sorte que eu tive. Precisarão de muito cuidado para escolher seu modo de transgredir, pois, ao invés de ser entendido como um ato de rebeldia ou travessura adolescentes, pode ser interpretado através de um diagnóstico psiquiátrico, condenando-os assim a um tratamento psicológico ou medicamentoso. Acho isso uma grande caretice.

Vivi recentemente uma situação no mínimo inusitada, que retrata bem o que estou dizendo. Uma mãe nos procurou no CAPS com seu filho adolescente de 15 anos. Demandava uma avaliação psiquiátrica para ele. Nos CAPS em que trabalho, temos como protocolo que o acolhimento seja feito por outro profissional, que não o médico, exatamente para esvaziar essa demanda imediata pelo medicamento. Eu, então, fui fazer o atendimento com mãe e filho. Segundo o relato da mãe na consulta, o rapaz estava repetidamente se envolvendo em atos delinquentes. No último deles foi punido pela Justiça e condenado a uma pena alternativa, pelo fato de ser menor de idade. A mãe queria que descobríssemos qual transtorno mental seu filho tinha. Transtorno este que, supostamente, estaria fazendo com que ele tivesse aquelas atitudes. Em seguida, assisti a um bate-boca inusitado entre mãe e filho. Ela tentando me provar que ele tinha uma doença mental ou que estava sob o efeito de alguma droga, enquanto ele afirmava que seu comportamento nada tinha de patológico, já que ele tinha plena consciência de seus atos, estava no seu juízo perfeito e não cometeu os delitos sob o efeito de drogas. Enquanto a mãe queria que eu rotulasse o filho com algum diagnóstico, o filho tentava dizer a ela que infringiu a lei conscientemente e pretendia pagar pelo seu ato ilícito. Naquele momento, fiquei com muita pena daquela mãe tentando desesperadamente transformar o filho num doente mental, mas, ao mesmo tempo, também fiquei com pena daquele menino que queria apenas ser tratado como um rebelde, um fora da lei – e não como um doente. Vivemos tempos estranhos...


E por que vivemos tempos estranhos?

Rita – O estranhamento é exatamente a sensação que temos quando percebemos uma mudança que ainda não compreendemos totalmente. Acho muito estranho que alguém prefira ter um filho portador de transtorno mental a ter um filho que transgrediu a lei. Acho estranho que todas as nuances do comportamento humano sejam passíveis de serem nomeadas e medicalizadas. Ou seja: passíveis de normatização.

“Estamos produzindo uma geração de jovens que se quebram ao menor arranhão” 
Como a questão do “direito à felicidade” se manifesta na relação entre pais e filhos? E qual é o papel do consumo nessa relação?


Rita – Você já trouxe alguns textos com esse tema aqui na sua coluna. Hoje, toda criança já nasce gozando do direito pleno e irrestrito à felicidade. E assim sendo, as crianças não precisam mais lutar por ela ou desejá-la. Se a felicidade é um direito, cabe a elas tão somente se queixarem ou cobrarem quando esse direito não está sendo atendido. E os pais têm sido os mais cobrados para fazer valer esse direito. Os filhos dessa geração exigem que seus pais os façam felizes, que não os frustrem e, o que é pior, vemos muitos pais completamente perdidos, acreditando que serão mesmo capazes de ofertar felicidade plena aos filhos, ou que poderão atender ao imperativo de nunca os frustrarem. Por isso os pais de hoje têm tanta dificuldade em dizer “não”.  


Vou dar um exemplo extremo desse medo dos pais. Há cerca de quatro anos, fui procurada por uma mãe em meu consultório particular, que queria atendimento para o filho. Sua queixa era a de que este filho, de 9 anos, voltara a fazer “cocô na calça”. Fiz algumas entrevistas iniciais com a mãe, para avaliar melhor a demanda, antes de pedir que ela trouxesse o menino. A mãe me explicou que o filho sujava a calça com frequência, especialmente em momentos nos quais a família estava fora de casa, em alguma atividade social – um aniversário, um passeio, um jantar. Ela contou que já estavam evitando sair de casa por causa do comportamento do filho. Perguntei, então, se ela já tinha questionado o filho sobre o motivo que o levava àquele comportamento. Essa mãe me respondeu: “Claro que não!”. Confessou-me que ela e o marido jamais falavam do assunto na presença do menino. 

