quarta-feira, 15 de abril de 2009

Encontro de Países Lusófonos

Carta de Santos

Rede Saci - 15/04/2009

Documento produzido no Encontro de Países Lusófonos em Santos entre 10 e 14 de setembro de 2008

Nós, os 570 participantes de 8 países de Língua Portuguesa, a saber: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, contando com a participação solidária de representantes do Setor da Deficiência de países irmãos da América Latina, a saber: México, Costa Rica, Guatemala, Paraguai, Chile, Panamá, Honduras e Peru, além de observadores de outros países e de organismos internacionais como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), entre outros,

Reunidos entre os dias 10 e 14 de setembro de 2008 na Cidade de Santos - SP, Brasil, para o Encontro de Países Lusófonos para a Divulgação e a Implementação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (doravante Convenção), promulgados pela ONU,

Celebrando a entrada em vigor da Convenção e buscando promover e incentivar sua ratificação, implementação e monitoramento nos Países Lusófonos, em consonância com os demais tratados internacionais de Direitos Humanos;

Conscientes de que, apesar do espaço geográfico descontínuo e dos níveis diferenciados de desenvolvimento sócio-econômico, possuímos um idioma comum - o Português - que constitui um fator importante de identidade histórica e cultural;

Salientando o fato de que, apesar de a língua portuguesa ser falada por cerca de 236 milhões pessoas em todo o mundo, esta não constitui uma das línguas oficiais da ONU, resultando na restrição, e muitas vezes de exclusão, em participação, protagonismo e representação, com todas as conseqüências daí advindas;

Reconhecendo a importância histórica e o esforço empreendido até o momento, na criação da FDLP- Federação das Associações de Deficientes dos Países de Língua Portuguesa;

Reafirmando a importância dos esforços de cooperação e alianças para a ratificação, implementação e monitoramento da Convenção entre os Países Lusófonos, em sintonia com os demais países, especialmente aqueles do Sul que vivem afetados pela pobreza;

Considerando a situação de vulnerabilidade, exclusão, desigualdade e pobreza em que vive a maior parte da população de nossos países, e os distintos estágios de desenvolvimento da legislação e das políticas públicas existentes na área da deficiência;

Entendendo que os Direitos Humanos da pessoa com deficiência, especialmente aquelas que vivem em situação de pobreza, somente se concretizarão através da transversalização de ações inclusivas no âmbito do desenvolvimento social e econômico;

Conscientes da necessidade de especial atenção à situação de vulnerabilidade das mulheres, crianças e idosos com deficiência e daquelas pessoas com deficiência e suas famílias, afetadas por diversas situações decorrentes, por exemplo, dos conflitos armados, da violência urbana e doméstica, e do HIV-AIDS/SIDA, entre outras;

Preocupados com a escassez de mecanismos que garantam o efetivo exercício dos direitos humanos e da dignidade das PCD, enfatizados na Convenção e a necessidade de visibilidade e do engajamento efetivo deste coletivo no contexto nacional, regional e internacional;

Buscando garantir que pessoas com deficiência e respectivas famílias, e suas organizações representativas, estejam capacitadas, empoderadas e envolvidas em todos os estágios do processo de ratificação, implementação e monitoramento da Convenção, e possam encontrar respostas para suas questões individuais e coletivas à luz deste instrumento internacional;
Diante deste contexto histórico, político, social, econômico e cultural, propomos:
Que cada Estado envide esforços para garantir nacionalmente os recursos necessários para a implementação dos direitos previstos na Convenção;

Que se estabeleçam mecanismos de cooperação técnica e financeira a fim de promover e potencializar oportunidades para a colaboração Norte/Sul e Sul/Sul, com vistas à ratificação, implementação e monitoramento da Convenção;

Que se amplie a capacidade das organizações de pessoas com deficiência, de forma a otimizar seu protagonismo social em defesa dos direitos humanos e do desenvolvimento inclusivo;

