quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sem torcer o nariz!


Hoje é o dia das alegrias com os amigo do peito. Primeiro o Zé Roberto e agora o Alex. 

Maravilhoso ler esta crônica do meu querido amigo-primo (torto porque eu empresto ele do meu primo rsrsrs). Alex foi um dos poucos caras que não torcia o nariz quando me acompanhava ao cinema junto com o meu amado 'priminho'. Explico a cena: eles têm provavelmente quase 2 metros e eu 96 centímetros (de puro convencimento rsrsrs)!!!


Esse menino doce (carinhosamente chamado por mim assim porque sou 'chata' mesmo com quem gosto e gosta de mim), é um ótimo profissional, escreve bem pra caramba, e ainda tem um coração de ouro e uma paciência de Jó para cuidar do lindo Lar dos Cães, deixado por seu pai de herança (que presente... rsrs). 

Quanta saudade dos nossos encontros.. Graças à ele e os amigos legais dos meus primos Dadu e Sil, tive uma adolescência um pouco mais tranquila. Aprendi a dar bananas aos garotos idiotas preconceituosos que viravam o rosto para não me beijar.  

Espero que conviver comigo um pouco tenha sido legal também para o Alex pensar sobre a diversidade da vida. 

Continuem assim querido Alex: inteligente e com um humor incrível! Beijos, Lê


Prova de obstáculos

Item emprestado: um par de muletas; Linha do tempo: só esta semana

Comentário SACIAlex Xavier tem 36 anos, vive em São Paulo, “está” jornalista e trabalhou na Rede SACI em 2003.

Alex Xavier

Ironias do destino: logo após publicar o post anterior, sobre caminhadas, torci o tornozelo e fui obrigado a imobilizar o pé. Até ontem, estava de muletas ou dando pulinhos em uma perna só. Eu deveria ter sossegado o facho em casa, aproveitando que me dei folga por uma semana (é bom ser meu próprio chefe). Mas não consegui ficar parado. Nos últimos dias, tropecei em desníveis, trombei em postes e caí em buracos em agradáveis passeios pelas caóticas ruas de São Paulo.

Uma hora ou outra, todos nós seremos pessoas com mobilidade reduzida. Seja porque engessamos o pé, estamos carregando malas ou, simplesmente, envelhecemos e não temos mais a agilidade da juventude. Acessibilidade deveria ser uma questão de toda a sociedade e não apenas de deficientes físicos. Tomei consciência disso em 2003, quando voltei ao Brasil após um ano sabático na Europa e tive dificuldade de encontrar emprego em redações (muita gente sendo demitida na época e eu querendo entrar…).

Fui atuar como jornalista, a convite da socióloga Marta Gil, na Rede SACI, um projeto da Universidade de São Paulo que trabalha com divulgação de informações sobre deficiência e acessibilidade. Além de atualizar o portal com notícias sobre o tema, a gente produzia reportagens e entrevistas e participava de encontros e congressos. O mais bacana é que a página investe em inclusão e possui ferramentas para que todos a acessem, mesmo deficientes visuais ou auditivos.

Eu adorava o ambiente de lá, bem jovial. Foi uma oportunidade de experimentar a vida no campus. Já que não passei na Fuvest quando prestei e a Fiam, onde cursei, tinha um prédio com jeitão de colégio, aqueles meses saciaram minha curiosidade acadêmica. Principalmente, no que diz respeito à alimentação, almoçando no bandeijão, no dogão ou na lanchonete do teatro, nas imediações da Praça do Relógio, onde ficava o nosso escritório. Também foi lá que conheci histórias de pessoas que não colocavam sua deficiência como desculpa para abandonar seus sonhos.

Não sou uma pessoa otimista. E até gosto disso, pois não conto com a vitória antes da hora. Sou bastante racional e tenho consciência de tudo que pode dar errado. Sinto até medo de falhar. Agora, nada disso me impede de tentar. Acho que aprendi a não desistir fácil diante de dificuldades. Às vezes, surpreendo-me com a forma como enfrento algumas situações bastante complicadas mantendo o bom humor. E aquela temporada “uspiana” de 2003 tem certo mérito nisso, pois me ensinou a não ver um obstáculo maior do que ele é. Hoje, não é qualquer torção que me derruba.