Segundo ela, para não traumatizá-lo. Explicou que ela e o marido, nesses eventos sociais, ficavam sempre atentos e, diante de qualquer “cheiro estranho”, pegavam o filho e saíam imediatamente do local. Sem falar nada com ele sobre o episódio, levavam o menino para casa, lhe davam banho e trocavam sua roupa. Em seguida, continuavam agindo como se nada tivesse acontecido. Este é um caso extremo, mas vemos muitas outras atitudes, não tão incomuns como esta, sendo repetidas pelos pais de hoje, tudo para poupar o filho de uma possível frustração.
Temos tratado nossos filhos como se fossem peças de louça muito delicadas. Ao condená-los à felicidade ampla, geral e irrestrita, estamos produzindo uma geração de jovens extremamente frágeis e imaturos, que se quebram ao menor arranhão.
Obviamente a sociedade de consumo se aproveita muito disso. Temos filhos querelantes, que sabem como ninguém exigir seu “lugar ao sol”. Ou, adaptando o termo ao discurso capitalista, temos filhos que sabem como ninguém exigir a mercadoria que lhes convêm na prateleira. E temos pais que temem dizer “não”, pois não querem frustrar ou traumatizar seus filhos. Junta-se a isso uma sociedade que mede o grau de felicidade das pessoas pelo tanto de coisas, bens ou serviços que elas são capazes de consumir e chegamos a uma combinação perfeita. Que mais a sociedade de consumo pode querer?
O “direito à felicidade” tem permeado as relações na sociedade brasileira – assim como no Ocidente, em geral. No Brasil, inclusive, tem sido tema tanto do judiciário quanto do legislativo, até com proposta de emenda constitucional. Por mais que as intenções sejam boas e aparentemente são, a felicidade como direito fundamental é no mínimo questionável. Que tipo de consequências da suposta garantia do “direito à felicidade” já testemunhamos e quais ainda podemos esperar?

Rita – Penso que a felicidade deveria ser um tema tratado apenas pelos poetas, músicos, escritores. Trazer o tema da felicidade para o campo da razão, para o campo jurídico ou científico, é um equívoco. A felicidade é um tema subjetivo. Sempre que tentamos circunscrevê-la com algum discurso burocrático, tendemos a formatá-la num padrão ideal, num modelo que sirva para todos. E não existe um ideal de felicidade, cada um de nós irá percebê-la ao seu modo.


Além das consequências que já citamos aqui, existe uma outra, tão empobrecedora para a nossa subjetividade quanto a medicalização do sofrimento cotidiano, que é a judicialização da vida. O que também já está acontecendo com frequência.
Nossos pais não nos amaram o suficiente? Fim de um relacionamento amoroso? Traição de um amigo? Dificuldades com o chefe? Diante de alguns destes problemas, mesmo os mais corriqueiros, bastará que entremos na Justiça para cobrar uma reparação, nem que seja financeira. Ou seja, quando a felicidade for uma espécie de direito constitucional, poderemos também resolver nossas infelicidades nos tribunais. E assim seremos finalmente considerados incapazes de resolver por nós mesmos nossas frustrações e dificuldades de relacionamento.
O que você entende por felicidade?
Rita – Como disse, prefiro deixar este tema para o campo das artes. Não há como entender a felicidade com a razão, não é possível mensurá-la ou pensá-la como um modelo que valha para todos, todo o tempo. Se estamos numa relação atribulada, felicidade pode ser um momento de solidão. Se estamos solitários, felicidade pode ser receber um telefonema. Guimarães Rosa, na pele de Riobaldo, diria assim: “No sertão, até enterro simples é festa”.

A sensação de felicidade é uma experiência singular, única para cada pessoa. Acredito que o desafio atual seja pensar um projeto coletivo capaz de trazer esse tema para a pauta, mas não para o campo da lei, da burocracia, da simples garantia de direitos, ou da ciência – mas, quem sabe, para o campo da ética. No campo da ética, as pessoas podem entender que elas também têm o direito de ficarem infelizes, que infelicidade não é doença, mas parte da condição humana – e que, sem ela, perdemos metade da nossa humanidade.


