segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Meia idade, sonhos inteiros!




Rumo aos 40 anos (dia 08 de janeiro), sinto o peso das primaveras, mas minha alma voa cada vez mais alto e forte! Tenho mais dores nas coluna e nas pernas, ando menos, me canso bem mais, não tenho mais a mesma força física, ganhei peso. A minha deficiência física avança um pouco mais e tenho que diminuir o ritmo, deixar de fazer algumas coisas, e respeitar meus limites. 

Porém, o amadurecimento e a serenidade fazem cada vez mais parte da minha vida! Sou bem mais leve... Tenho mais confiança em mim mesma, auto estima em alta, força de continuar lutando. Não me preocupo mais com coisas insignificantes; e não ligo para pessoas que não tem importância em minha vida. 

Gosto cada dia mais do meu corpo, sou amada pelo meu marido, querida por toda a minha família e amigos, e o mais importante: me sinto muito bem comigo mesma! E aprecio mais ficar só com meus pensamentos... 

Não tenho mais medo das cobranças, não preciso provar nada pra ninguém e nem para mim mesma. Aceitei as condições adversas e diversas da vida, aceito o amor das pessoas exatamente como são, e consigo viver tranquila na casa que habito: minha parte externa. Respeito minhas dificuldades, aprecio minhas qualidades, e busco constante evolução...

A leitura ganhou um peso bem maior de uns anos pra cá, e eu sinto o bem que as palavras fazem ao meu coração e a minha alma. Conhecer histórias de vida, e abraçar pessoas queridas é o que acalenta meu espírito e impulsiona a seguir em frente. 

Agora o mais significativo de tudo é que eu voltei a estudar e estou com muito planos para 2017! Vou fazer pós graduação em Jornalismo Literário e aprender a escrever sempre mais e melhor! 

Sempre soube que amava as palavras e elas me faziam existir, mas o namoro virou amor! Agora, não consigo mais largar a minha vocação: escrever! E para isso, leio cada vez mais e com prazer! Estou FELIZ!!!

Desejo a todas e todos a paz que sinto hoje em todos os próximos anos de suas vidas!!! 

Abraços apertados e beijos estalados, Leandra.    

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Autoras brasileiras e suas produções

Conheçam as ótimas autoras brasileiras e suas produções reconhecidas no Brasil e no mundo.  





Heloisa Pires Lima nasceu em Porto Alegre. Aos nove anos, mudou-se para São Paulo, onde reside até hoje. Estudou Psicologia na PUC e Ciências Sociais na USP, onde também concluiu mestrado em Antropologia (2000), e doutorado em Antropologia Social (2005). Tem priorizado em sua produção acadêmica questões teóricas acerca das fronteiras entre História e Antropologia, na especificidade do tema das representações culturais, com ênfase em relatos de viagem e arte. 

O período alvo de suas pesquisas tem sido o século XIX. Sua aproximação com a literatura se dá no âmbito da biblioteca da Ibejí Casa Escola – projeto desenvolvido em São Paulo na juventude. Heloisa é também educadora. Após constatar a ausência ou inadequação de personagens negros no universo da literatura, começa a pesquisar acerca desses personagens e, mais tarde, passa à criação. Além disso, coordena para uma editora do Rio de Janeiro uma coleção de títulos infanto-juvenis protagonizados por personagens afrodescendentes. 

 Em 1998, publicou Histórias da Preta, pela editora Companhia das Letrinhas, um compêndio que aborda os vários aspectos da história de uma construção da identidade de uma menina negra. A obra vem sendo adotada por inúmeras escolas públicas e particulares. A Preta, como o chama a escritora, recebeu reconhecimento crítico, como os prêmios José Cabassa e Adolfo Aizen (1999/UBE), além de ter sido selecionada para o Brazilian Book magazine (1999/FBN-FNLJ) divulgado no Bologna Book Fair. 

Em 2004, coordenou a coleção O Pescador de Histórias, pela Peirópolis, cujo primeiro título foi O Espelho Dourado (PNBE 2005). Já em 2005, tivemos A semente que veio da África, pela Salamandra (PNBE 2005). Nesse projeto editorial, propôs, ao invés de produzir um texto sobre a África, uma conversa entre duas Áfricas. Convidou Georges Gneka, da Costa do Marfim, e Mário Lemos; de Moçambique, e todos trouxeram histórias sobre um mesmo tema, ou seja, uma árvore muito especial e riquíssima como inspiração literária. 

Foi responsável pela criação da Selo Negro Edições, do Grupo Summus Editorial, além de ter atuado como editora entre 1999 e 2000. É uma das autoras do volume De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros, obra vencedora do I Concurso Nacional de Produção de Livros e Vídeos Sobre História, Cultura e Literatura Afrobrasileiras, modalidade Livros, na categoria cultura afro-brasileira. Em 2006, Ano do Brasil na França, participou da Journée Littéraire Foyalaise realizada na Martinica e em Guadalupe.


LIVROS DE HELOISA


https://www.estantevirtual.com.br/busca?utf8=%E2%9C%93&type=q&new=&q=Heloisa+Pires+Lima


ARTIGO DE HELOISA

O desenho do racismo à brasileira


Por Heloisa Pires Lima* em 08/03/2011 na edição 632 do Observatório da Imprensa.