***
Assento preferencial

Na ausência de deficientes físicos, idosos, gestantes e pessoas com criança de colo, aqueles assentos preferenciais em ônibus e metrô podem ser usados por qualquer um. Mesmo assim, fujo deles. Não apenas por respeito, mas para não me estressar. Primeiro, porque, em São Paulo, nenhum transporte público fica tão vazio por muito tempo e logo eu teria de dar lugar a alguém. Segundo, porque tem velhinhas que não assumem a idade e se ofendem quando um jovem oferece o lugar. Inédito foi quando experimentei uma troca de papéis. Antes de operar o estômago, fiz um exame horrível (acho que se chama manometria ou PHmetria), que consistia em enfiar um catéter pelo meu nariz, passando pelo esôfago, para medir como minha digestão agia. Um dia inteiro com aquilo. Fui de metrô e, na volta, com aquela aparelhagem nada discreta, chamei a atenção. Tanto que uma senhorinha se levantou do assento preferencial para que eu sentasse.

__ Calma, minha senhora – respondi – Não estou morrendo. Este é apenas o meu iPod.
Destino: voltam hoje mesmo para as mãos do dono

A vida como ela é!

Reportagem ótima! Texto gostoso de ler e escolha certa para falar sobre a importante data 21 de setembro - Dia Nacional de Luta pelas Pessoas com Deficiência (não é dia 29 como está na matéria).

Leiam e comentem. Eu recomendo porque conheço o querido e inteligente Zé desde 2001, sou amiga do pessoal da FDC de SP (carinhosamente chamados de dinossauros da inclusão), e temos muitas histórias para contar sobre a vida com deficiência em um país ainda muito excludente e com uma das maiores disparidades sócio-econômicas e má distribuição de renda do mundo!

O Zé e sua linda família são um exemplo de vida sim! Principalmente para os políticos corruptos que não tem um pingo de vergonha na cara!! 

Fonte: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=32583


Uma vida com paralisia cerebral

Saci
São Paulo, 23/08/2011

Zé Roberto, com paralisia cerebral, nos abriu a casa e a vida.

Eduardo Nascimento e Lia Segre

Casa

Zona Leste, rua Plínio Cavalcanti. A estação do metrô mais perto era a Artur Alvim, mesmo que não parecesse perto. Deve ter levado entre dez e quinze minutos subir aquelas ruas curvas e íngremes até a casa térrea de José Roberto Amorim - conhecido como Zé Roberto, ou só Zé. Bairro residencial, algum comércio. Não avistamos prédios nem no horizonte. Uma São Paulo bem diferente do centro e de outros bairros - até o céu, um azul intenso que não passou desapercebido.

Zé está sentado em sua cadeira, sua esposa atrás - blusa rosa pink - e sua filha sentada em uma pequena poltrona fúcsia, aos seus pés, do seu lado direito. Ao fundo uma parede branca com alguns retratos, e uma porta de madeira que dá para um quarto. O chão é de piso cor de laranja, como cerâmica.
Zé com a família
A casa, simples, três quartos, bege. Amarronzada. Roberto nos esperava a poucos metros do portão de grade, que só estava fechado, não trancado. Ouvia rádio – uma mania, disse – sentado na sua cadeira de rodas doada, que não era boa, reclamou, mas era doada pelo menos. Uma adaptação rústica, como um caixote de madeira, mantia seus pés firmes e atados à cadeira de rodas. Desligou o rádio com a língua e nos convidou a entrar.

Na sala ampla, uma grande estante de madeira com todos os tipos de tralha de uma casa de família. Nas paredes fotos antigas, preto e branco, de rostos que não reconhecemos. Zé mora com sua mãe, percebemos depois.

Longe de ser uma casa cheia de tecnologias sofisticadas, de aparências esdrúxulas, ganchos, fios, jeringonças, a casa de Zé Roberto era parecida com a maioria das que já tínhamos visto.

O banheiro talvez seja a parte mais modificada da casa. Com vaso rebaixado, sem divisória para o box. Na cozinha, não notamos alguma adaptação, a não ser uma boa parte da mesa sem cadeiras em seu entorno, de modo que Zé Roberto poderia se aproximar empurrado por alguém. Até gosta de comer sozinho às vezes - “como um cachorrinho”, brincou, pegando a comida com a boca já que não tem coordenação nas mãos. Seu maior sonho é que um dia sua filha, Yara, de dois anos, lhe dê comida na boca.

Tivemos a impressão de que a única parte que ele não podia freqüentar era o banheiro dos fundos, visto que era separado do chão por um par de degraus. O quintal é também o depósito da casa, com caixas de brinquedos, e cadeiras de banho, uma para ele e uma para sua mãe, que já está com 92 anos.

