sábado, 4 de março de 2017

Presidente de Associação de Mulheres cobra ações de acessibilidade


Fonte: http://www.oestadoonline.com.br/2016/12/associacao-de-mulheres-com-deficiencia-cobra-acoes-de-acessibilidade/.

Vitória Ribeiro

‘Queremos um futuro de inclusão’, diz Mirella Ballatore Tosta (Foto: Valentim Manieri)







Mirella Ballatore Tosta recebeu a equipe do jornal O Estado em sua casa, apontando adaptações necessá- rias para que ela e o marido, ambos deficientes físicos, tivessem, ao menos ali, o mínimo da comodidade que não é encontrado na maior parte de Campo Grande. portadora da síndrome dos ossos de cristal –um dos nomes mais comuns da osteogênese imperfeita, doença congênita que torna o esqueleto frágil–, ela afirma que muitas vezes se irritou com tentativas de ajuda que, na verdade, poderiam prejudicar sua saúde por meio de fraturas. Contudo, lembra-se de que a educação da mãe lhe forjou uma pessoa autônoma, que preza essa atribuição para ela e tantos outros portadores de diferentes deficiências físicas em Campo Grande. E é exatamente na falha da Capital para comportar essas pessoas que repousa sua indignação. “A acessibilidade em Campo Grande é zero”, sentencia, listando os poucos lugares que ela e várias outras pessoas podem frequentar na cidade e a infinidade de outros locais vetados por não permitirem uma livre circulação. A fiscalização será um dos trabalhos da Associação de Mulheres com Deficiência do município, existente desde 25 de março de 2015 para solucionar vários dilemas –que incluem a “tradução” da Lei Maria da Penha para libras, braille e audiovisual, necessário diante de escabrosos relatos que chegam à instituição.
O Estado – Fale um pouco de sua condição?
Mirella Ballatore Tosta – Tenho a síndrome dos ossos de cristal, uma má formação por falta de colágeno, na qual se fratura muito. Em qualquer buraco na rua a roda da cadeira de rodas pode prender e eu cair. Alguém que queira ajudar diz que não vai derrubar, mas sou eu quem posso cair e me machucar gravemente. Às vezes sou mal-educada porque a pessoa quer ajudar e, no final, atrapalha e se chateia. Não é isso, eu não posso cair de jeito algum, por isso não quero que me ajudem.
O Estado – Onde está o limite entre querer ajudar e realmente ser necessário isso?
Mirella – Em perguntar. Sempre pergunta. Se você vê um cego parado com a bengala, supõe que ele queira ajuda. Pode ser alguém de baixa visão, que anda mais devagar e precisa da bengala, mas vê um pouco, ou um cego total. Ele está parado no semáforo porque não tem sinal sonoro, e alguém o vê. A pessoa pega nele sem avisar. Imagine o susto. Ele é quem tem de pegar no seu braço para sentir seu corpo, a movimentação, os gestos. Não é pegar e levar. O melhor é perguntar: “precisa de ajuda?”. Muitas vezes isso ocorreu comigo, e é um dos motivos de eu não andar no centro de Campo Grande. Primeiro porque é impossível; quando não tem rampa é impossível, e quando elas existem são malfeitas ou malconservadas. Veja na rua 14 de Julho, a maioria está quebrada, e se junta uma poça de água ou lama você não sente a profundidade. Como vai andar? E há o motorista que não respeita, para o caro. A falta de cidadania e educação no trânsito são o que você representa na sociedade. Se não tem educação no trânsito, não terá em lugar algum.
O Estado – Qual sua avaliação sobre a acessibilidade em Campo Grande?