Qual é a importância da infelicidade?

Rita – Acredito que, em tempos de ditadura da felicidade, respeitar e autorizar essa infelicidade nossa de cada dia é uma forma de resistência, uma espécie de libertação.

Fonte: 

http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2013/01/permissao-para-ser-infeliz.html


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Fotos do meu aniversário

Amigas e amigos, minha festa de aniversário de 36 anos foi bem legal! Adorei muito de estar ao lado de pessoas que gosto bastante, mas senti demais a falta de gente que também amo... 

A chuva despencou bem forte, e outras pessoas não puderam ir devido a outros compromissos. Fiquei triste, mas compreendo. Em 2014 vou fazer uma festa em outra data e ninguém vai pode faltar!!! Agradeço pelas amigas que estiveram ao meu lado. 

Compartilho estes momentos de alegria dia 12/01/13 no Bar Jeca Jones - SP.


http://www.facebook.com/media/set/?set=a.448798538507110.107319.100001309031457&type=3



Descrição da imagem: eu e o Marcos sorrindo e muito felizes, segurando um pedaço de bolo de brigadeiro cada um. 



Descrição da imagem: eu com a boca aberta e o garfo na mão para comer um belo pedaço de batata com recheio de carne seca e com um copo de chopp na outra mão. 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Manifesto de Repúdio



O Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente, CVI-Brasil, cumprindo seu papel de monitoramento e atenção às questões públicas que envolvem as pessoas com deficiência no país, manifesta-se no sentido de repudiar a decisão judicial que determina a realização de laqueadura em uma mulher de 27 anos, residente em Amparo- SP, pessoa com deficiência intelectual (jornal O Estado de São Paulo, 09/01/13). A sentença proferida afronta a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (especificamente nos seus artigos 17 e 23), aprovada pelo Brasil com o status de emenda constitucional (Decreto Legislativo 186/2008 e Decreto Federal 6.949/2009), A Convenção cita expressamente no Art. 23 que: “1.Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que:

a) Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de contrair matrimônio, de casar-se e estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento;

b) Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e o espaçamento entre esses filhos e de ter acesso a informações adequadas à idade e a educação em matéria de reprodução e de planejamento familiar, bem como os meios necessários para exercer esses direitos.

c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, em igualdade de condições com as demais pessoas. “

Portanto, tal determinação judicial carrega em si alta dose de autoritarismo, eugenia, preconceito e discriminação com base na deficiência. A jovem em questão já declarou seu desejo de ser mãe e não pode ser impedida por determinações externas e alheias à sua vontade. O direito à maternidade é inerente a cada mulher, mesmo que haja eventuais limitações físicas, sensoriais e/ou cognitivas. Causa-nos espécie que o Ministério Público venha apoiando tal decisão, visto que sua atuação tem de ser a defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Nesse sentido, nos solidarizamos com a jovem e apoiamos a iniciativa da Defensoria Pública, na figura da coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos, Daniela Skromov, que pretende reverter a decisão judicial por ser um ato inconstitucional e de brutalidade que atinge os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o respeito à dignidade inerente de todas as pessoas com deficiência.

Manaus, 10 de Janeiro de 2013.

CRIME AOS DIREITOS HUMANOS

A SENTENÇA JUDICIAL QUE NÃO PODE NOS ESTERILIZAR


Izabel de Loureiro Maior*

Como se não bastassem as desavisadas e lesivas opiniões de uma escritora conhecida e de uma psicóloga desconhecida a respeito do brutal acontecimento contra crianças norte americanas, somos surpreendidos com uma sentença judicial de esterilização de uma jovem pobre com alegada deficiência intelectual. Agora pasme! O fato é no Brasil, no interior de São Paulo e está em vias de se concretizar.

A grande mídia deu espaço a duas pessoas para que expusessem sandices já rebatidas de forma brilhante por especialistas, jornalistas e familiares de pessoas com deficiência, vide em http://www.inclusive.org.br/?p=23982 .

