sexta-feira, 27 de março de 2015

Onde estou


Onde estou

Por Leandra Migotto Certeza

Olho no espelho e não me reconheço mais. Onde estou. Quem sou. Mudei. Morri. Começo a renascer. Dói. Não tenho mais aquela gana de viver. Vencer. Ser. Mostrar ao mundo e a mim mesma que eu conseguia habitar este corpo mesmo que desconfortável. Não sei, mas acho que tinha uma chama que brilhava. Um olhar cheio de vontade de sentir o sol na pele, ouvir o mar, cheirar as flores, comer chocolate, beber até o corpo amolecer. Ouvir música e dançar livre! Arrumar o corpo o mais próximo do que a alma transmitia. Andar com pernas curtas em meio aos olhares curiosos, jocosos, assustados, piedosos. Parecia que eu ia arrebentar de tanto desejo de vida. Tinha momentos até que esquecia do desconforto e me curtia. Foi bom. Vivi em uma montanha russa de sentimentos, mas não fiquei parada só me lamentando, mesmo que a dor permanecesse no seu lugar pulsando.

Hoje não tenho mais aquela ânsia de provar que conseguia alcançar bem mais longe do que o corpo permitia. Mergulhei bem fundo na dor do encontro com a frustração de não ser quem desejava ser. Despedacei. Acabei me perdendo e até ficando desorientada. Deprimi. Tive medo. Vontade de ir embora para sempre. Ser quem sou é pesado. Cansa. Enjoa. A sensação de prisão permanece, mesmo se libertando por meio da arte. Não sou obrigada a aceitar e me resignar. Mas nadar contra não vai levar a lugar nenhum a não ser à loucura e mais dor. Talvez, eu nunca aceite a casa que habito. E a ferida não cicatrize por completo. Talvez tenha que ser assim porque já estava escrito. A tragédia mora no mesmo lugar que a benção, e ser diferente da maioria pode ter um lado bom e até desafiador. Mas pesa sempre porque carrego nos ombros a missão de desbravar novas formas de pensar sobre o humano e a evolução espiritual.

Continuo vivendo até quando me libertar desse corpo diferente e sentir que sou tão leve quando a nuvem do céu. Tentar encontrar o equilíbrio para não sofrer tanto é um trabalho árduo e penoso, mas tem raros momentos recompensadores que me impulsionam a seguir em frente por ser covarde ou ter respeito por aquilo que não conheço ainda. É estranho, mas sinto que tem uma força que governa e me apóia em cada segundo limpando as feridas e me empurrando para novas marcas no corpo e na alma. A natureza é mais forte, e eu faço parte dela.