Mirella – Zero. Eu não ando pelo meu bairro nem para ir à igreja, pelas calçadas, porque é impossível. Vou para a rua, é uma avenida movimentada, mas é o único jeito, porque é a uma quadra e meia daqui, e não vale a pena pegar o carro, pôr a cadeira e não ter onde estacionar. No centro da cidade é impossível, sozinho não tem como. O Estado – Desde quando existe a associação? Mirella – Ela foi criada em um encontro de mulheres em 25 de março do ano passado como uma comissão, que depois foi crescendo e virou a associação. Entramos com o registro em 7 de novembro. Surgiu com um grupo de mulheres, naquele encontro inédito, organizado pela Secretaria Municipal da Mulher e a SAS (Secretaria de Assistência Social). Da comissão as coisas cresceram e surgiu a associação.
O Estado – Qual o papel da entidade no poder público?
Mirella – Visibilidade, protagonismo e empoderamento. O principal objetivo é empoderar mulheres, meninas e suas famílias. Existe muita violência contra mulheres e meninas com deficiência. Fazemos também muitas rodas de conversa sobre a Lei Maria da Penha. Como começamos agora não temos recursos para ir aonde queremos, mas queremos ir em todas as obras, inclusive as pagas com o nosso dinheiro e que são feitas em acessibilidade, embora as pessoas achem que tem.
O Estado – Você deixa de ir em muitos lugares por conta da falta de acessibilidade?
Mirella – Os shoppings são os únicos lugares em que vou porque têm acessibilidade. Sou independente, as pessoas dizem que podem ajudar, mas quero autonomia. Desejamos autonomia para sair, ir a algum lugar sem levar ninguém. Eu e meu marido, que é cadeirante, somos independentes. Para descer uma rampa temos problemas, mas todos os shoppings são acessíveis, nos banheiros é mais ou menos, nas praças de alimentação não há acessibilidade, têm lugares onde não somos vistos. Os mercados são difíceis, porque deixam mercadorias em lugares altos e temos de pedir ajuda.
O Estado – As pessoas se aproveitam da deficiência das mulheres para violentá-las, por ser mais difícil se defenderem?
Mirella – Dependendo da deficiência é impossível, fazem o que quiserem. Há um tempo, alguém filmou um homem abusando de uma deficiente mental, vizinha dele. Parecia uma boneca inflável, sem reação. E vai falar para quem, quando ninguém acredita? As crianças falam e ninguém acredita, imagine uma pessoa assim? E a muda, como vai falar? Ninguém vai acreditar. Por isso do empoderamento, para a mulher se apoderar dos seus direitos e denunciar isso. Queremos um futuro melhor para essas meninas, que serão mulheres daqui a uns dias.
O Estado – O foco maior dos atendimentos é nas meninas?
Mirella – É para todas, porque queremos viver. Queremos um futuro de inclusão. Pai e mãe não serão eternos, elas terão de se virar. Fui educada pela minha mãe para ser independente, mesmo em uma cadeira de rodas. A falta de acessibilidade irrita. Claro, é ruim ser deficiente, mas se tivesse acesso à cidade, Estado ou país, eu não me sentiria excluída, não teria dificuldades. Há falta de acessibilidade na TV, onde não tem intérprete de libras nos programas, só agora colocaram legendas. Demorou muito, e às vezes é errado, não entende o que puseram ali, falam coisas que nada tem a ver. Sequer tem sinal sonoro para cegos, nem em elevador, são poucos.
O Estado – Recentemente houve um seminário sobre enfrentamento à violência doméstica contra cadeirantes. Qual foi o resultado?
Mirella – Foi em 1º de dezembro e foi ótimo. Pena que o público foi muito pequeno, não teve interesse nem das próprias pessoas. Foram umas 13 participantes, fiquei feliz que veio uma gestora de Camapuã só para o seminário. Foi bem divulgado, porque é o Mês Internacional da Pessoa com Deficiência, no dia 3 teve até um desfile de moda inclusive.
O Estado – Há muitos casos de violência doméstica contra portadores de deficiência?