É óbvio que houve grave prejuízo para as pessoas com deficiência com a “sensibilização às avessas” da sociedade. Pensar que doença mental é o mesmo que deficiência intelectual e sendo assim a escola inclusiva não pode existir para não misturar “anjos” com “demônios” é tudo que não pode prosperar como dúvida nas cabeças brasileiras. Para deixar claro, o assassino de New Town não tinha diagnóstico médico. Ainda que fosse uma pessoa com transtorno mental (doença), ou manifestação do espectro do autismo ou deficiência intelectual, isso não faria com que ele se tornasse um autor de massacre. O que leva a esse comportamento é uma associação de fatores pouco conhecida. Dessa forma, as suposições não confirmadas, as opiniões desvinculadas do conhecimento científico e o sensacionalismo
merecem e tiveram respostas à altura. No entanto, não soubemos da devida retratação das “autoras” e dos veículos de comunicação tão responsáveis quanto elas.

Por outro lado, prestando serviço de interesse público, o jornal “O Estado São Paulo” publicou em 09/01/2013, matéria de William Cardoso. Ainda bem que o fato veio à tona e foi filtrado e divulgado nas redes dos ativistas do movimento das pessoas com deficiência. Citando o texto: “A Defensoria Pública tenta reverter uma decisão judicial que determinou a realização de laqueadura em uma mulher de 27 anos, sem filhos, moradora de Amparo, no interior paulista. A sentença, de 2004, da juíza Daniela Faria Romano, veio após uma ação protetiva do Ministério Público Estadual, que levou em consideração o perfil socioeconômico e o fato de a mulher sofrer retardamento mental moderado para pedir a esterilização...”

Em minha longa jornada de militante, de médica fisiatra e professora de medicina e de gestora governamental, tendo ocupado o cargo de Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, não me recordo de ter tido conhecimento ou enfrentado tamanho absurdo e afronta aos direitos humanos de uma mulher com deficiência, na iminência de ser castrada em seus sonhos, seu corpo e seu futuro, por ordem da INjustiça oficial. A sentença ficou adormecida desde 2004 (se houvesse chegado a nós naquele momento a história teria tomado outro rumo). A desventura foi continuada como segue: “Diante da recusa da paciente em substituir o DIU, a juíza Fabiola Brito do Amaral, que cuida atualmente do caso, determinou em outubro que fosse cumprida a sentença de 2004. A laqueadura estava prevista para o dia 21 de dezembro (de 2012), mas a mulher não foi encontrada, porque se escondeu em outra cidade, por temer que a encontrassem e fizessem a cirurgia que a impediria de se tornar mãe. Uma nova data será marcada para o procedimento.”

Tudo indica que uma juíza brasileira tomou emprestada a Lei Alemã de Esterilização, de 14 de julho de 1933, formalmente “Lei para a prevenção da descendência de pessoas com doenças genéticas”, entre as quais foram condenadas à esterilização forçada as “debilidades mentais”, apenas seis meses após a subida de Hitler ao poder. Nefastos tempos.

Mais intrigante ainda foi saber que esse ato estapafúrdio continua em vigor ameaçando a jovem de 27 anos, devido à confirmação de outra juíza, no ano passado. A “culpa” da ré é ser pessoa com deficiência que deseja ser mãe. A decisão judicial, provocada pelo Ministério Público, considerou a baixa condição econômica e a necessidade de medida protetora como
razões suficientes para ferir e retirar a dignidade de uma mulher pobre com deficiência intelectual.

Desde o nazismo até os nossos dias os direitos humanos ganharam força e vem sendo, cada vez mais, invocados para proteger e assegurar que as pessoas tenham liberdade e igualdade em suas vidas. Com esta finalidade foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Posteriormente ficou patente que alguns segmentos sociais necessitavam que a garantia de seus direitos viesse expressa de forma específica, devido a sua condição histórica de sofrer diversas formas de discriminação e violação de seus direitos. Nesse perfil encaixam-se as pessoas com
deficiência.

Desse modo, o mais recente tratado da ONU é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006. Sua elaboração tem como pontos de partida o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as declarações e outros documentos internacionais voltados para as pessoas com deficiência, as conquistas do movimento político desse segmento, os avanços da ciência, a noção de que deficiência é um conceito em evolução e resulta da interação da pessoa com as barreiras da sociedade e o crescente estímulo à convivência e respeito para com a diversidade humana.