Que se capacite os operadores de Direito, dentro do Sistema Judiciário de cada País, desde sua formação individual inicial e continuada, até a transversalizaçào da abordagem de Inclusão em todas as instâncias de atuação;

Que se incentive e apóie a operacionalização de Redes e outros espaços e mecanismos de informação, comunicação, intercâmbio, mobilização e colaboração entre os diferentes atores, nos países Lusófonos e seus pares, a nível local, regional e internacional;

Que se garanta o acesso à educação inclusiva e a atenção primária à saúde para as pessoas com deficiência e suas famílias, no nível da comunidade;

Que haja representação lusófona nas organizações e foros internacionais da área da deficiência e/ou relacionadas à Convenção; e se inclua representação da área da deficiência e a transversalização do tema da Inclusão, nas organizações, foros e atividades relacionadas aos Países Lusófonos, particularmente na Comunidade de Países de Língua Portuguesa - CPLP, inclusive para promover e apoiar o processo de ratificação e implementação da Convenção;
Que se apóie a ampliação, o desenvolvimento e a consolidação da FDLP- Federação das Associações de Deficientes dos Países de Língua Portuguesa.

Que se articule esforços de divulgação, ratificação e implementação da Convenção, entre os Países Lusófonos, de forma integrada à Agenda Global de Desenvolvimento - Objetivos do Milênio, Planos Estratégicos de Redução da Pobreza, Índices de Desenvolvimento Humano e outros instrumentos.

Que se estabeleçam e se adotem indicadores de inclusão em todos os instrumentos e mecanismos de monitoramento e avaliação de políticas públicas e programas para o desenvimento, à luz da Convenção;

Que se programe e promova encontros da rede de cooperação para o Desenvolvimento Inclusivo entre os Países Lusófonos para desenvolver planos de ação conjunta e avaliar a sua evolução e impacto na vida das pessoas com deficiência.

Reconhecemos e apreciamos a iniciativa e o apoio da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Brasil, e demais parceiros listados a seguir, para a realização desde histórico evento:

O Governo do Estado de São Paulo; Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; Fundação Faculdade de Medicina, São Paulo; Conselho Estadual dos Assuntos da Pessoa com Deficiência de São Paulo; Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência da Cidade de São Paulo; Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - CONADE; Coordenadoria Nacional para Inclusão da Pessoa com deficiência - CORDE; Prefeitura de Santos, SP; Conselho Municipal da Pessoa com Deficiente de Santos, CONDEFI; Centro de Vida Independente Arací Nallin, São Paulo; FDLP- Federação das Associações de Deficientes dos Países de Língua Portuguesa; Rede Latinoamericana de Organizações Não-Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias - RIADIS; Instituto Interamericano de Deficiência e Desenvolvimento Inclusivo, IIDI; Business Square; Maxpress.

E conclamamos aos aqui representados a dar continuidade ao processo de valorização e cooperação entre os Países Lusófonos, para a concretização dos Direitos Humanos e a Inclusão Social das Pessoas com Deficiência.

Santos, SP, 14 de setembro de 2008.

Puro preconceito e discriminação

Preconceito por parte do Grupo Gen

Rede Saci - 15/04/2009

Naziberto fala sobre o livro digital acessível, e a distribuição ilegal, em resposta aos comentários do senhor Enoch Bruder

Naziberto Lopes de Oliveira

Prezado senhor Enoch Bruder:

Finalmente o senhor me respondeu. Pena que foi somente após a temperatura esquentar demais e os nervos ficarem a flor da pele. Estou apenas tentando exercer um direito constitucional que todo cidadão brasileiro deveria ter e que é o de acesso a informação e ao conhecimento, sendo que o senhor sabe melhor que eu que isso passa inescapavelmente pelo acesso aos livros que o Grupo Gen tão bem produz e comercializa.