Quem vê Roberto pela primeira vez talvez não imagine que ele escreva no computador. Mas além de escrever, está preparando um livro com a história de sua vida. O título provisório é “Memórias”. Para isso, ele usa o Word e faz tudo com a língua. Por isso, o teclado é inclinado verticalmente – quase 90° -, e o mouse, com os botões invertidos, tem uma grande bola vermelha, que ele também mexe com a língua. Durante nossa visita, escreveu apenas seu nome como demonstração, sem erro de digitação. Seus espamos o impediram de escrever mais urante nossa visita. Quando está nervoso sua deficiência aflora, nos explicou.

Essas adaptações no computador foram feitas para ele especificamente. Comentou de um amigo que prefere o computador na posição horizontal usual. É por isso que não dá pra fazer linha de montagem com objetos adaptados, cada um tem uma necessidade. A melhor adaptação é com o deficiente opinando junto. Não importa terem os melhores profissionais de TO do mundo, se não tiver a opinião da própria pessoa que usará a tecnologia - há de se levar em conta muitas particularidades.

Zé utiliza muito o telefone também. Tinha um telefone adaptado, mas quebrou, mandou pro conserto e até agora não voltou (há dois anos). Uma boa coisa é viva voz. Hoje em dia tem um telefone com viva voz. Quando fala no celular, é preciso que segurem para ele. Zé, desde quando você tem deficiência física?

O teclado é fixado na vertical, com um suporte que o aproxima da cabeça de Zé. Ao lado esquerdo do teclado está o mouse, um suporte com uma grande bola no meio e dois botões dos lados.
Teclado de Zé, adaptado para que ele possa mexer com a língua

Primeiros anos

Eu já nasci assim, a paralisia cerebral é falta de oxigenação no cérebro. Em algum momento na gravidez, ou na hora do parto, faltou oxigênio e alguns neurônios morreram e, vocês sabem, eles não se regeneram. Em 1953 a ciência não tava tão avançada, a parteira que ajudou minha mãe foi minha vó. Mas hoje em dia continua tendo gente com paralisia cerebral, ainda não sabem porque.

Com um ano, eu não conseguia ficar sentado nem tinha firmeza no pescoço. Os médicos achavam que era falta de vitamina e me entupiram de vitamina. Mais tarde minha mãe descobriu que eu tive a paralisia e começou a me levar no fisioterapeuta. Não tinha nem cadeira de rodas e minha mãe me levava no colo.

Não fui para a escola, não tinha alternativa naquela época, tinha vontade de estudar, mas as escolas não aceitavam. Aos seis anos, eu fui internado na AACD - Associação de Assistência à Criança Deficiente -, que naquela época ficava nos Campos Elíseos, e fiquei oito anos lá, até 1967.

Cursei até a quarta série e aprendi muita coisa, mas uma coisa que nunca entendia era quando os terapeutas ocupacionais me colocavam num exercício de por cadarço em tênis. Tudo bem, treina a coordenação motora, tal, mas hoje em dia eu não ponho cadarço no meu tênis, e fiquei uns quatro anos fazendo isso - pra que? O que isso significa na minha vida atual?. Me colocavam num aparelho e eu conseguia andar, mas pra que, se hoje eu não consigo andar?

Lá eu descobri que havia muitas pessoas como eu. Mas meus pais só me visitavam uma vez por mês e me sentia um pouco sozinho, mas vendo hoje acho que foi positivo eu ter ficado lá. Naquela época não tinha opção. Família pobre ainda...

Quando saí de lá, não sabia me comunicar com meu vizinho. Fui para casa aos 14 anos, e me senti lesado. Na AACD Não te diziam que você não ia conseguir pegar ônibus, andar de cadeira de rodas na rua. Lá tudo é adaptado, mas do lado de fora num tem banheiro adaptado, rampa em todo lugar. Aqui em casa, meu pai, toda vez que juntava um dinheirinho, construía mais um cômodo e já adaptava.

Eu praticamente não saí de casa até os 30, era uma “internação domiciliar”. Vi meus três irmãos crescerem, se divertirem, namorarem, irem a festas com os amigos, e eu só com meus pais. A rua era de terra e tinha um degrau na saída, então eu quase não saía. Sábado a noite era um tédio.
Além disso, meus pais não entendiam meus desejos de adolescente, e reprimiam minha sexualidade. 

Eu ficava o dia inteiro olhando o portão, vendo as pessoas passarem. Via a menina bonita passando e acontecia o que é natural, meu pais diziam que eu tinha feito xixi na calça, não me explicavam que aquilo era normal.

Fraternidade Cristã

Só comecei a sair quando conheci a Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência (FDC). Foi a melhor reabilitação possível. Lá na Fraternidade falavam o contrário do que falaram na AACD: que eu podia fazer tudo. Todo terapeuta devia perguntar a seus pacientes: “o que o deficiente quer ser na vida? o que ele tem vontade?” Não adianta a sociedade dizer que você não pode. Por que aí que eu vou ficar com mais vontade de fazer mesmo. O importante é eu descobrir o que posso e não posso.