A Convenção contém uma riqueza de informações e de medidas a serem colocadas em prática, assim como caracteriza como discriminação atitudes e comportamentos que possam violentar a condição de pessoa humana daqueles que apresentam alguma deficiência. Seu texto é fruto da experiência em muitas culturas e de violências vividas em cada parte do
mundo.

Trabalhei diretamente na elaboração da Convenção, de 2003 a 2006, interagindo com a diplomacia, as instâncias governamentais e as organizações das pessoas com deficiência. Tenho orgulho de tudo fizemos e admiração pelo que a Convenção representa. Confio que ela possa proteger os meus próprios direitos de mulher com deficiência física.

Graças à soma de esforços, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no Brasil tem equivalência à emenda constitucional, de acordo com o Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009, do Executivo. A Convenção aplica-se integralmente a toda e qualquer pessoa, a cada ente federado e aos Poderes da República.

O caso da mulher com deficiência intelectual do município de Amparo, São Paulo, condenada à esterilização involuntária preventiva está proibido na Convenção e, portanto, é uma arbitrariedade que não pode acontecer. Nos artigos 1- propósito, 6 – mulheres com deficiência, 12 – reconhecimento igual perante a lei, 17 – proteção da integridade da pessoa e 23 – respeito pelo lar e pela família encontram-se as razões e proibições certas e diretas para impedir que a jovem brasileira seja vítima do Estado.

Como se sabe, não é admissível que juízes e advogados desconheçam as leis e menos ainda que descumpram a Constituição e os atos com equivalência constitucional, o que é o caso da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Não se pode deixar passar que agentes do Estado atuem como se a Convenção não existisse.

A redação final do artigo 23, referente ao respeito pelo lar e pela família, foi alcançada após um dos debates mais acirrados entre visões de mundo diferentes onde se manifestaram o Estado do Vaticano (observador na ONU), os países muçulmanos, e muitas nações entre as quais o Brasil. Defendemos energicamente os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas
com deficiência. Para que houvesse o consenso, a redação do artigo 23 não apresenta os termos acima, o que em nada reduz a proteção que está assegurada ao segmento, como se vê:

“1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para
eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os
aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos,
em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar
que:

a) Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de
contrair matrimônio, de casar-se e estabelecer família, com base no livre e
pleno consentimento dos pretendentes;

b) Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir
livre e responsavelmente sobre o número de filhos e o espaçamento entre
esses filhos e de ter acesso a informações adequadas à idade e a educação
em matéria de reprodução e de planejamento familiar, bem como os meios
necessários para exercer esses direitos.

c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua
fertilidade, em igualdade de condições com as demais pessoas.”

A simples leitura da Convenção deixa claro que as juízas e os membros do Ministério Público Estadual de São Paulo erraram ao agir conforme consta da matéria. Decidir sobre a integridade física e a fertilidade de alguém da maneira como foi realizado nos leva a pensar que essas autoridades discriminaram a jovem de Amparo por ser pobre, ser mulher
e ter deficiência intelectual. E discriminar uma pessoa com deficiência no Brasil é crime!

Vamos proteger a jovem de Amparo antes da nova data do procedimento de esterilização. Contamos com a Defensoria Pública, que merece nosso agradecimento e nossa força para anular a sentença absurda. Nosso papel de elaboradores da Convenção é exigir das instâncias jurídicas e administrativas a imediata suspensão e anulação do ato nazista e eugênico. Cabe ao Estado promover e oferecer os recursos para que essa jovem mulher com deficiência (e tantas outras) receba todas as informações e apoios para seguir sua vida e um dia se tornar mãe como é o seu desejo.

Docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Mestre em Medicina Física e Reabilitação pela UFRJ. Primeira Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e coordenadora geral da CORDE, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de 2002 a 2010. Representou o Brasil na ONU na elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e liderou o processo de sua ratificação. Recebeu em 2010 o inédito prêmio da Organização dos Estados Americanos – OEA, em “Reconhecimento por seu trabalho para um Continente Inclusivo”. Como consultora, atuou na Comissão Nacional de Organização da Conferência Rio+20, 2012, primeira conferência da ONU com acessibilidade.