Espero sinceramente que o senhor tenha paciência e respeito pelo diálogo e leia esta resposta até o final. A mesma paciência e respeito que eu tive ao redigi-la especialmente para o senhor. Vamos conversar sem intermediários, por favor, somos adultos, vacinados, inteligentes e podemos muito bem discutirmos e acertarmos nossos negócios sem a intermediação de outrem, leia-se Fundação Dorina Nowill.

Primeiro gostaria de lhe dar os parabéns por sua atuação junto a ABDR, Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, na ferrenha defesa dos direitos de autores, produtores de livros e demais suportes de armazenamento do conhecimento escrito. Quero que saiba que sou também árduo defensor não apenas dos direitos de autores e produtores, mas também das pessoas que pretendem ser consumidoras de livros e são impedidas pelo simples fato de possuírem uma deficiência que os impossibilita de acessarem os livros no formato que se apresentam convencionalmente.

Realmente a questão da pirataria e da contrafação são problemas que precisam ser equacionados e passam por uma série de questões a serem revistas, entre elas a própria Lei dos Direitos Autorais, os custos dos livros, a necessidade de mais e bem aparelhadas bibliotecas públicas, a questão da universalização e popularização do acesso a leitura e assim por diante.

Parabenizo também a ABDR pelo lançamento do programa "pasta do professor" que tem procurado equacionar a questão da cópia generalizada de livros nas universidades por esse Brasil a fora. Lembro-me bem do tempo quando era ainda um universitário, como estudante cego lutava pelo direito de ter um livro que fosse em formato acessível dentro de uma biblioteca que contava com mais de 150 mil títulos, enquanto isso os outros estudantes faziam filas intermináveis nas portas da copiadora para duplicar aqueles livros que conseguiam retirar emprestado. Com o programa pasta do professor, penso que os custos praticamente iguais entre uma cópia xerográfica ilegal e a impressão de um capítulo produzido pela editora especificamente para isso, as coisas tendem a se equilibrar.

No entanto, agora gostaria de me debruçar sobre nosso assunto polêmico e que é a minha intenção de adquirir um livro de sua editora, no caso a Método, intenção esta que parece estar causando bastante conflito na cabeça do senhor e de seus colegas editores do Grupo Gen. Por isso vou destacar alguns trechos de sua resposta para minha solicitação, tecendo comentários e apresentando meus argumentos.

Sua resposta: "(...) esclarecemos que, com ajuda da Fundação Dorina Novil, estamos acertando para que possamos encaminhar arquivos digitais de livros para que possam ser convertidos para outros meios de acessibilidade para deficientes visuais."Assim, estaremos garantindo que os arquivos, mediante termos de compromisso com a Fundação, estarão preservados de uso indevido ou disseminação para a pirataria digital."

Meus comentários: Senhor Bruder, gostaria de esclarecer-lhe que outros meios de acessibilidade dos livros para pessoas com deficiência visual são justamente aqueles que lhe informei, isto é, livros em formato texto digital, como por exemplo, o formato PDF, ou seja, as editoras já possuem esse arquivo, uma vez que é a partir dele que fazem a impressão final do livro. Isso não requer nenhum tipo de tratamento especial do mesmo, a não ser que a pessoa cega precise do livro impresso em formato braile, pontos em relevo sobre papel, porém lhe informo que essas pessoas são a minoria, uma vez que hoje as ajudas técnicas, como os programas leitores de tela e sintetizadores de voz, já estão bastante acessíveis entre a população, mesmo aquela considerada mais carente. Lembro-lhe também que o próprio MEC já possui um programa de acessibilidade e inclusão digital que distribui notebooks, equipados com essas ajudas técnicas, para estudantes cegos das escolas públicas.

Outro ponto importante neste trecho de sua resposta é o fato do senhor dizer que confia na segurança dos dados dos livros que envia para a Fundação dorina Nowill, devido ao fato de firmarem um termo de compromisso entre si que impediria o "uso indevido" e a "disseminação por meio da pirataria digital".