Dois monstros sagrados, ícones da produção editorial voltada para o público infantil e juvenil, acabaram reunidos numa mesma polêmica acerca do racismo no Brasil. O poder inegável do que representam para a sociedade parecia, até o momento, ter o reconhecimento das massas, do Estado e da mídia de capital privado. Mas, se a sacralidade lhes atribuída já adquirira a condição de perene, vimos aparecer o lado monstruoso dessas moedas valiosas.

Ano de 2010. Em novembro, um manifesto pró-Monteiro Lobato circulou em nome da falsa ideia de suas obras haverem sido proibidas pelo governo às vésperas de uma eleição. Longe disto, o parecer assinado pela conselheira Nilma Lino Gomes com o aval, por unanimidade, dos demais analistas do Conselho Nacional de Educação recomendava um conjunto de ações frente ao teor racista localizado na obra Caçadas de Pedrinho (original de1933). A partir da distribuição do título pela Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal, um educador mais atento toma a iniciativa de protocolar à denúncia. A análise, de instância a instância, acabou pauta para o CNE, que chamou para si a responsabilidade de emitir o parecer com as sugestões. O critério considerou o objetivo de promover uma educação anti-racista que prevê a formação do educador para lidar com o assunto.
‘Racismo sem ódio não é racismo’
O viés eleitoral amplificou o caso, com manchetes do tipo ‘querem proibir Lobato para as crianças’. Foram inúmeros adeptos da hora a multiplicar o arsenal de matérias em defesa do escritor. Os blogs replicaram artigos afiados no desejo de interpretar o momento e impuseram o assunto. Os grandes jornais, revistas, programas radiofônicos, televisivos, enfim, tiveram à disposição uma pauta embasada em manifesto tornado celebridade. Somente a voz dos conselheiros demorou a ganhar a atenção da grande mídia. Até o ministro da Educação, paradoxalmente, emitiu opinião informal antes de ouvir o próprio CNE. Mas em pouco tempo a espetacularização foi serenando, tornando cada mais insustentável a defesa do racismo em nome da bio-bibliografia de um autor. O debate amadureceu nos meios de comunicação com elementos inéditos para o grande público auxiliando na flexibilização do juízo de valor anterior. E eis que, enquanto a posição definitiva e oficial do MEC estava ainda sendo aguardada para encerrar o caso aberto lá atrás, surge a ação protagonizada pelo cartunista Ziraldo. Numa tentativa de se adiantar ao ministro, o ponto final da polêmica, na concepção que ele adotou, foi desenhar um bem vestido Lobato agarrando uma mulata de poucas vestes para a estampa de um bloco de carnaval no Rio de Janeiro.


Não fosse a provocação do tema, a livre expressão do cartunista tinha tudo para reacender os melindres acerca da representação da mulher negra. Não suficiente, a imagem ficou mais animada com a voz, em off, do próprio Ziraldo, que afirma:

‘Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista.’

