quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Mensagem para 2021, volte a 2001 para provar que a Terra é redonda!

Para 2021, faço minhas as sábias palavras da escritora Ana Rüsche nesta mensagem. 

Reflitam! Principalmente sobre os trechos em negrito e as últimas frases... 


2020, a melancólica retrospectiva do que não foi


O Caetano deu a dica, voltemos para 2001.

Quais eram meus planos para o ano? Bom, assistir Matrix 4 no cinema. Ir ao casamento das amigas com chapéu (havia conseguido com minha sogra um bem estiloso). Viajar e passar alguns meses fora do país. Bem, sendo asmática e não tendo lá uma boa saturação de oxigênio, não houve cinema, não houve festa de chapéu, não houve viagem nenhuma. Completo 10 meses em casa. Um luxo e privilégio de somente 8% da população brasileira.

Nos piores momentos, desmonte de todas as garantias e incêndios apocalípticos pela timeline. Ex-colegas transformando-se em manifestantes de verde-amarelo, orgulhosamente impedindo passagem de ambulâncias na Paulista; gente amiga dando festa e me convidando; conhecido com o cérebro carcomido por crenças cabeludas de fake news; a amiga caindo no choro doído por não suportar trabalhar e acompanhar aulas de alfabetização da filha; notícias do colega tendo crises de pânico enfrentando metrô lotado com sua vã máscara; o falecimento de um amigo.

O peso nas têmporas, o choro que secou de cansaço.

Mas o ano não foi só isso. Houve coisas de magnitude indescritível. Até boas. A abertura de portais. A janela que se abriu quando tantas outras se fecharam. Dar aulas para uma classe com pessoas de lugares diferentes do globo. Conversar tela à tela com ídolos — Charlie Jane Anders e Samuel Delany; numa live, escutar a pergunta do Kleber Mendonça se ele poderia adaptar “A telepatia são os outros”; poder dizer ao Alê Santos que sou muito fã do trabalho dele, escutar a Geni Núñez.

Fiz amizade com criaturas que, certeza, foram amigas em outras encarnações! Escritoras da Argentina, México. Hoje escutei de uma que irá aprender português, já viu até o curso. Há algo mais lindo que isso? Gente cuja textura do cabelo ou estatura ainda não conheço, pois toda relação é mediada por telas. Agora, tenho amizades de muitas partes do planeta para conversar sobre ficção científica. Há algo de mágico na contrapartida.

Agradeço às muitas pessoas que seguraram minhas barras. Afinal, Munique, Palmas ou Teerã estão tão perto quanto a Rua Augusta ou a Praça da República. É isso, um esforço. Um esforço gigante. Uma parada forçada e difícil para esse grande animal imensurável cruzar nosso caminho. Para depois podermos prosseguir.

Quando o Bolsonaro venceu as eleições, falavam que tínhamos que resistir. Eu, que não tenho habilidades paramilitares muito desenvolvidas, calculei que seria uma inútil e não ajudaria em nada nessa "resistência". Agora, entendo: resistir é um pouco isso. O esforço. Esse esforço imenso de procurar algo que se pareça com a felicidade — encontrar, acarinhar, cultivar e compartilhar.

No fundoeste é o papel último da arte:
construir sentidos e sonhos onde parece não existir mais nenhum.

Que 2021 possa ter muito descanso e arte na tua vida!

Fonte: https://anarusche.com/