Mirella – Na verdade não há um censo, um número não atualizado. Não existe, e em sistema algum de Campo Grande. Se você vai ao posto de saúde não há cadastro. A associação participa do Conselho [de Usuários] do SUS para ver se muda alguma coisa, porque não existe. No SUS deveriam dissecar você: apontar a deficiência, o que aconteceu. Estaria no cadastro e seria possível ver quantos deficientes existem. Não existe acessibilidade nos postos de saúde. Voltando à pergunta, existem violências de pessoas da própria família, a maioria, principalmente contra a mulher com deficiência intelectual, que muitas vezes não quer dizer problema mental, e sim um deficit. Alguém se casa com ela apenas para usufruir do benefício, ou a dopa, a deixa sem cadeira de rodas em casa, não a apresenta à família e amigos, faz dela só um objeto de prazer, é escabroso. Não conheço casos, mas sabemos que existem. As mulheres surdas sofrem muito, também. Falamos muito: “denuncie o agressor”. Como a mulher surda vai denunciar se não ouve, muitas vezes não fala. Como vai ligar no 190, no 180, no Disque 100, se não há um serviço acessível por WhatsApp ou SMS? Lutamos por isso, também. E é tão simples, falta vontade política, na verdade.
O Estado – Falta acesso à Lei Maria da Penha?
Mirella – Nossa maior conquista foi a Lei Maria da Penha em áudio, libras, braille e audiodescrição. Temos em DVD e CD. É algo que se demorou para perceber: quando fizemos o encontro de mulheres de 25 de março de 2015 a procuradora Jaceguara Passos falou de nossos direitos e perguntou onde estávamos, porque encheu de mulheres com todo o tipo de deficiência lá. E a maioria das famílias esconde também, não expõe por vergonha ou desconhecimento. Havia surdos que não sabiam da Lei Maria da Penha, inclusive mulher casada e com filho.
O Estado – Como a associação atende às mulheres surdas?
Mirella – Tudo lá é voluntário. A associação tem um grupo de WhatsApp com 30 mulheres, entre parcerias e voluntárias, sem deficiências e de vários segmentos da sociedade: advogadas, psicólogas, jornalistas, a gestora Luciana Azambuja, pessoas de vários partidos, mesmo com a entidade sendo apartidária. O grupo se ajuda, e graças a isso conseguimos. Hoje em dia não se admite mais fazer evento sem intérprete de libras. É lei. Mas a mulher vai ao médico, sendo surda, chega ao posto e não tem intérprete. Como vai falar do problema quando chega a atendente? Precisa levar alguém, mas se for algum problema íntimo? A lei brasileira prevê intérprete de libras ao menos nos órgãos públicos, uma coisa que não tem. No Ceam (Centro de Atendimento à Mulher), na Casa da Mulher Brasileira, têm. Temos uma voluntária, Flávia Pierete, que faz doutorado em Violência contra a Mulher com Deficiência e é intérprete de libras. No tempo que ela trabalhou na Casa da Mulher atendeu a dez surdas.
O Estado – Como foi o trabalho de vocês?
Mirella – A Defensoria Pública criou no Núcleo de Atendimento à Mulher uma cartilha simples sobre a Lei Maria da Penha, com os pontos mais importantes. Fizemos a roda de conversa com a subsecretária, cegas, surdas, várias mães de meninas com deficiência, para adaptar melhor a cartilha.
O Estado – E como foi a recepção das mulheres surdas?
Mirella – Não digo que as mulheres sofriam, mas não sabiam da lei. Saiu em DVD em CD, é inédito no Estado, não sei se no país existe em outro lugar. Foi uma conquista nossa. Foi uma parceria com a Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas da Mulher, a Secretaria de Educação e o Centro de Atendimento ao Surdo. Fizeram o vídeo, pegaram a pessoa. Imagine pegar um livro e interpretar todo ele em libras, DVD, braille e audiodescrição.