O pau do gato
O chiste é plausível na vida intelectual. A espirituosa capacidade de rir de si mesmo ou de realizar junções inesperadas, o duplo sentido ou o trocadilho são jogos que a linguagem permite para sutilezas bem construídas. No entanto, não há nada mais desagradável do que uma piada sem graça. Maldita, então, é a jocosidade ofensiva. O humano é capaz de exacerbar fragilidades emocionais produzindo prazer para si e para o público para o qual exibe a própria esperteza. Somente a sensibilidade crítica inibe esse tipo de prazer. O dado de realidade localiza o impulso e tem força para a suspensão do conteúdo que agride. A percepção da dor do outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença, é o princípio da alteridade, noção cara para os dias atuais.
Por isso, a ‘gracinha’ de Ziraldo soou como um tapa na cara, sobretudo pela maneira displicente de referir o racismo que atinge a cidadania da população negra no país. A agressão veio acompanhada da asneira conceitual que pressupõe racismo com ódio e sem ódio. Mas a excrescência teve troco. A densidade e o estilo conhecido das análises definitivas da ágil intelectual negra Ana Maria Gonçalves (ver aqui) foi um golpe preciso. Outro, o isolamento do cartunista carente de eventuais defensores públicos da ‘carnavalização do racismo’.
A vinculação entre os escritores a partir de uma mesma ocorrência pode vir a ser um marco para a atenção sobre o racismo, quando sobreposto à sociedade brasileira. Todavia, a etiqueta racista entregue a um ou a outro esgotaria o evento nele mesmo. Certamente, Ziraldo não está sozinho na sua livre expressão. É comum os pleitos racistas invocarem a liberdade de expressão associada à absolutamente condenada ideia de censura. Esta é uma das nuanças do ‘deixe meu politicamente incorreto em paz’, como se a criação artística não devesse satisfação nem ao constrangimento que possa submeter seja ao gato, ao urubu ou à infância negra. Se a razão do Estado é garantir a proteção e a defesa dos incluídos em seu território, a cidadania é livre para agir, mas deve responder pelas consequências dos seus atos. Os aperfeiçoamentos legais conquistados arduamente são demandas que resultam do embate de argumentos culturais.
Portanto, não há como considerar irrelevante o racismo difundido por meio de aparentemente ingênuas obras ou o dimensionado no mapa da violência 2011 a demonstrar o extermínio de jovens negros. Se estampado fosse o slogan – ‘não somos racistas’ –, a mensagem a circular no carnaval seria a mesma. Todavia, por trás dessa opinião há a dificuldade para reconhecer a história particular da parcela negra da população do país e o esmero em atrasar intervenções que superem a desigualdades que a atinge. É braço da manutenção de privilégios.
E com a ‘mulata’ impressa, Ziraldo consegue animalizar mais ainda a mulatice das mulas que a semântica oferta às moças negras. Despida da história do uso semântico para racismos criadores de hierarquias entre mulheres reais, a do desenho está numa situação pior do que a do gato que segura numa das mãos o pau enquanto a outra lhe passa a mão na bunda.
O saber compartilhado
O argumento aí implícito defende que não ser racista é sair ridicularizando uma pedagogia anti-racista. A indignidade sexista recupera ainda a contenda da miscigenação, ora exaltada, ora condenada como síntese sociológica do Brasil. A máxima de sermos todos mestiços, concepção, aliás, soberana em princípios racialistas a priorizar o aspecto genético da questão, está da mesma forma dimensionada. Essa conotação social do feminino negro o transforma em categoria apaziguadora de conflito racial. É a mesma lógica presente em teorias do relacionamento harmônico que tendem a evidenciar a felicidade do convívio inter-racial nas ruas e a silenciar no que diga respeito à segregação dos mesmos nas esferas de poder do país. 
A evidente desigualdade para acessos sociais e as iniciativas que afirmem a condição da diferença na escala dos fenótipos tem sido um importante desafio para a sociedade compreender, demandar e alterar padrões de poder no país. O principal entrave está nas visões que insistem ser o fator classe suficiente para o desdobramento de políticas universalistas gestadas pelos governos. Para o Estado, essa homogeneidade atrapalha a nuança da história da escravidão e suas consequências para os que dela descendem como uma variável particular na administração do bem comum.
Se o que os escritores protagonizaram pode ser visto como dimensionamento do racismo enrustido ou explícito, condenado ou negligenciado na sociedade dos nossos e de outros tempos, a inesperada reunião propicia uma circunstância ainda mais singular: a de ambos serem sujeitos nativos e informantes de conteúdos vinculados ao setor editorial.
Aproveitando a problemática relação nativo-informante para a teoria, dicotomia central para o saber antropológico, área que adotei como profissão, ela não deixa esquecer a busca de sistemática fundamentação a lançar luzes sobre o intercâmbio entre argumentos culturais e produção de conhecimento. A revisão incessante teve para exame as contingências imperialistas, colonialistas e tantas outras istas imbricadas nesse conhecer o ‘outro’. Os inúmeros alertas apontando a condição de monólogos discursivos para a imagem do ‘outro’ confirmaram ao menos uma certeza: o acesso à produção a garantir o espaço para pontos de vista distintos, para o embate de ideias, é a única e a mais louvável das lapidações em prol da democracia a gerar o saber compartilhado.
A ilustração como foco
Mas e quando o tema passa a considerar a perspectiva infantil de ser informada pelo mundo e sobre o mundo? No caso brasileiro, podemos nos dar conta do imenso espaço que Lobato e Ziraldo ocupam na cabeça de várias gerações de brasileiros, o que ressalta o tema da presença negra na história editorial. As figurinhas negras elaboradas por suas mentalidades fazem parte do imaginário que produziram abundantemente, quase como um monólogo promovido e consentido. A representação ofertada por esses autores quase não teve contraponto.
Pensando ainda sobre os polos que se opõem, é hora de recordar o fato de sermos mais complexos que a teoria. Se a filiação ao partido político pode enviesar o julgamento de um relatório do MEC, o que dizer dos males da xenofobia? Reveladas as ideias racistas de Lobato, como o fez, recente e brilhantemente, Ana Maria Gonçalves, examinando inclusive o acervo de cartas do escritor, a análise da produção do autor ganhou em redimensionamentos. Não há como negligenciar que, para a história da presença de personagens negros no universo da literatura infantil, os textos que ele produziu foram inovadores, assim como o valor positivo para gênero, ou o protagonismo do idoso e outros aspectos que o exame atento pode, infinitamente, revelar. Caso o foco seja a ilustração de seu material, lá também está a Nastácia pelas mãos de Voltolino recebendo tratamento visual mais equitativo do que se poderia esperar quando relacionada à Benta. 
 
O contrário também é exemplar. Uma leitura contemporânea das edições, ilustradores afora e além do período original, reserva as mais grotescas formas da personagem. Idiotizada, bestializada, animalizada, inferiorizada sob todos os aspectos, tornada monstrenga, suja o que facilmente contrasta com a composição das demais figuras.

Racismo editorial produziu história de violência
O dado, sem dúvida, tem muito a dizer a respeito da livre circulação de preconceitos para as gerações de diferentes contextos. Por sua vez, Ziraldo, com seu trabalho O menino marrom (1986), produziu uma narrativa datada deixando como depoimento a dificuldade do cartunista em construir um personagem negro bonito, que é o que o enredo propõe. E ele cumpriu a tarefa reservando o cuidado gráfico ao personagem. O que se depara, nesse caso, é a dificuldade em desenhar um menino negro. Negro, não; marrom. A estrutura da obra testemunha que nos anos 1980 ainda não havia meninos negros bonitos retratados nos livros. Também deixa dicas sobre a resposta da época em afirmar a identidade negra. A interlocução com o menino cor-de-rosa reduz a densidade da história pela da cor.

