A magia da cadeira imaginária
Por Leandra Migotto Certeza
Quando
a semente foi fecundada e o embrião surgiu a magia começa. Com a forma de uma lua
crescente em curva, surgimos sentados. E assim somos carregados dentro do
ventre que habitamos, sentindo a vida mergulhados. Acreditam que ficamos a
maior parte do tempo de frente, mas podemos virar de cabeça para baixo. Sempre
formando uma letra L. Como uma cadeira. Mesmo que demore um pouco para
conseguimos sustentar nossas cabeças, ficamos sentados. Acredito que seja para
conseguirmos ver o mundo por um ângulo melhor. Passear no carinho é bem mais
interessante do que ficarmos deitados no berço. O mundo pode ser explorado e
está ao alcance dos nossos olhos e mãos, sem o esforço de nos sustentarmos em
pé.
A
minha cadeira foi apresentada aos 14 anos. Época em que uma menina, preferiria
se aventurar no mundo com os próprios pés, correndo na beira da praia, sentindo
o frescor da matas e o calor do asfalto, brincando de deixar de ser criança.
Mas não tive escolha. Minhas pernas enfraqueceram, meu corpo ficou bem pesado,
os colos não conseguiram me carregar mais por aí como cadeiras falantes. A
única alternativa foi me sentar nela e sentir sua magia. Mesmo com muito
receio, me adaptei as suas duas rodas grandes e duas menores, e aos olhares de
todos que agora pareciam ser sempre maiores e mais altos do que eu. Só fui
entender a liberdade que esta cadeira me proporcionou, depois que ela começou a
fazer parte do meu corpo, e eu a confundir com minhas pernas e pés.
Hoje
só não a levo comigo quando vou deitar na cama, cochilar no sofá ou me
reconfortar em uma poltrona bem macia. Por que na maioria do tempo, sem ela,
não sou ninguém! É com ela que assumo minha personalidade. Mesmo quando o
taxista pergunta, se ela também vai comigo no carro, porque sem ela não consigo
chegar ou sair dos lugares. É com ela que participo de cursos, escrevo,
trabalho, vou até à natação, viajo, conheço novos lugares, converso com
pessoas, faço palestras, danço, rodopio, carrego mochilas mais pesadas do que
meu corpo, enfrento arreias macias e difíceis de passar até encontrar as ondas
dos mares ou o frescor dos jardins e a beleza dos museus. Quando chego aos
teatros ou salas de cinema, não preciso me preocupar em escolher a melhor
cadeira, porque sempre estou com a minha. E mesmo desviando de buracos, subindo
em guias íngremes, passando por poças de água, descendo rampas desniveladas,
saltitando sobre os pedregulhos, nunca deixo de levar ela comigo porque sem ela
não teria acesso ao desfrutar da vida.
Só
espero que em breve, minha cadeira de rodas ganhe um motor bem forte que
acelere sua capacidade de deslisar em lugares ainda inexplorados com muito mais
conforto, segurança e bem menos esforço físico. Por que não temo mais a prisão
que ela supostamente me colocaria quando a imaginava parada, sozinha em um
cantinho da sala assistindo TV.
Texto que será publicado no livro editado pelo SESC Pinheiros como fechamento da terceira temporada do Clube da Escrita.