Desafios do ensino superior para as mulheres com deficiência


Fonte: http://azmina.com.br/2016/09/os-desafios-do-ensino-superior-para-as-mulheres-com-deficiencia/

Espaços não adaptados, professores despreparados e preconceito dificultam que elas concluam o ensino superior.
publicado 13/09/2016 por 
#PraCegoVer: Ao lado esquerdo, vemos os contornos do rosto de uma moça. Ela está diante do computador, utilizando um programa. Foto: Lorena de Paula
#PraCegoVer: Ao lado esquerdo, vemos os contornos do rosto de Thaiane. Ela está diante do computador, utilizando um programa sintetizador de voz voltado para pessoas com deficiência visual . Foto: Lorena de Paula
No computador, ao som do Dosvox (um software sintetizador de voz voltado ao público com deficiência visual), Thaiane Martins digita. Marca entrevistas, prepara pautas, se prepara. A moça de voz terna, que não abriu mão do curso superior, traz consigo a certeza de que a disputa é grande e as barreiras são muitas: não vai ser fácil entrar no mercado. “Deixei currículo em muitas empresas. Nenhuma me chamou, nem mesmo pra testes. Por isso, sempre me pergunto: ‘será que não me contratam pela competitividade do curso, ou pelo fato de eu ser deficiente?’. Eu sigo com essa dúvida”.
Esguia, de cabelos escuros e pulsos delicados, é estudante do quinto semestre do curso Jornalismo na Universidade Federal do Pará (UFPA). Deficiente visual de nascença, a moça foi diagnosticada com retinopatia da prematuridade nos primeiros meses de vida. A patologia, descrita como o crescimento desorganizado dos vasos sanguíneos que suprem a retina, atinge principalmente bebês prematuros que nascem abaixo do peso. Manifesta-se em diferentes níveis de gravidade; no mais extremo, pode gerar deslocamento da retina e ocasionar cegueira. Foi seu caso.
Ocultas pela voz meiga, as atribulações e asperezas da trajetória de Thaiane até o nível superior não são diferentes das ocorridas com tantas Pessoas com Deficiência (PCDs) no Brasil. Desde a infância, o espectro do preconceito se fez presente na vida da jovem. No Ensino Fundamental, os colegas de classe se recusavam a fazer atividades escolares com ela. No Médio, os alunos a excluíam das equipes de trabalho. Essa discriminação, aliada a fatores como técnicas educacionais não-inclusivas, arquiteturas escolares inacessíveis e despreparo e desinteresse docente, resultam no alarmante dado divulgado no Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Dos 41,6 milhões de deficientes acima de 15 anos – o equivalente a cerca de 22% da população nacional –, 61% não tinham instrução, ou possuíam somente o ensino fundamental incompleto.
Diante desses números, não posso deixar de me lembrar do livro Ação Cultural para a Liberdade, de Paulo Freire, no qual o autor escreve que “o analfabetismo nem é uma ‘chaga’, nem uma ‘erva daninha’ a ser erradicada (…), mas uma das expressões concretas de uma realidade social injusta”.