 

É um ângulo para lidar com a questão, mas não o único. É provável que tanto Lobato quanto Ziraldo precisassem localizá-lo para traçar mapas, itinerários e rotas de viagem em terras desconhecidas, como a de facultar seus modelos de humanidade negros. Dá para imaginar os dois submetidos a uma série de circunstâncias políticas e de logística expedicionária durante o processo de suas criações. E, se muito se sabe das práticas coletivas de atribuir significados aos povos negros pelos não tão negros, pouca é a investigação dos processos em que a paisagem humana negra vai surgindo no universo desconhecido do explorador. 
E é nessa brecha que pode surgir o destaque para a força dos personagens em sua soberania a propor conteúdos para a autoria. Na verdade, as Nastácias ou os Barnabés lobatianos são expressões da narrativa popular se impondo. O autor se serviu da saborosa fonte para as suas elaborações. A alusão ao menino negro, apesar da assimetria com o cor-de-rosa também conquistou visibilidade. E todo o escritor sabe que a construção do sentido literário nunca é unilateral. Ela indaga e negocia o tempo todo com a criação. 
O personagem, como espessura inconsciente, adquire vida, espaço e autonomia. Incluir a imagem da população negra por Lobato e Ziraldo foi uma condição advinda do contato com o tema, já que antes ele não havia. Apesar das concepções racistas, é a demanda por um protótipo negro que chama a atenção para si, a ponto de entrar para o livro. E é esta soberania que torna mais notória ainda a ausência/presença da imagem como nativos e/ou informantes para dar a conhecer o mundo.
O outro lado dessa mesma moeda é o comparecimento de escritores negros no cenário das publicações. A existência negra expressa na literatura pouco abasteceu bibliotecas, videotecas, acervos de brinquedos. O racismo editorial produziu uma história de violência. O personagem, mas também o autor negro, são heróis da mesma jornada contra o preconceito. A desigualdade das cenas ficcionais dentro das obras é a mesma fora delas. Temos a chance de percebê-la.
Cadê o bloco do anti-racismo?
Em pleno século 21, não fosse o educador bater à porta do MEC, os conteúdos do livro de Lobato continuariam pouco problematizados. Da mesma forma, o tabu de questionar seja quem for o autor consagrado nas bibliotecas escolares. Por sua vez, não estariam colocadas na mesa as indagações extensivas, como o acesso à produção diversificador de pontos de vista. Não havendo confronto, a ignorância lúcida ou ingênua é mantida e não conseguirá identificar a dor do racismo. A ‘mulata’ impressa na camiseta, nesse ínterim, se olharmos bem, começa a falar da violência e da assimetria em que a posicionaram e que está ali sufocada e constrangida. A passividade simbolicamente sugerida, no entanto, acabou tridimensionalizada pela realidade. A entrada da internet como variável para os principais polêmicas nacionais tornou o nativo informante e aponta a precariedade da dicotomia. Este é um ponto de inversão cultural.
O racismo, enfim, é um desafio para todas as sociedades e todas as esferas. O acervo de obras singelas é a extensão de obras acadêmicas. A prevalência de fórmulas racistas em material aparentemente ingênuo também significa a falta de analistas formados para a temática. A tecnologia, consenso para aperfeiçoar o desenvolvimento do país, deveria tornar mais apto o saber acerca do racismo. Assunto de impacto, as diretrizes da tecnologia das relações raciais ocupam qual o espaço no gerenciamento da ciência produzida no país? Cadê o bloco do anti-racismo no investimento e na inovação tecnológica voltada para circunscrever as dinâmicas raciais? Ou a gestão de financiamento da pesquisa em centros universitários atenta para a diversidade e equanimidade dos pesquisadores? Estas, entre outras, são histórias a serem impressas no desenho de Brasil.
*Heloisa Pires Lima é Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Também escreve para crianças e é consultora para os episódios do Livros Animados – programa Acorda cultura – TV Futura.
FONTE: 
http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/o-desenho-do-racismo-a-brasileira/


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Poema de Natal

Queridas e queridos, 

Minha mensagem de natal está neste lindo e forte poema desta escritora que acabo de descobrir e ficar maravilhada... 




POEMA DE NATAL
                       
Por Conceição Evaristo*

O frio assola 
os meninos no Natal
nas grutas, nas vielas,
nos condomínios...

O frio no Natal assola
a vida de muitos.
Na solidão do vazio prato,
o esbanjar da ceia
cerceia o paladar
de quem apenas em sonho,
molha a farinha seca,
no vinho tinto e extinto
pelo derramamento
do cálice do outro.

O frio no Natal 
não tem nascedouro
em dezembro.
Há longas datas
o frio assola
a boca vazia
do ano inteiro.

Em dezembro porém 
uma lembrança erupciona
a pele de todos.
O frio do outro Menino,
o frio do outro...

E então, no afã de exterminar 
o nosso frio, fabricamos
o calor de um só dia, esquecidos
de que como deuses
também podemos milagrar a vida.

Basta tomar 
o fogo-brilho da estrela
e com a chama do divino-humano
que em nós habita,
maravilhar o mundo com
a estrela-guia da justiça.


In Poemas da recordação e outros movimentos, Belo Horizonte, Nandyala, 2008, p.55-56

*Fonte: http://nossaescrevivencia.blogspot.com.br/2012/11/poema-de-natal.html



Conceição Evaristo





"Gosto de escrever, na maioria das vezes dói, mas depois do texto escrito é possível apaziguar um pouco a dor, eu digo um pouco ...

Escrever pode ser uma espécie de vingança, às vezes fico pensando sobre isso. Não sei se vingança, talvez desafio, um modo de ferir o silêncio imposto, ou ainda, executar um gesto de teimosia esperança.


