terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Fundo de Ação Urgente realiza Mapeamento Inédito sobre Mulheres com Deficiência e Feminismos


"A revolução feminista será interseccional ou não será"


Fonte do mapeamento: 



“Mapeamento de Deficiências e Feminismo: tornar visíveis os exercícios de ação coletiva” 

É urgente e necessário reconhecer as histórias das mulheres com deficiência e expandir o diálogo para construir agendas comuns.


Com a ajuda de uma equipe interdisciplinar composta por Ana María Barragán, Lorena Murcia e Bubulina Moreno, o Fundo de Ação Urgente da ALC  um processo de reflexão sobre o que significa ser uma mulher com deficiência na América Latina e no Caribe de língua espanhola.

O Fundo de Ação Urgente da ALC, sabemos que os processos organizacionais, de luta e resistência das mulheres são diversos e respondem a seus territórios, realidades e experiências. 

Também reconhecemos que existem muitas vozes que ainda estão ocultas ou não tão visíveis e é necessário ouvir essas histórias. Por isso nos perguntamos: em quais contextos, desafios ou processos organizacionais as mulheres com deficiência na América Latina estão realizando?

Como resultado do exercício de reflexão e análise realizado em conjunto com as organizações e mulheres que participaram desse processo, agora temos o “Mapeamento de Deficiências e Feminismo: tornar visíveis os exercícios de ação coletiva” que nos permitem conhecer um pouco da realidade, resistência e os esforços das mulheres com deficiência, bem como os principais avanços, conquistas e retrocessos na área de direitos das pessoas com deficiência na América Latina.

Esse mapeamento nos deixa clara a necessidade de tecer feminismos interseccionais, onde mulheres com deficiência fazem parte das agendas, são ouvidas e suas resistências incluídas.

Para falar sobre mulheres com deficiência, é necessário mencionar as situações de desvantagem histórica enfrentadas pelas mulheres e como elas são agravadas no nascimento ou adquirem uma deficiência. 

A eliminação da autonomia é uma constante na vida e na experiência das mulheres, enquanto a deficiência leva a pessoa a ser vista como objeto de caridade, "anormal" e incapaz. 

Quando essas duas variáveis ​​são unidas - deficiência e gênero - as desvantagens são ampliadas, a ponto de ser mulher com deficiência significa ficar de fora de tudo.

A realização deste projeto teve uma abordagem qualitativa que permitiu o desenho de uma metodologia para abordar as realidades complexas a partir das vozes, histórias e experiências de cada uma das mulheres, seu trabalho nas organizações e como elas viveram. processos de organização e coletivização.

Toda palavra, todo gesto, toda lágrima, todo sorriso, todo silêncio, toda pergunta e resposta eram desculpas para ouvir, ver e sentir as vozes de mulheres cujas experiências costumam parecer esquecimento, rejeição ou ignorância. Mas eles também se sentem e se vêem como experiências que parecem luta, resistência, reivindicação de direitos e, acima de tudo, construção de subjetividades e corpos fora do normativo, para transgredir e desafiar a vida cotidiana e os sistemas de poder e opressão.

Após a conclusão deste projeto, fica claro para nós que é necessário e urgente que os feminismos incluam mulheres com deficiência e que sejam fundamentais para a interseccionalidade. 

A maioria das mulheres com deficiência que participaram desse mapeamento não se sente reconhecida, respeitada ou acompanhada de feminismos, porque as organizações e / ou grupos feministas precisam realmente se articular com elas como parceiras, de maneira solidária e empática.

Conheça, explore e compartilhe os produtos deste mapa, repletos de experiências e histórias coletivas de mulheres e organizações em Cuba, República Dominicana, México, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.


Para Leandra Migotto Certeza ser mulher com deficiência é:


Descrição da imagem: foto de Leandra sorrindo e segurando um microfone na mão. Ela está com um vestido na cor preta, tem os cabelos e olhos castanhos e pele branca.  


“Viver com deficiência é como matar um leão todos os dias, ter uma grande batalha todos os dias, é complexo por causa da inacessibilidade da cidade, da falta de apoio para iniciar uma família, porque você tem uma visão muito carinhosa e paternalista em relação às pessoas com deficiência, principalmente em relação às mulheres com deficiência”.

Levando em consideração o panorama apresentado por Leandra Migotto Certeza, que afirma que: “… no Brasil não são as pessoas com deficiência que lideram os processos e não têm protagonismo”, é uma conquista muito importante conhecer essas organizações que estão implementando ações enquadradas em uma abordagem de Direitos Humanos em um contexto adverso, pois desde 1º de janeiro de 2019 no Brasil existe um governo de direita e isso gerou contratempos para garantir os direitos de todos, o que impactou fortemente a organização e a coletivização das ações, como explica Leandra:

“A situação é complexa para as organizações se formalizarem oficialmente, porque estão sendo bloqueadas, no governo Lula foi um pouco mais fácil (...). A legislação complica a formalização da organização, e os impostos que elas devem pagar são muito altos”.

Desde 2007, a ativista Leandra Migotto Certeza trabalha na Caleidoscópicas - Mulheres com Deficiência, conhecendo e compilando as histórias de vida de mulheres brasileiras com deficiência. No seguinte testemunho, você pode conhecer parte do trabalho que ela faz:

“(…) Reunimos as histórias de mulheres que não aparecem na grande mídia e não participam de eventos na área, precisamente porque são marginalizadas e excluídas devido ao seu status socioeconômico, educação, etnia, cor da pele, localização, idade, imagem corporal e condição de incapacidade. É por isso que a Caleidoscópicas vem realizando um trabalho para incluir, de fato e verdadeiramente, essas mulheres com deficiência que são marginalizadas e discriminadas pelas próprias organizações não-governamentais". 