A FCD começou na França, em 40. Tinha um seminarista - Henri François - que tinha uma doença pulmonar e queria porque queria ser padre, aí acabaram ordenando ele, mas colocaram ele para trabalhar no hospital da cidade – Verdun. Lá, ele realizava reuniões entre os deficientes do hospital, que eram muitos, por causa da guerra. Essa organização cresceu eu se tornou internacional.

Ela veio para o Brasil na década de 70, na mesma época em que muitas outras entidades começaram a surgir no País, como o Núcleo de Integração de Deficientes (NID) e o Movimento dos Direitos da Pessoa com Deficiência (MDPD).

A unidade de FCD daqui segue o modelo francês. A gente faz grupos de debate, luta pelos nossos direitos e integra a comunidade. São cerca de 30 pessoas e nem todos têm deficiência e vocês não sabem o quanto é importante a comunidade para a pessoa com deficiência. Porque se eu não consigo pegar essa almofada, você consegue. Deus me tirou as duas mãos, mas me deu dez, vinte. Fico feliz quando percebo, no fim do dia, que eu não deixei de fazer nada.

Em 1998 eu voltei a estudar, tinha 48 anos. A escola que me aceitou não tinha adaptação, e eu ficava só nas salas do térreo. No começo, ninguém chegava perto. Aí, na época de provas, comecei a ajudar os colegas. A professora fazia uma prova oral comigo na sala de estudos, e meus colegas passavam para ir ao banheiro, e acabavam por ouvir as respostas. A partir daí eu me entrosei e a gente passou a, juntos, a reivindicar melhorias na escola, já que eu era o mais “cara de pau”.

Depois de completar os estudos, fiz vários cursos - de fisioterapia na USP, de artesanato -, e num deles conheci a Zelinda, minha esposa - que também tem deficiência física. Eu esbarrei no trabalho dela e ela ficou brava comigo. Depois, pedi desculpas e acabamos saindo pra jantar. Precisava de alguém para me dar comida na boca, ela se ofereceu e continua dando até hoje. Nos casamos há três anos, e há dois temos a Yara, nosso maior tesouro!

Vida pública

Depois que começou a militar via FCD, não parou mais. Uma das suas atuações mais importantes foi no Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência. O movimento brigou por transporte, rampa, atendimento.“Se as entidades não atuassem, hoje nenhum deficiente pegaria metrô. Hoje, quem vê o elevador na Sé não sabe, mas aquilo foi briga de anos”. Zé conta que, depois de muita luta, o metrô pediu que as entidades vistoriassem todas as estações para checar a acessibilidade.

Zé Roberto está na esquerda da foto, levemente de perfil na sua cadeira de rodas. Leva camiseta polo azul marinha, e calça de moleton branca. Na direita, duas das alunas. Elas sorriem e escrevem no caderno. Ao fundo uma estante de madeira cheia de objetos, como pastas, cadernos,papés, caixas, cestas.
Zé Roberto durante nossa visita. Ao seu lado, duas alunas da Terapia Ocupacional - USP

Também mandaram sugestões para a Constituinte de 88, “a gente acreditava que depois que a Constituição estivesse pronta, tudo se resolveria, e que quando as pessoas com deficiência conseguissem tudo, iam parar de militar”. A legislação, opina, é avançada, mas não é cumprida.

O Conselho, nessa época, só tinha representantes de entidades e Zé acredita que assim ele deixava de ouvir vozes muito importantes, da própria pessoa com deficiência. 





Acabou extinguindo-se na mesma década de 80, e só foi retomado na gestão de Luíza Erundina, em 89, seguindo um modelo de participação democrática. Hoje as decisões do Conselho são tomadas em plenárias abertas à participação das pessoas com deficiência. 


Mas os problemas de agora são outros: apesar de não ser mais conselheiro, Zé participou da última eleição e disse que “sentiu vergonha do Conselho que ajudou a criar”, pois viu candidatos a conselheiro sem a vontade política e motivação que ele tinha quando participava.

Atualmente faz parte do Conselho de Segurança da sua região, Artur Alvim, representando as pessoas com deficiência. Zé nos lembrou que o dia 29 de setembro, próximo, é dia da luta da pessoa com deficiência. Dia de luta, salienta, não de churrasco - apesar de gostar de churrasco. “Porque se a gente não chutar o pau da barraca, não sai do quarto!”

Veja mais fotos no álbum do Picasa do Jornalismo Saci: picasa.saci