Gosto de dizer ainda que a escrita é para mim o movimento de dança-canto que o meu corpo não executou, é a senha pela qual eu acesso o mundo." 


Conceição Evaristo nasceu em uma família de mulheres negras cozinheiras, faxineiras, empregadas domésticas. Segunda de nove irmãos, a escritora, que completa 70 anos em novembro, diz que na infância não viveu a pobreza, mas a própria miséria na favela do Pendura Saia, encravada no alto da Avenida Afonso Pena, área nobre de Belo Horizonte. Ali, da mãe e das tias, ouviu muitas histórias e inventou outras. A ficção era indispensável à sobrevivência, uma forma de sublimar a realidade. Essa experiência é o alimento da sua escrita ou, como ela afirma, da sua “escrevivência”.


Mulher, negra, de origem pobre. É desse lugar que Conceição fala, que Conceição escreveu e escreve seus livros. Da sua estreia em 2003 com “Ponciá vicêncio” (Ed. Maza), lançado nos Estados Unidos, na França e em breve no México, a “Olhos d’água” (Pallas), vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Contos em 2015. Até chegar a “Histórias de leves enganos e parecenças”, reunião de contos recém-lançada que marca também a estreia da Editora Malê. 

Em todos os seus trabalhos estão presentes a crítica social e a religiosidade, que ela prefere chamar de ancestralidade. O mistério e o encantamento são os fios que ligam os contos de “Histórias de leves enganos...”. 


"Gosto de ouvir, mas não sei se sou a hábil conselheira. Ouço muito. Da voz outra, faço a minha, as histórias também. E, no quase gozo da escuta, seco os olhos. Não os meus, mas de quem conta. […] 

Desafio alguém a relatar fielmente algo que aconteceu. Entre o acontecimento e a narração do fato, alguma coisa se perde e por isso se acrescenta. 


O real vivido fica comprometido. E, quando se escreve, o comprometimento (ou o não comprometimento) entre o vivido e o escrito aprofunda mais o fosso. Entretanto, afirmo que, ao registrar estas histórias, continuo no premeditado ato de traçar uma escrevivência."


Com a palavra... 

Conceição Evaristo por Conceição Evaristo* 

Sou mineira, filha dessa cidade, meu registro informa que nasci no dia 29 de novembro de 1946. Essa informação deve ter sido dada por minha mãe, Joana Josefina Evaristo, na hora de me registrar, por isso acredito ser verdadeira. Mãe, hoje com os seus 85 anos, nunca foi mulher de mentir. Deduzo ainda que ela tenha ido sozinha fazer o meu registro, portando algum documento da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Uma espécie de notificação indicando o nascimento de um bebê do sexo feminino e de cor parda, filho da senhora tal, que seria ela. 

Tive esse registro de nascimento comigo durante muito tempo. Impressionava-me desde pequena essa cor parda. Como seria essa tonalidade que me pertencia? Eu não atinava qual seria. Sabia sim, sempre soube que sou negra. Quanto a ela ir sozinha, ou melhor, solitária para o cartório me registrar é uma dedução minha tirada de alguns fatos relativos à vida de meu pai. Aliás, de meu pai conheço pouco, pouquíssimo. Em compensação, sei um pouco mais, daquele que considero como sendo meu pai. Dele sei o nome todo. Aníbal Vitorino e a profissão, pedreiro. Meu padrasto Aníbal, quando chegou a nossa casa, minha mãe sozinha cuidava de suas quatro filhas. Maria Inês Evaristo, Maria Angélica Evaristo, Maria da Conceição Evaristo e Maria de Lourdes Evaristo. Bons tempos, o de nós meninas. 

Minha mãe se constituiu, para mim, como algo mais doce de minha infância. O que mais me importava era a sua felicidade. Um misto de desespero, culpa e impotência me assaltava quando eu percebia os sofrimentos dela. Minha mãe chorava muito, hoje não. Tem uma velhice mais tranqüila. Meu padrasto completou 86 anos e vive ao lado dela. Depois das quatro meninas, minha mãe teve mais cinco meninos, meus irmãos, filhos de meu padrasto. A ausência de um pai foi dirimida um pouco pela presença de meu padrasto, mas, sem dúvida alguma, o fato de eu ter tido duas mães suavizou muito o vazio paterno que me rondava. 

Aos sete anos, fui morar com a irmã mais velha de minha mãe, minha tia Maria Filomena da Silva. Ela era casada com Antonio João da Silva, o Tio Totó, viúvo de outros dois casamentos. Não tiveram filhos. Fui morar com eles, para que a minha mãe tivesse uma boca a menos para alimentar. Os dois passavam por menos necessidades, meu Tio Totó era pedreiro e minha Tia Lia, lavadeira como minha mãe. 

A oportunidade que eu tive para estudar surgiu muito da condição de vida, um pouco melhor, que eu desfrutava em casa dessa tia. As minhas irmãs enfrentavam dificuldades maiores. Mãe lavadeira, tia lavadeira e ainda eficientes em todos os ramos dos serviços domésticos. Cozinhar, arrumar, passar, cuidar de crianças. Também eu, desde menina, aprendi a arte de cuidar do corpo do outro. 