Ora senhor Bruder, aqui eu não tenho como subentender outra coisa a não ser que o senhor está me acusando de ser um potencial duplicador do seu livro em formato digital, um potencial pirata. Afinal, eu também me ofereci para firmar um termo de compromisso com os senhores, declarando que o livro é para meu uso particular e me comprometendo a não duplicá-lo, porém, essa minha proposta foi totalmente ignorada. Qual o motivo?
A Fundação dorina Nowill tem mais idoneidade do que eu? Por acaso o senhor tem alguma informação desonrosa a respeito de minha conduta ética, conhece algum antecedente criminal constante em meu nome? Puxou alguma folha corrida minha em alguma delegacia que lida com defesa de direitos autorais? Talvez no ECADI, Escritório de Arrecadação de Direitos Autorais? Por gentileza me esclareça onde foi que o senhor encontrou alguma coisa Concreta ou mesmo supostamente desabonadora de meu nome.

Assim, não encontro outra maneira de entender a aceitação do termo de compromisso da Fundação Dorina Nowill em detrimento de um termo de compromisso de minha pesssoa, um cidadão brasileiro em dia com o pagamento de meus impostos e demais obrigações legais, a não ser por preconceito e discriminação.

Sua resposta: "Portanto, apenas estamos preservando nossas garantias comercias anti Pirataria, e em momento algum ensejando discriminação ou preconceito de Qualquer natureza. O que é de se lamentar realmente é a pobreza da educação Do povo brasileiro que gera a marginalidade e a criminalidade da pirataria De tudo o que se produz, inclusive a do livro, que aos poucos vem sufocado a Atividade editorial. Portanto, essa burocracia é o resultado que todos Pagam, todos."

Meus comentários: Vou começar pelo fim senhor Bruder. Quando o senhor fala que todos pagam pela burocracia que é advinda do risco da pirataria, quem o senhor está incluindo neste "todos"? No caso aqui em especial, como o senhor está lidando com uma pessoa cega e que representa indiretamente todas as outras pessoas cegas do Brasil que poderiam querer adquirir um livro dos senhores, então os "todos" aqui seriam apenas as pessoas cegas? Só posso imaginar isso, afinal, o restante das pessoas que poderiam compor o seu "todos" pode estar neste momento tranquilamente procurando as copiadoras para duplicar algum livro da editora Método que pegaram emprestado de algum colega ou biblioteca. Será que eles serão impedidos de fazer isso?
Por acaso o senhor conseguiu identificar aquela pessoa que está logo ali andando pela rua, entrando em uma copiadora e pedindo para que o atendente duplique aquele livro de concursos em quatro cópias e encaderne com espiral para facilitar o manuseio dele e de mais três amigos. Será que o senhor vai conseguir enviar esse rapaz para alguma Fundação que tenha firmado termo de compromisso com os senhores para a proteção daquele livro em papel?

Quero me referir agora a parte em que o senhor culpa a pobreza da educação do povo brasileiro que fomenta a marginalidade, a criminalidade, a pirataria e está levando as editoras à bancarrota ou como o senhor disse, sufocando-as. Certamente que esse é um fator importante, a falta de educação do povo, porém, do povo letrado, pois o povo sem acesso à educação não está preocupado em copiar livros, mas sim em comer, vestir, sobreviver. Esse povo letrado e mal educado a que me refiro é aquele que privilegia o jeitinho, o oportunismo, a vida fácil, o mais cômodo.

Neste caso o senhor acaba cometendo uma generalização muito perigosa quando compara a necessidade das pessoas cegas de acesso aos livros, adquirindo esses livros junto aos editores e livrarias, aos maus educados, marginais, criminosos, miseráveis, oportunistas, mal intencionados e contraventores. Jogar todos nós em uma vala comum é perigoso além de ser preconceituoso de sua parte também.

