segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Viver é...

Lances do cotidiano de um poeta e escritor pelas ruas de São Paulo.

Por Leandra Migotto Certeza.

VIVER É.. é um flash na vida de Carlinhos - o compositor romântico. Lances do cotidiano de um poeta e escritor pelas ruas de São Paulo. Estar incluído é exercer sua cidadania com autonomia todos os dias, caleidoscopicamente como as músicas de Tom Zé, trilha do curta.

Criei, roterizei e fiz as principais imagens do filme para concorrer ao Festival Curtas Claro - http://www.clarocurtas.com.br/. Foi uma experiência muito intensa. Em uma semana captei as imagens - junto com meu noivo e cinegrafista amador, Marcos dos Santos - do meu amigo Carlinhos andando por aí.

Nadamos na piscina, adquirimos conhecimento na sala de leitura e fizemos cenas importantes na Internet Livre do SESC Pinheiros, em São Paulo. Foi muito divertido e estimulante. O tema era Diversidade e Inclusão. Por isso pensei em um curtíssimo documentário impactante e real (se é que essa definição existe). Quando começamos a filmar eu não tinha idéia de como iria costurar as imagens, já que decidi por não captar o som ambiente.
Sou formada em Produção Editorial, mas sempre atuei como jornalista. Fiz só três breves oficinas sobre roteiro e edição de vídeos para documentários, e para minha inocente surpresa, filmar não é nada fácil, ainda mais quando é preciso direcionar a câmera e conduzir uma cadeira de rodas ao mesmo tempo, com apenas duas mãos. Constatei que a prática é completamente diferente do que a teoria.

As primeiras imagens foram feitas com a câmera de um celular, mas como ficaram desfocadas não as utilizamos. Foi preciso refilmar todas as cenas com uma câmera simples de baixa resolução, mas desta vez, as imagens ficaram bem mais nítidas.

Nos encontramos dois dias no SESC Pinheiros, aproveitando os momentos que lá estamos, duas vezes por semana, para nadar. Eu fui levada por vans da Prefeitura de São Paulo pagas com os impostos dos contribuintes, pois andar de ônibus sozinha é impossível para mim, que tenho uma grave deficiência física (perda de cálcio nos ossos).

Os elevadores estão sempre quebrados, os cintos de segurança nunca prendem a cadeira de rodas no chão, e a grande maioria dos motoristas e cobradores nem sabem conduzir uma pessoa com deficiência, muito menos acomodá-la com total segurança dentro do ônibus.

Além disso, as calçadas são extremamente esburacadas; íngremes; cheias de lixos e obstáculos como: orelhões, barracas de vendedores ambulantes, entulhos de obras, postes, placas e; principalmente, devido a existência de carros estacionados bem em cima das raríssimas guias rebaixadas, posicionadas absurdamente, fora das faixas de pedestres.

Marcos acompanhou seu melhor amigo até o SESC, pelas ruas do Largo de Pinheiros, 'rodando' em sua cadeira de rodas de ré e a empurrando com os pés ao mesmo tempo, pois suas mãos são mais comprometidas fisicamente do que suas pernas.

Carlinhos sempre sobe ladeiras muito íngremes todos os dias para conseguir sair da instituição onde vive interno; entra nos ônibus carregado pelos passageiros (pois os elevadores também estão sempre quebrados); desvia de buracos e de todos os tipos de obstáculos; desce as raríssimas guias rebaixadas fora das faixas de pedestres; e atravessa avenidas e ruas movimentadas 'escalando' passarelas.

Tudo isso só é possível graças ao seu descomunal esforço físico e enorme disposição psicológica, junto com a grande solidariedade das pouquíssimas das pessoas que estão nas ruas e se dispõem a ajudá-lo quando preciso.
Carlinhos sabe das inúmeras dificuldades pelas quais a 99% das pessoas com deficiência sem condições financeiras passam todos os dias para viver nas cidades. Marcos também. Com a ajuda de um par de muletas canadenses, usa bem mais os braços para se locomover, pois suas pernas têm menos movimentos e força, devido à poliomielite que contraiu quando criança.
Carlinhos teve uma paralisia cerebral na hora do parto, o que comprometeu, principalmente, seus movimentos dos braços, mãos, pernas e a fala. Marcos não consegue andar sem o auxílio de muletas, mas entra em ônibus com mais facilidade do que seu amigo. Por isso, conseguiu captar imagens do seu amigo nas ruas com mais facilidade do que eu. Fez ótimas cenas rodando a câmera e apoiando o corpo em somente uma das muletas. Acompanhou Carlinhos dentro do ônibus, registrando momentos fundamentais do curta que seriam muito complicadas para eu filmar.

Os dois amigos são inseparáveis e sempre se aventuram pela cidade. São raras as vezes em que se desanimam e/ou desistem de ir a algum lugar devido as grandes dificuldades que irão encontrar.

Mas, obviamente, lutam para conscientizar todas as pessoas que viver em sociedade é respeitar as diferenças por meio da equiparação de oportunidades, como a construção de rampas, elevadores, guias rebaixadas em frente às faixas de pedestres, passarelas em nível médio, calçadas planas com pisos anti-derrapantes e sem obstáculos, ônibus completamente e corretamente acessíveis, funcionários qualificados e treinados para saber auxiliar as pessoas com mais dificuldade na hora de serem transportadas em ônibus, metros, trens, vans e táxi, semáfaros sonoros (para orientar pessoas surdas), pisos pódo-táteis (para orientar pessoas cegas), entre outros recursos que garantam total autonomia e independência a esses cidadãos que pagam seus impostos.
Editar o vídeo foi outro grande desafio. Eu e meu amado noivo aprendemos na raça, errando e acertando. Reeditamos todas as imagens mais de 6 vezes. Perdemos tudo umas 3 vezes, e finalmente conseguimos terminar a amadora edição em 9 dias, e enviamos o vídeo às 9hs do último dia do concurso. Uma locura que valeu muito a pena!!
Só consegui criar o roteiro ao ver as imagens várias vezes já semi-editadas. Pensei em contar a história do Carlinhos por meio de frazes poéticas. Não sei se consegui. Creio que não, pois depois de pronto o vídeo percebi como é complicado para o espectador prestar atenção às imagens e as palavras ao mesmo tempo. Acho que elas concorrem e causam um espécie de poluição visual.
O trabalho poderia ser bem mais elaborado, ter uma linguagem mais estruturada, e principalmente, estar tecnicamente bem melhor. Mas por ser nossa primeira experiência com a criação, produção e edição de vídeos, acreditamos que o resultado foi interessante. Resolvi participar do concurso na última hora, por isso tenho consciência dos grandes riscos que corro em não ser selecionada.
Não tínhamos recursos algum para nos deslocarmos para outros lugares, não dispúnhamos de equipamentos melhores, e encontramos várias dificuldades para transitar pelas ruas de São Paulo. Mas criarmos o vídeo com garra e corragem foi uma boa experiência pra todos. Só o pontapé para iniciarmos nossas carreiras no mundo das artes, seja criando, escrevendo, roteirizando, filmando, editando ou atuando. Espero que gostem!!!

O vídeo VIVER É ainda não pode ser divulgado porque está concorrendo, mas quem quiser conhecer um pouco mais sobre a vida do ator estreante, basta ler a entrevista que fiz com Carlinhos, em 2004, para o Site Sentidos: http://sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=6475&codtipo=1&subcat=54&canal=talento.

Torçam por nós e aguardem resultados e novidades sobre os finalistas do festival!