Creio que por isso foi árdua a busca por mulheres com deficiência que tivessem concluído ou cursassem o nível superior. Nas idas e vindas, encontramos algumas histórias dentre esse público reduzido e tão à margem da escolaridade. Talvez por timidez ou por ainda não terem concluído a graduação, algumas personagens confirmavam entrevistas e depois recuavam.
Como afirma a estudante de pós-graduação Hellen Raiol, “nós, pessoas com deficiência, mulheres com deficiência, precisamos provar constantemente, diariamente, que somos capazes”.
Ela começou a ter perdas visuais aos 16 anos. No furor de sua juventude, precisou aprender um novo jeito de olhar o mundo. Por ter nascido com retinose pigmentar, que se caracteriza por ser um conjunto de doenças oculares hereditárias que causam degeneração na retina e levam a perda visual gradativa, a mulher de cabelos negros como ébano hoje é considerada baixa visão – isto é, o declínio visual severo que não pode ser corrigido por tratamento, cirurgias ou óculos convencionais.
#PraCegoVer: No centro da imagem está Ellen. Ela olha pra câmera com um braço sobre a mesa da carteira escolar. Ao lado dela, notamos uma grande mochila preta. Foto: Lorena de Paula
#PraCegoVer: No centro da imagem está Ellen. Ela olha pra câmera com um braço sobre a mesa da carteira escolar. Ao lado dela, notamos uma grande mochila preta. Foto: Lorena de Paula
“Mas eu precisava seguir. Porque ser deficiente significa que vamos ter dificuldades e limitações, como qualquer outra pessoa! E que não é por isso que devemos recuar e não ir atrás de nossos sonhos”, confidencia.
E ela não só sonhou: realizou. Como sempre gostou de lidar com público e se identificava com a luta pela garantia de direitos e igualdade de oportunidade, Hellen ingressou em 2010 no curso de Serviço Social. No início da graduação, contudo, já precisou enfrentar o olhar de desconfiança de alguns colegas de turma.
“Percebi que existia certo distanciamento, uma resistência em se relacionar comigo. E que alguns deles achavam que eu, por ter deficiência visual, não raciocinava, não tinha opinião própria. Por essa ideia distorcida, muitas vezes, em trabalhos em grupo, meus colegas queriam me isentar da responsabilidade de realizar a tarefa. As dificuldades enfrentadas, contudo, não se restringiram ao preconceito inicial de alguns alunos da sala. Entre os desafios com que se deparou, destacam-se as barreiras atitudinais que dificultavam sua compreensão dos conteúdos estudados. “Por exemplo: em algumas aulas, os professores acrescentavam imagens aos slides, imagens importantes para entender o assunto e que eu não podia ter acesso por não conseguir enxergá-las”, ela cita, uma nota de aborrecimento tingindo sua voz. “Há muito ainda a ser trabalhado nas universidades, os docentes não receberam o devido preparo para o ensino de pessoas com deficiência. Em toda minha graduação, apenas um professor teve esse olhar inclusivo”.
Os demais professores, ou não a incluíam ou dificultavam sua participação. “Mas o mais grave foi quando um deles disse que achava que eu deveria ficar em uma “classe especial e não com os demais alunos”.