Aos oito anos surgiu meu primeiro emprego doméstico e ao longo do tempo, outros foram acontecendo. Minha passagem pelas casas das patroas foi alternada por outras atividades, como levar crianças vizinhas para escola, já que eu levava os meus irmãos. O mesmo acontecia com os deveres de casa. Ao assistir os meninos de minha casa, eu estendia essa assistência às crianças da favela, o que me rendia também uns trocadinhos. Além disso, participava com minha mãe e tia, da lavagem, do apanhar e do entregar trouxas de roupas nas casas das patroas. Troquei também horas de tarefas domésticas nas casas de professores, por aulas particulares, por maior atenção na escola e principalmente pela possibilidade de ganhar livros, sempre didáticos, para mim, para minhas irmãs e irmãos. 

Conseguir algum dinheiro com os restos dos ricos, lixos depositados nos latões sobre os muros ou nas calçadas, foi um modo de sobrevivência também experimentado por nós. E no final da década de 1960, quando o diário de Maria Carolina de Jesus, lançado em 19558, rapidamente ressurgiu, causando comoção aos leitores das classes abastadas brasileiras, nós nos sentíamos como personagens dos relatos da autora. 

Como Carolina Maria de Jesus, nas ruas da cidade de São Paulo, nós conhecíamos nas de Belo Horizonte, não só o cheiro e o sabor do lixo, mas ainda, o prazer do rendimento que as sobras dos ricos podiam nos ofertar. Carentes de coisas básicas para o dia a dia, os excedentes de uns, quase sempre construídos sobre a miséria de outros, voltavam humilhantemente para as nossas mãos. Restos. 

Minha mãe leu e se identificou tanto com o Quarto de Despejo, de Carolina, que igualmente escreveu um diário, anos mais tarde. Guardo comigo esses escritos e tenho como provar em alguma pesquisa futura que a favelada do Canindé criou uma tradição literária. Outra favelada de Belo Horizonte seguiu o caminho de uma escrita inaugurada por Carolina e escreveu também sob a forma de diário, a miséria do cotidiano enfrentada por ela. 

Em minha casa, todos nós estudamos em escolas públicas. Minha mãe sempre cuidadosa e desejosa que aprendêssemos a ler, nos matriculou no Jardim de Infância Bueno Brandão e no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, duas escolas públicas que atendiam a uma clientela basicamente da classe alta belorizontina. Ela optou por nos colocar nessas escolas, distantes de nossa moradia, embora houvesse outras mais perto, porque já naquela época, as escolas situadas nas zonas vizinhas às comunidades pobres ofereciam um ensino diferenciado para pior. 

Foi em uma ambiência escolar marcada por práticas pedagógicas excelentes para uns, e nefastas para outros, que descobri com mais intensidade a nossa condição de negros e pobres. Geograficamente, no Curso Primário experimentei um apartheid escolar. O prédio era uma construção de dois andares. No andar superior, ficavam as classes dos mais adiantados, dos que recebiam medalhas, dos que não repetiam a série, dos que cantavam e dançavam nas festas e das meninas que coroavam Nossa Senhora. 

O ensino religioso era obrigatório e ali como na igreja os anjos eram loiros, sempre. Passei o Curso Primário, quase todo, desejando ser aluna de umas das salas do andar superior. Minhas irmãs, irmãos, todos os alunos pobres e eu sempre ficávamos alocados nas classes do porão do prédio. Porões da escola, porões dos navios. Entretanto, ao ser muito bem aprovada da terceira para a quarta série, para minha alegria fui colocada em uma sala do andar superior. Situação que desgostou alguns professores. Eu, menina questionadora, teimosa em me apresentar nos eventos escolares, nos concursos de leitura e redação, nos coros infantis, tudo sem ser convidada, incomodava vários professores, mas também conquistava a simpatia de muitos outros. 

Além de minhas inquietações, de meus questionamentos e brigas com colegas, havia a constante vigilância e cobrança de minha mãe à escola. Ela ia às reuniões, mesmo odiando o silêncio que era imposto às mães pobres e quando tinha oportunidade de falar soltava o verbo. Ao terminar o primário, em 1958, ganhei o meu primeiro prêmio de literatura, vencendo um concurso de redação que tinha o seguinte título: “Por que me orgulho de ser brasileira”. Quanto à beleza da redação, reinou o consenso dos professores, quanto ao prêmio, houve discordâncias. Minha passagem pela escola não tinha sido de uma aluna bem comportada. Esperavam certa passividade de uma menina negra e pobre, assim como da sua família. E não éramos. 

Tínhamos uma consciência, mesmo que difusa, de nossa condição de pessoas negras, pobres e faveladas. Durante toda a primeira infância, até ali por volta dos 10 ou 11 anos, morou conosco, em um quartinho à parte, um tio materno, Osvaldo Catarino Evaristo. Esse meu tio havia servido à pátria, lutado na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil, lhe foi oferecido um cargo de servente na Secretaria de Educação. 

Ao longo dos anos ele estudou, desenvolvendo seus dons de poeta, desenhista e artista plástico. E, mais do que isto, foi sempre um consciente questionador da situação do negro brasileiro. Repito sempre que a ele devo as minhas primeiras lições de negritude. Ao terminar o Primário, fiz um Curso Ginasial cheio de interrupções e, a partir dos meus 17 anos, vivi intensamente discussões relativas à realidade social brasileira. 