Se a minha intenção fosse copiar o livro para distribuição, meu comportamento seria completamente diferente daquele que tive ao procurá-los. Para que eu me ofereceria para firmar um termo de compromisso e responsabilidade com os senhores se tivesse a intenção de cometer um crime? Para que eu me identificaria junto aos senhores? Eu poderia simplesmente ter comprado a versão impressa do livro, a digitalizado por inteiro e depois distribuído para outras pessoas, quem sabe até comercializado para lucrar com isso. Quem me impediria?

Para sua informação, dentro de meu computador pessoal tenho armazenado mais de mil livros que digitalizei durante o meu tempo de estudante, além dos livros que tenho como passatempo e lazer. Quem me impede de duplicá-los a não ser a minha própria ética e minha consciência de que estaria agindo errado caso o fizesse? Difícil não? Por isso o senhor não pode jogar todas as pessoas cegas dentro de um saco e nos acusar de sermos os responsáveis pelo risco de falência do mercado editorial, até porque nunca tivemos a chance de participarmos dele como queremos, não conseguimos nos tornar consumidores respeitados e reconhecidos, uma vez que as editoras parecem nos enxergar a todos como uma massa disforme, desumanizada e descolorida a quem deram o nome de "filhotes carentes da Fundação Dorina".

Sua resposta: "O senhor conhece a excelência da Fundação Dorina Novil e é para ela que o Senhor deve dirigir seu pleito que será, assim, atendido com a maior Brevidade possível, sem ônus e sem seu sentimento de humilhação, ninguém merece isso!"
Meus comentários: Aqui o senhor afirma que eu devo conhecer a excelência da Fundação Dorina. Posso dizer que sim, realmente eles são muito bons no que fazem, prestando serviços às pessoas com deficiência visual carentes e que precisam desse tipo de assistencialismo, contando é claro com milhões de Reais em subsídios governamentais e também com os donativos que arrecadam junto a sociedade civil.
Agora não entendo quando o senhor decreta categoricamente que é para lá que eu devo seguir, porque ali seria o meu lugar, onde eu conseguiria o livro que desejo de graça e no formato que preciso. Como foi que o senhor conseguiu chegar a essa conclusão senhor Bruder? Intriga-me bastante esse posicionamento tão categórico.

Primeiro quero lembrar-lhe que ao solicitar o livro aos senhores eu já havia dito qual seria a especificidade do arquivo digital que preciso. Não preciso nada mais do que aquilo que pedi. Depois, quem foi que disse aos senhores que a Fundação Dorina Nowill é o lugar onde todas as pessoas cegas devem se dirigir quando o assunto é livros e leitura? Eu pensava que livros e leitura fossem coisas de editoras e livrarias, assim como remédios são coisas de farmácias e pães são coisas de padarias.
Gostaria imensamente que o senhor me apresentasse a procuração que a Fundação Dorina Nowill enviou aos senhores dizendo que eu, Naziberto Lopes de Oliveira, seria representado por ela e que somente por ela eu seria cuidado quando o assunto fosse livros e leitura. Preciso dessas informações para que eu possa tomar minhas providencias legais, afinal, se alegaram isso aos senhores estão cometendo crime de falsidade ideológica, falando e fazendo coisas em meu nome que eu jamais autorizei ou autorizarei que falem ou façam.

Muito pior, se por acaso disseram aos senhores que nós, os cegos, temos que ser tutelados e controlados por eles para que não cometamos crime de pirataria junto às editoras brasileiras, isso é ainda mais grave e merece ação judicial por calúnia e difamação, além de danos morais e materiais, pois estão prejudicando a imagem das pessoas cegas que não dependem deles, não são associados a eles e não os procuraram para autorizá-los a falar em seus nomes.

