terça-feira, 6 de outubro de 2009

DJ que toca com os pés

O DJ que toca com os pés, conversa com o Skol Beats

Nascido sem braços, artista francês aprendeu a discotecar com os pés e se tornou personagem de documentário premiado.

Por Flavinha Campos

Vítima de má formação fetal causada pela substância talidomida, encontrada em certos medicamentos e tomada equivocadamente por sua mãe durante a gravidez, Pascal Kleiman é um exemplo de vida. Nascido sem braços em 1968 na França, ele aprendeu a fazer todos os tipos de coisas com os pés desde muito cedo. Seu avô foi quem o ensinou a escrever e mostrou ao jovem Pascal que ele poderia superar todas as dificuldades usando os pés.

Pascal vive na Espanha há 26 anos, e embarcou na onda do acid house já em 1989, quando ainda vivia na França. Foi quando trancou a faculdade de direito e se profissionalizou como DJ e produtor musical, fazendo parte do grupo de artistas que realizaram as primeiras raves francesas. Ganhou destaque na cena não só por tocar com os pés, mas pela capacidade de mixar diferentes estilos com um groove singular.

Seus sets aglutinam harmoniosamente diversos estilos, como ambient, dub, house, progressive, psychedelic e techno. Ao longo da carreira, colecionou residências em clubs como o Attica (Madrid, em 1992) e o NOD (Valência, 1993). Além de ter tocado ao lado de grandes nomes, como Laurent Garnier e Maurice Fulton, em grandes clubs e festivais, a exemplo do Sónar, Rex, Pacha e Space.

Nos últimos anos, Pascal vem se dedicando não só às apresentações como DJ, mas também a uma escola que abriu para DJs e VJs em Valência. Hoje, é casado e tem dois filhos que nasceram com braços, mas também estão aprendendo a usar os pés para discotecar.

Pascal Kleiman, em pessoa, é a prova de que é possível realizar sonhos, desde que se tenha força de vontade e dedicação, em primeiro lugar. Toda essa coragem e persistência rendeu o papel de protagonista do doucumentário Héroes, no hacen falta alas para volar ("Heróis, não é preciso asas para voar", em tradução livre), que faturou o prêmio Goya de melhor curta-metragem deste ano. O filme ganhou mais de 30 prêmios internacionais, aumentando ainda mais a popularidade do DJ, que se tornou a sensação do último verão europeu.

Conheça melhor este herói da música eletrônica em entrevista exclusiva ao Portal Skol Beats:
Como foi crescer com esta deficiência física? Conte mais sobre sua infância.
Eu nasci sem braços, então tive que aprender a usar os pés para fazer as coisas desde muito cedo. Houve momentos de dificuldades, claro, mas tive amigos e família que me ajudaram muito. Eu me considero muito sortudo por ter essas pessoas da família me dando força durante a infância.
Além de discotecar, que outras coisas você faz com os pés?
Faço tudo que posso! As mesmas coisas que as outras pessoas fazem com as mãos, eu faço com os pés. Gosto de cozinhar, e geralmente passo o tempo com os meus filhos jogando videogame. Adoro o Nintendo Wii. (risos)

Como e quando como você começou a discotecar com os pés? Conte mais sobre o início de carreira como DJ.
Comecei a tocar em 1989. Para mim, a maior dificuldade no início era mixar na batida e encontrar lugares para tocar. Por sorte, as pessoas a minha volta me ajudaram muito. Como na maioria das coisas, prática e paciência levam à perfeição. Para mim, agora tudo isso é muito mental, usar as mãos ou os pés dá na mesma. É tudo feito através da mente e dos ouvidos. Você só tem que tocar. No começo da minha carreira, recebi uma reação surpreendentemente positiva do público. Foi isso que me encorajou a continuar tocando. A energia da pista era incrível. Fiquei viciado na vibe!

Você gosta de tocar um pouco de tudo em seus sets, né? Atualmente, o que exatamente você anda tocando?
Ultimamente ando me amarrando no techno de Deroit, em faixas de produtores como Carl Craig. Mas ainda gosto de tocar minhas faixas de trance e house que mantêm as pessoas no groove na pista até altas horas.

Como são seus sets? Você faz algum pedido especial aos organizadores?
Quando toco, preciso sentar no mesmo nível do equipamento, mixer e pick-ups. Isso permite que eu consiga controlar mais facilmente o mixer, ajustando os efeitos, equalizador e as batidas, deixando tudo em sincronia. Também faço questão que o meu VJ, Kyle Lyons, viaje comigo. Acho que é muito importante a fusão de som e imagem para criar uma experiência mais completa que um set comum de DJ. Assim, faço com que meus sets sejam cheios de energia. Quero que as pessoas se levantem e dancem, aproveitem a música e vão para casa com uma sensação de terem se divertido muito.

E como são seus shows com Kyle Lyons, seu VJ?
Eu conheci Kyle em 1999 quando ele estava estudando em Valência. Ele foi à minha loja de discos comprar alguns vinís. Na época nós dois discotecávamos, mas, com o tempo, ele começou a se dedicar mais ao campo visual. Logo decidimos fazer uma apresentação audiovisual que proporcionou muito mais apresentações para nosso duo não só na região de Valência, mas em toda a Europa. Logo começamos a viajar para outros países como Israel e Rússia. Sempre mantemos nossos sets em sincronia, e planejamos as performances com antecedência, assim estamos sempre na mesma pegada nos shows. O Kyle também usa câmeras em suas apresentações visuais, desse jeito as pessoas podem me ver mixando ao vivo.

Conte mais sobre o documentário Héroes, no hacen falta alas para volar.
Esse documentário foi uma experiência muito pessoal para mim. Me enxergar sob a perspectiva de outra pessoa e falar de minha vida abertamente foi uma coisa nova. Fiquei muito surpreso ao receber o prêmio Goya por minha participação no documentário.

Você é considerado um herói para muitos, um exemplo de força e coragem.
Por favor, mande uma mensagem para o público brasileiro.Tudo é possível! Sigam seus sonhos e não desistam.