Foi quando me inseri no movimento da JOC, (Juventude Operária Católica) que, como outros grupos católicos, promovia reflexões que visavam comprometer a Igreja com realidade brasileira. Entretanto, as questões étnicas só entrariam objetivamente em minhas discussões na década de 70, quando parti para o Rio de Janeiro. Em 73, com ajuda de amigos, imigrei para o Rio de Janeiro, antigo Estado da Guanabara, depois de ter feito concurso naquele mesmo ano, para professora primária. Eu havia terminado o Curso Normal no Instituto de Educação de Minas Gerais, em 71. Tinha sido um período particularmente difícil para minha família e outras que estavam sofrendo com um plano de desfavelamento, que nos enviava para a periferia da cidade. 

Ao distanciarmos do centro de Belo Horizonte, não tínhamos nada, a não ser uma pobreza maior. Então, com um diploma de professora nas mãos e sem qualquer possibilidade de dar aulas em Belo Horizonte, parti de “mala e cuia” para o Rio de Janeiro. Entrar para a carreira de magistério, naquela época, dependia de ser indicado por alguém e as nossas relações com as famílias importantes de Belo Horizonte estavam marcadas pela nossa condição de subalternidade. Aliás, nesse sentido, gosto de dizer que a minha relação com a literatura começa nos fundos das cozinhas alheias. Minha mãe, tias e primas trabalharam em casas de grandes escritores mineiros ou nas casas de seus familiares. 

Digo mesmo que o destino da literatura me persegue... Gosto, entretanto, de enfatizar, não nasci rodeada de livros, do tempo/espaço aprendi desde criança a colher palavras. A nossa casa vazia de bens materiais era habitada por palavras. Mamãe contava, minha tia contava, meu tio velhinho contava, os vizinhos e amigos contavam. Tudo era narrado, tudo era motivo de prosa-poesia, afirmo sempre. Entretanto, ainda asseguro que o mundo da leitura, o da palavra escrita, também me foi apresentado no interior de minha família que, embora constituída por pessoas em sua maioria apenas semialfabetizadas, todas eram seduzidas pela leitura e pela escrita. Tínhamos sempre em casa livros velhos, revistas, jornais. Lembro-me de nossos serões de leitura. Minha mãe ou minha tia a folhear conosco o material impresso e a traduzir as mensagens. E eu, na medida em que crescia e ganhava a competência da leitura, invertia os papeis, passei a ler para todos. 

Ali pelos meus onze anos, ganhei uma biblioteca inteira, a pública, quando uma das minhas tias se tornou servente daquela casa-tesouro, na Praça da Liberdade. Fiz dali a minha morada, o lugar onde eu buscava respostas para tudo. Escrevíamos também, bilhetes, anotações familiares, orações... Na escola eu adorava redações do tipo: ”Onde passei as minhas férias”, ou ainda, “Um passeio à fazenda do meu tio”, como também, “A festa de meu aniversário”. A limitação do espaço físico e a pobreza econômica em que vivíamos eram resolvidas por meio de uma ficção inocente, único meio possível que me era apresentado para viver os meus sonhos. Se naquela época eu não tinha nenhuma possibilidade concreta de romper com o círculo de imposições que a vida nos oferecia, nada, porém freava os meus desejos. 

Eu menina, dona de uma tenaz esperança e de uma sabedoria precoce, reconhecia que a vida não poderia ser somente aquele pouco que nos era oferecido. Se muito de minha infância pobre, muito pobre, me doía, havia felicidades também incontáveis. As margaridas, as dálias e outras flores de nosso pequeno jardim. As frutas nos pés a matar a nossa fome. Os bolinhos de comida que mãe amassava com as mãos e enfiava em nossas bocas. As bonecas de capim ou bruxas de panos que nasciam com nome e história de suas mãos. O céu, as nuvens, as estrelas, sinais do infinito que minha e mãe e tia nos ensinaram a olhar e a sentir. E desse assuntar a vida, que foi ensinado por elas, ficou essa minha mania de buscar a alma, o íntimo das coisas. De recolher os restos, os pedaços, os vestígios, pois creio que a escrita, pelo menos para mim, é o pretensioso desejo de recuperar o vivido. A escrita pode eternizar o efêmero... Nesse sentido, o que a minha memória escreveu em mim e sobre mim, mesmo que toda a paisagem externa tenha sofrido uma profunda transformação, as lembranças, mesmo que esfiapadas, sobrevivem. 

E na tentativa de recompor esse tecido esgarçado ao longo do tempo, escrevo. Escrevo sabendo que estou perseguindo uma sombra, um vestígio talvez. E como a memória é também vítima do esquecimento, invento, invento. Inventei, confundi Ponciá Vicêncio nos becos de minha memória. E dos becos de minha memória imaginei, criei. Aproveitei a imagem de uma velha Rita que eu havia conhecido um dia. E ainda desses mesmos becos, posso ter tirado de lá Ana e Davenga. Quem sabe Davenga não era primo de Negro Alírio? E por falar em becos da memória, voltei hoje de manhã à Rua Albita. Outra. Dali só reconheci a terra. Sim a terra, o pó, o barranco sobre o qual está edificado o “Mercado Cruzeiro”, no final da rua. Observei que a edificação do prédio conservou na base, parte do barranco sem cimentá-lo. Pude contemplar o solo, base da base da construção. 