Uma derradeira consideração minha a respeito deste último trecho de sua mensagem é novamente destacando a parte em que o senhor fala que é para a Fundação Dorina que eu tenho que me dirigir, querendo dizer com isso que é para lá que toda pessoa cega irremediavelmente deve se dirigir. Pois bem, sendo assim, segundo sua visão, o fato de sermos cegos nos cola irremediavelmente naquela fundação, nos associa inapelavelmente àquela fundação, mesmo sem termos preenchido nenhuma ficha, assinado nada, autorizado nada.

Agora cuidado senhor Bruder, sei que esse pensamento não nasceu pronto na cabeça do senhor assim do dia para a noite, sabemos, nós as pessoas cegas com um pouco mais de consciência, capacidade racional e pensamento crítico, que a Fundação exerce um trabalho corpo a corpo junto a vocês editores sempre fomentando essa idéia ridícula, disseminando essa falácia de que toda pessoa cega está vinculada a Fundação e que somente a ela devemos nos dirigir quando precisamos de leitura, pois não temos responsabilidade, não temos capacidade de discernir o que é certo do que é errado e somente com o cabresto deles é que podemos seguir pela vida.
Cabresto este que se manifesta na obrigatoriedade de nos associarmos a eles para recebermos um código e uma senha a fim de que possamos ganhar "gratuitamente" alguns livrinhos. Cabresto este que talvez permita que eles possam continuar recebendo os subsídios públicos e sociais ao enumerarem a quantidade de cegos que os procuram e que precisam de "proteção".
Falando nisso senhor Bruder, lembro-me aqui de um trecho em nossa Constituição Federal que menciona que ninguém pode ser obrigado a associar-se ou a se manter associado a lugar algum, as pessoas são livres para ir e vir.