Despreparo e falta de informação

Na contramão, o francês Jean-François Deluchey, residente no Brasil há 12 anos, foi o professor que ofereceu formas de inclusão para Hellen em suas aulas. Ele atribui o despreparo docente à falta de informação a respeito da causa das pessoas com deficiência. Admite ainda que se não fosse por Hellen, não saberia que existem recursos pedagógicos disponíveis a esse público. “Eu entendo que meus colegas se sintam desnorteados e muitas vezes até desconfortáveis com a própria falta de conhecimento. Mas acho que é preciso levar em conta a diversidade social e a inclusão dos deficientes no sistema de ensino. É função nossa, quanto docentes, nos informarmos e nos adequarmos aos serviços técnicos”.
E o professor acredita que uma das formas de alcançar acessibilidade na educação seria o corpo diretivo disponibilizar tablets gratuitamente aos alunos com deficiência visual, a partir do primeiro semestre de curso. Além disso, os docentes ficariam responsáveis pela digitalização sistemática dos conteúdos trabalhados em sala.

“Eles foram aprendendo comigo”

#PraCegoVer: Na foto,  Thaiane encontra-se em um estúdio de rádio e tem a frente de si um microfone vermelho, posicionado rente aos próprios lábios.  (Foto/reprodução: Lorena de Paula)
#PraCegoVer: Na foto, Thaiane encontra-se em um estúdio de rádio e tem a frente de si um microfone vermelho. Foto: Lorena de Paula
A jornada de Thaiane na graduação é um pouco diferente da de Hellen. Com a aprovação no vestibular, encerrou o capítulo da discriminação nas salas de aula. “Na universidade, não enfrentei nenhum preconceito”, assegura. “Meus colegas de turma da UFPA só ficaram curiosos, querendo saber como era o mundo pra mim. Mas atribuo isso à sorte, porque já ouvi muitos relatos de outros deficientes que sofreram preconceito no ensino superior”.
Quando pergunto se a universidade estava acessível a ela, a resposta imediata é não. “Eu fui a primeira aluna cega do curso de Comunicação da UFPA, e a faculdade não estava nem um pouco preparada. Eles foram aprendendo comigo, se esforçando pra suprir todas as necessidades”.
E é para atender às demandas, garantir a permanência e acesso pleno das PCDs aos institutos federais de ensino superior, que desde 2005 o Ministério da Educação (MEC) implementa o Programa Incluir, cujo objetivo é assegurar a integração dos deficientes ao âmbito acadêmico através da eliminação de barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e comunicacionais. Entre as ações do programa está o incentivo a criação de núcleos de acessibilidade.
“Na UFPA, o Núcleo de Inclusão Social, também chamado de NIS, se pauta nessas diretrizes”, explica a coordenadora do projeto, Rosilene Prado. Criado em 2012 pela Pró-Reitoria de Ensino e Graduação (PROEG), com o intuito de executar a Política Institucional de Inclusão, o NIS atende, atualmente, 55 universitários com deficiências diversas.
Entre as atividades desenvolvidas, estão o apoio ao aluno deficiente visual com a transcrição de materiais para o sistema Braille e grafia ampliada, disponibilização de intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) para estudantes com deficiência auditiva, entre outros.
“Também conversamos com os alunos com necessidades especiais, para saber do que eles verdadeiramente precisam e prestamos orientações aos professores, para que ministrem as aulas de forma a incluir toda a classe”, afirmou a coordenadora de cabelos curtos e negros.
Thaiane foi uma das estudantes atendidas pelo Núcleo. Ela me conta que ao ingressar na faculdade, duas especialistas da área de Educação Especial a procuraram para saber com quais técnicas de ensino inclusivo estava familiarizada. “Braille, tecnologias assistivas como Dosvox e outros programas sintetizadores de voz”, e de posse dessa informação, conversar sobre adaptações de aulas com o corpo docente do curso de jornalismo.
“Perguntaram também se eu gostaria que realizassem dinâmicas com a minha turma, se eu me sentiria à vontade com isso Como eu disse que tudo bem, elas vendaram alguns colegas meus, para mostrar a eles como era a minha realidade. Também ensinaram como conduzir um deficiente visual”, conta. Além disso, os professores passaram a digitalizar e enviar antecipadamente os materiais abordados em sala.
De acordo com a deficiente visual, a estrutura arquitetônica da UFPA é outra questão para PCDs, uma situação que compromete a mobilidade livre e autônoma desses estudantes.  Mas independente dos tropeços na jornada, ela segue trilhando os caminhos da graduação. Já nos primeiros semestres, ingressou voluntariamente na equipe da Rádio Web da UFPA. Pouco tempo depois, tornou-se bolsista do veículo. Na mídia, ela desempenha a função de repórter-produtora Nos próximos anos, a futura jornalista espera que a recém-descoberta afinidade com rádio e TV se consolide: são os veículos em que deseja exercer a profissão.

SOBRE @ AUTOR@:

Pérola de Souza
Pérola de Souza, belenense cabana e deficiente visual. Seu lema é não Pérola de Souza, belenense cabana e deficiente visual. Seu lema é não temer desafios e caras feias, até porque não consegue se ver no espelho. Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Estácio-PA, e pós-graduando em Marketing eleitoral e jornalismo político, mantêm-se convicta no ofício da profissão, muito embora as portas permaneçam cerradas como/pelas mentes obscurecidas pelo preconceito. Já publicou reportagens como profissional independente e foi premiada no FUSCA – Festival Universitário de Criação e Audiovisual pela telereportagem Faculdade sem fronteiras. Criou e dirigiu “SIM, sou capaz”, vídeo institucional da Associação Paraense das Pessoas com Deficiência (APPD), com o objetivo de dar visibilidade a ONG que defende a bandeira dos deficientes no Pará. Acredita piamente no ideal do sociólogo Boa Ventura de Souza Santos, que diz: “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”.