Em um ponto qualquer daquele espaço, literalmente está enterrado o meu umbigo. Sem que ninguém percebesse alisei o chão e catei alguns fragmentos. Tive um desejo louco de tocar as minhas mãos com a boca. Era ali que a minha mãe desenhava o sol para chamá-lo à terra, quando tempo estava encharcado de chuva e as nossas latas vazias de alimento. Mas abaixo está a escultura de dois homens. Eles estão com os braços abertos, meio suspensos, com os gestos largos, insinuando que estão a caminhar em frente. Pensei: se eles derem uns poucos passos chegarão à torneira pública, em que apanhávamos água e as lavadeiras, como minha mãe e tia, desenvolviam seus trabalhos. O pequeno monumento que foi erguido, não em memória aos antigos e primeiros da área, se chama “Otimismo”. 

Não sei por que pensei em nossos mortos, em todas as pessoas que viveram ali. E agradeci à vida o momento que estou vivendo agora. Impliquei com nome dado à escultura e fiquei curiosa. Qual seria o motivo daquela estátua? E porque o nome “Otimismo”? Outros nomes e sentidos me vieram à mente. Um deles insiste: resistência, resistência, resistência... Escrevo. Deponho. 

Um depoimento em que as imagens se confundem, um eu-agora a puxar um eu-menina pelas ruas de Belo Horizonte. E como a escrita e o viver se con(fundem), sigo eu nessa escrevivência a lembrar de algo que escrevi recentemente: “O olho do sol batia sobre as roupas estendidas no varal e mamãe sorria feliz. Gotículas de água aspergindo a minha vida-menina balançavam ao vento. Pequenas lágrimas dos lençóis. Pedrinhas azuis, pedaços de anil, fiapos de nuvens solitárias caídas do céu eram encontradas ao redor das bacias e tinas das lavagens de roupa. Tudo me causava uma comoção maior. A poesia me visitava e eu nem sabia...”

 Depoimento de Conceição Evaristo Belo Horizonte, Maio de 2009.
* Depoimento concedido durante o I Colóquio de Escritoras Mineiras, realizado em maio de 2009, na Faculdade de Letras da UFMG. Texto publicado no Portal Literafro da UFMG Texto publicado em Escritoras Mineiras – Poesia, ficção, memória. (org) Constância Lima Duarte, Belo Horizonte, FALE/UFMG, 2010.




Conheça a autora nos links:


http://nossaescrevivencia.blogspot.com.br/

http://oglobo.globo.com/cultura/livros/conceicao-evaristo-literatura-como-arte-da-escrevivencia-19682928 

http://www.elfikurten.com.br/2015/05/conceicao-evaristo.html


domingo, 18 de dezembro de 2016

Leandra no Festival Assim Vivemos - Filmes sobre Deficiência e Inclusão

Leandra Migotto Certeza lê crônica sobre sua cadeira de rodas no Evento ...

Jornalista analisa como pessoas com deficiências são retratados pela mídia

O Futuro que Queremos: trabalho decente e inclusão de pessoas com deficiência”


“O Futuro que Queremos: trabalho decente e inclusão de pessoas com deficiência” é uma série documental produzida pela OIT – Organização Internacional do Trabalho e pelo MPT – Ministério Público do Trabalho, com oito episódios que mostram boas práticas de inclusão de pessoas com diversas deficiências, nas cidades de São Paulo, Salvador, Itabuna e Coaraci (Bahia).

A série também comemora os 10 anos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU).

Por razões técnicas, a audiodescrição está em um arquivo e Libras e legendas em outro.
Episódios já disponíveis para baixar:

Episódio 1 – Educação: direito, inclusão e afeto
Escola pública inclusiva – Coaraci, Bahia

Episódio 2 - Tecnologia, Inclusão & Futuro
Faculdade de Tecnologia SENAI CIMATEC; Sistema FIEB – Salvador, Bahia

Episódio 3 Nada sobre nós, sem nós
Fábrica Trifil – Itabuna, Bahia
Libras e legenda
https://www.youtube.com/watch…
Audiodescrição
https://www.youtube.com/watch…

Episódio 4:

No 4º episódio da série “O Futuro que Queremos”, você irá conhecer melhor a rotina de Ione e José, que possuem deficiência visual e trabalham como auxiliares de produção na fábrica do Grupo Scalina (Trifil Scala), em Itabuna, Bahia, além de descobrir os benefícios para a empresa de contratar pessoas com deficiência.
Episódio 5

No 5º episódio da série “O Futuro que Queremos”, você irá conferir como a fábrica do Grupo Scalina (Trifil Scala), em Itabuna, na Bahia, se adaptou à Márcia, assistente administrativa que teve poliomielite aos dois meses de idade.
Episódio 6

No 6º episódio da série “O Futuro que Queremos”, conheça a história de Filipe, de 26 anos. Ele trabalha como gestor de produto no Carrefour, que tem um programa de inclusão para atrair pessoas com deficiência para trabalhar na empresa. “A deficiência só é limitante se o espaço em que a pessoa está é limitador”, afirma Karina Chaves, Gerente de Responsabilidade Social e Diversidade do Carrefour.
Episódio 7

Eliane teve pólio severa quando era criança e trabalha há 30 anos na IBM Brasil, hoje atuando como Líder de Diversidade e Inclusão na América Latina. Conheça sua história no 7º episódio da série “O Futuro que Queremos: trabalho decente e inclusão de pessoas com deficiência”.
Episódio 8

No 8º e último episódio da série “O Futuro que Queremos”, você poderá acompanhar um dia na rotina de Tarcísio, que é surdo e trabalha como especialista de sistema na IBM Brasil.