Contudo, pensando aqui nesse número que nos é impingido pela Fundação com o aplauso, apoio e a conivência dos senhores editores, peço licença para relembrar um fato histórico e que marcou a humanidade a pouco tempo, pouco mais de sessenta anos aproximadamente. Foi um tempo em que algumas pessoas eram numeradas nos pulsos para um melhor controle de seus tutores e carrascos.
A Alemanha foi no passado e ainda é realmente um país fantástico, notadamente o berço do conhecimento, da cultura, enfim, do saber humano e que ali foi construído e conservado por seu povo como em nenhum outro lugar do Mundo. Entretanto, mesmo em um lugar assim tão civilizado e culto, surgiu um movimento que manchou para sempre a história daquele povo e que foi o levante do Nacional Socialismo, mais conhecido como nazismo, que deixou marcas profundas na história de toda civilização moderna por sua atitude criminosa e intolerante.
É incrível constatar como uma idéia estapafúrdia e desequilibrada, encarnada em Hitler e seus seguidores fanáticos, conseguiu convencer uma grande parte do povo alemão de que existiria uma raça superior ariana e que principalmente a raça judia, vista por esses idealistas do apocalipse como inferior, seriam os maiores culpados pelas mazelas de seu país. Assim, esses profetas do caos conseguiram fazer boa parte da Alemanha pegar em armas e desprezar tudo aquilo que não fosse alemão, destruindo, saqueando, dominando e exterminando qualquer tipo de diferença em nome de uma pretensa homogeneidade.
Claro que não pretendo ensinar-lhe história senhor Bruder, mas apenas usei essa pequena explanação para fazer um paralelo. No nazismo, aqueles de raça judia eram vistos como pessoas não gratas na sociedade alemã, sendo excluídos e escorraçados aos poucos da mesma. Pior que isso foi que aos poucos foram sendo segregados em lugares próprios para eles, segundo o pensamento dominante é claro, um pensamento que disseminava em toda sociedade que os judeus eram perigosos, responsáveis pela exploração e miséria do povo alemão, e que deviam ser colocados em seus lugares apropriados. E a história do que se passou nos mostrou claramente quais eram os "lugares apropriados" eram esses.
Veja que coisa absurda senhor Bruder, como foi hediondo os nazistas alegarem que todos os judeus eram culpados pela desgraça de seu país e por isso mereciam apenas serem execrados, humilhados e exterminados. Como seria hediondo hoje em dia alguém afirmar que toda pessoa de origem alemã seria um nazista em potencial, merecendo apenas a repulsa e o desprezo social. Da mesma forma é hediondo afirmar que toda pessoa cega é um pirata em potencial, é responsável pela possível falência do mercado editorial, merecendo apenas a comiseração e caridade social, além de só podermos procurar "lugares apropriados" para saciarmos nossas necessidades de consumidores.
Claro que usei propositadamente uma comparação bastante polêmica e gritante para alertar que todos esses pensamentos são hediondos e devem ser rechaçados de nossas mentes. A minha intenção traçando esse paralelo foi apenas de tentar fazer o senhor compreender como é asqueroso esse tipo de idéia que nos joga todos em um saco de gatos, ignorando nossa subjetividade, nossas especificidades, nossa diversidade e nossa humanidade. Qualquer tipo de generalização é perigosa e pode causar distorções graves como estas.
Por fim, peço encarecidamente que o senhor não reduza a mim e nem os meus pares a meros filhotes de alguma Fundação ou entidade assistencial, a pessoas desprovidas de razão e autocontrole, desprovidas de senso do que seja certo e errado e sem responsabilidade. Principalmente, peço ao senhor que não nos reduza a pessoas incapazes de tomarmos nossas próprias decisões e fazermos nossas próprias escolhas, dizendo que só podemos, uma vez que somos cegos, nos dirigirmos a um único lugar porque aquele lugar seria o "mais apropriado para nós".
Esclareço que não tenho a menor pretensão de sensibilizá-lo com algum tipo de apelo emocional, muito pelo contrário, quero sensibilizá-lo pelo lado comercial, pois não apenas eu posso adquirir seu livro pagando por ele, mas também, abrindo essa possibilidade, o senhor estará deixando aberta a porta para qualquer outra pessoa cega que não precise do assistencialismo que a Fundação dorina Nowill oferece.
E pode acreditar que, graças a Deus, são muito poucos os cegos e pessoas com outros tipos de deficiência visual que ainda precisam daquele tipo de assistencialismo. As pessoas cegas estão invadindo o mercado de trabalho, com a ajuda da política das cotas e também de suas próprias competências, além do surgimento de ajudas técnicas que cada vez mais auxiliam com que estejamos presentes em todos os setores sociais, educação, trabalho, lazer, desportos e assim por diante. Espero ter feito o senhor pensar um pouco mais a respeito dessa minha intenção de relacionamento comercial, principalmente espero ter feito o senhor pensar um pouco mais profundamente a respeito da condição de algumas pessoas com deficiência em nosso País que se diz democrático e acolhedor à diversidade humana.
Por fim, se o senhor continuar acreditando que me vender diretamente um livro em formato digital é arriscado, suspeito, perigoso, pois este pode ser pirateado e distribuído, o senhor continuará insistindo em me acusar diretamente de ser uma pessoa suspeita, desonesta e criminosa, isso tudo sem nenhuma certeza, apenas baseando-se em uma possível futura atitude ilícita minha, uma vez de posse do livro. Igualmente o senhor estará acusando de potenciais criminosos todo o segmento de pessoas com deficiência visual e que precisa do mesmo tipo de livro que eu.
Realmente uma completa inversão de valores, uma vez que em nosso arcabouço legal, todos são inocentes até que se prove o contrário. No nosso caso, em sua visão, todos somos culpados até que se prove o contrário. Desta maneira, senhor Bruder, se isto não for preconceito e discriminação sinceramente eu não sei mais o que seria preconceito e discriminação. Acusar pessoas assim é humilhá-las senhor Bruder, e como o senhor mesmo declarou, isso ninguém merece, ninguém mesmo.