Reflexões conclusivas do “Mapeamento de Deficiências e Feminismo: tornar visíveis os exercícios de ação coletiva”: 

É necessário que, como ativistas, pesquisadores e treinadores, entre outros, a visão seja estendida a outras opressões. No caso da perspectiva intersetorial entre deficiência e gênero, o capacitismo e o machismo se cruzam, e fica muito difícil de erradicar porque estão enraizados na vida cotidiana.

Investigar as histórias e os marcos de mulheres e organizações levou inevitavelmente a colocar sobre a mesa a necessidade de apoio a projetos desenvolvidos por mulheres para melhorar sua qualidade de vida; à importância de gerar processos e protocolos transparentes que impeçam que a alocação de recursos permaneça nas mesmas mãos de sempre.

A acessibilidade não se deve apenas à infraestrutura e adequação dos espaços físicos, mas também incorpora vários aspectos, como o acesso às informações de maneira clara e oportuna. 

Por isso, é necessário avaliar e verificar se está em um formato acessível, se as informações atendem aos requisitos mínimos de acessibilidade no caso de textos (tipo de fonte, descrição dos elementos visuais, contraste, legibilidade, legibilidade); e também que eles estejam em um formato em braille e em língua de sinais para todas as pessoas com deficiência.

Nestes tempos em que o uso da Internet está aumentando mundialmente e o gerenciamento de redes e informações on-line é cada vez mais frequente, é necessário que as organizações mantenham e-mails ativos e gerem estratégias para responder às pessoas que os procuram através da virtualidade. Da mesma forma, essas redes se tornam uma ferramenta importante para tornar visível e compartilhar ações, realizações e dificuldades, a fim de gerar diferentes tipos de transferências (conhecimento, chamadas, fundos, etc.) entre diferentes organizações.

A experiência do trabalho interdisciplinar foi muito valiosa para este projeto, pois permitiu abordar um assunto sob diferentes perspectivas. Os processos foram desenvolvidos e construídos a partir de harmônicos e assertivos, sob os princípios de cooperação, co-construção e trabalho em equipe.

Como parte dos exercícios reflexivos, o respeito da FAU-AL pela proposta técnica deste mapeamento é positivamente valorizado. A equipe de consultoria sempre se sentiu autônoma e livre para tomar decisões, sempre em um ambiente colaborativo e confiável.

Existem várias tensões enfrentadas pelas organizações e mulheres com deficiência entrevistas: primeiro, altos requisitos que dificultam a constituição legal das organizações; segundo, preconceitos que levam à superproteção e segregação das mulheres em seus ambientes; terceiro, pouco acesso à informação e comunicação; quarto, desgaste emocional e físico do ativismo com consequências para sua vida pessoal; quinto, falta de espaços para atualização e treinamento nas organizações; e, finalmente, a luta por fundos no âmbito de um sistema de concorrência.

É necessário adaptar-se a diferentes ritmos, mobilizar concepções e imaginários, estar em constante exercício de aprender e desaprender a influenciar, questionar e desafiar cidadãos, instituições, e governos que obedecem a uma ordem patriarcal, colonial e capitalista.

Embora os mapas sejam um recorte do território e um pálido reflexo da realidade, sua realização implica um ato político. Por um lado, tornam visíveis as ações de advocacy e colocam os processos organizacionais em um território específico, com realidades complexas e; por outro, aprimoram a articulação em rede da interseção (deficiência e gênero) na América Latina, de acordo com os interesses de cada pessoa e organização. Além do exposto, destaca-se que os mapas foram construídos de forma colaborativa a partir da aplicação de ferramentas participativas e não têm interesse econômico além de sua utilidade para a coletivização de ações.

O chamado é para a organização, estar presente, coletivizar, tornar-se uma tribo novamente, resistir aos laços de confiança entre aqueles que apostam nessa interseccionalidade, livrar-se de preconceitos, ouvir, comunicar-se e cooperar. Construir a partir do que os une e não do que os divide, deixando de reproduzir discursos e práticas que obedecem a uma ordem patriarcal, colonial, heteronormativa e capacitista.

É necessário capacitar as organizações, independentemente de sua classificação (início, consolidação ou expansão), levando em consideração seus ritmos, tempos e temas de interesse, a partir de uma postura político-crítica de constante reflexão que leva à promoção e defesa de Direitos humanos das pessoas com deficiência.


No que diz respeito às organizações de famílias de pessoas com deficiência, verifica-se que várias delas têm uma aparência de bem-estar, sendo necessária sua politização. A luta é para que o cuidado não recaia sobre as mesmas pessoas de sempre - mulheres, mães, cuidadores -, mas que exista uma escola e uma coletivização do cuidado, ou seja, falar sobre esse assunto de um ponto político.

É essencial que os governos da América Latina e do Caribe gerem e executem políticas públicas que contribuam para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência e não ameacem, perseguam e dividam o movimento das pessoas com deficiência por meio de cortes sociais e implementação de políticas segregacionistas. 

Texto publicado aqui com tradução livre da internet.