COVID-19
e as pessoas com
deficiência psicossocial
·
Rede Pan-Africana de Pessoas com Deficiência.
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Redesfera Latino-Americana da Diversidade Psicossocial.
·
Transformando Comunidades para a Inclusão de Pessoas com Deficiência Psicossocial (TCI
Ásia-Pacífico).
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Rede Europeia de Ex-Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria (Enusp).
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Centro dos Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria (Chrusp).
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Rede Mundial de Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria (WNUSP).
26 de março de 2020
Tradução: Romeu Kazumi Sassaki
A sigla em inglês COVID-19 foi adotada pela
Organização Mundial da Saúde, significando:
CO=corona, VI= virus, D=disease (doença), 19= 2019.
Pelas normas de grafia de siglas
da língua portuguesa no Brasil,
grafa-se Covid-19 [N.T.].
Nós, pessoas com deficiência psicossocial das organizações regionais e
internacionais ao redor do mundo, estamos preocupados com a vulnerabilidade das
pessoas com deficiência psicossocial à infecção e à morte causadas pela
Covid-19.
O termo ‘pessoas com deficiência psicossocial’ se refere
aos grupos historicamente discriminados e marginalizados, entre eles os
usuários e ex-usuários da psiquiatria, os sobreviventes da violência
psiquiátrica, as pessoas tresloucadas e as pessoas com diversidade
psicossocial.
As pessoas com
deficiência psicossocial podem estar em crescente risco de contraírem
coronavírus em consequência de:
·
Estarem
internadas e/ou desprovidas de liberdade em unidades e instituições
psiquiátricas, instituições de assistência social, albergues para pessoas sem
teto, ‘abrigos’ irregulares e informais, cadeias, prisões e centros
correcionais, locais onde elas estão impedidas de beneficiar-se do
distanciamento social de sua escolha e preferência;
·
Inerente
risco de infecção nestes ambientes, agravados por serem aglomerados e insalubres,
e lugares onde tratamentos cruéis tendem a ocorrer;
·
Barreiras
ao acessar informações de saúde, falta de informações em linguagem simples e de
apoio comunicacional;
·
Barreiras
na implementação de medidas de higiene preventiva devido à pobreza, acesso
desigual aos recursos dentro de casa e em situação de rua;
·
Ausência de
redes de apoio social e comunidades inclusivas; e
·
Discriminação
sistemática contra pessoas com deficiência psicossocial, especialmente entre
mulheres, crianças, idosos, pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas, pessoas
discriminadas por raça, cor, descendência, casta e origem nacional ou étnica,
pessoas que professam certas religiões, pessoas com outros tipos de deficiência
e todos os que enfrentam discriminação múltipla e intersetorial.
As pessoas com
deficiência psicossocial podem também estar em crescente risco de
desenvolver sintomas mais severos e morte devido a:
·
Má
nutrição, maus cuidados de saúde e más condições sanitárias em unidades e
instituições psiquiátricas, instituições de assistência social, lares grupais e
prisões;
·
Sistemas
ineficazes de imunização devido à má nutrição, negligência, institucionalização
e situação de moradia na rua, atingindo crianças e idosos com deficiência
psicossocial;
·
Consequências
de longo prazo de natureza física, psicológica e de violência sexual e abuso,
particularmente entre mulheres com deficiência psicossocial;
·
Relutância
para acessar o sistema de saúde devido a experiências de discriminação, desdém,
negligência, violência e traumatização naquele sistema;
·
Condições
de saúde subjacentes, tais como diabetes e hipertensão causadas ou exacerbadas
por drogas psiquiátricas, com frequência administradas contra a vontade das
pessoas ou sob consentimento forçado; e
·
Barreiras
no acesso aos cuidados de saúde e ausência de cobertura de seguro de saúde.
Sob
a legislação internacional, os Estados Partes têm a responsabilidade de
respeitar e garantir os direitos humanos das pessoas com deficiência
psicossocial em bases iguais às de outras pessoas. Esta responsabilidade é
destacada durante uma emergência nacional e mundial, tais como a pandemia da
Covid-19. As vulnerabilidades — destacadas durante a
pandemia como resultado da discriminação estrutural, legislação discriminatória
e práticas de exclusão e violência, tanto em comunidades como em instalações de
cuidados médicos e sociais — precisam ser tomadas
em consideração e solucionadas durante e após a emergência.
Nós
lembramos aos Estados Membros que a Convenção sobre os direitos das Pessoas
com Deficiência requer dos membros a extinção da admissão e do tratamento
involuntários em instituições de saúde mental e a libertação das pessoas
detidas e tratadas contra a vontade delas sob tais regimes. Esta obrigação não
é suspensa durante a pandemia da Covid-19, pois a detenção discriminatória
nunca é justificada, assim como a administração de tratamentos de lavagem
cerebral contra a vontade da pessoa.
Nós
apelamos aos governos nacionais e locais para que implementem as seguintes
medidas:
Instalações
institucionais
·
Reduzir
drasticamente o número de pessoas em unidades e instituições psiquiátricas e
instituir uma moratória sobre admissões involuntárias. Assegurar que ninguém
seja compelido a permanecer em tais instalações contra a vontade delas, onde
elas estão em grande risco de infecção, doenças mais severas e morte.
·
Implementar
urgentemente medidas sanitárias e preventivas para evitar infecções em unidades
e instituições psiquiátricas, instituições de cuidados sociais e lares grupais,
inclusive limpeza e desinfecção ambientais,
circulação de ar, higienização habitual das mãos e livre acesso a
suprimentos sanitários, tais como sabão, desinfetante para mãos, papel
higiênico e toalhas de papel. As pessoas não terão de ir a um local
centralizado para obter suprimentos sanitários. Equipes devem agir em
conformidade com todas as medidas sanitárias e preventivas.
·
Parar de praticar
exclusão, restrições, medicação não consentida e qualquer restrição ao uso de
sanitários em unidades e instituições psiquiátricas. Além de serem contrárias à
dignidade e à integridade, estas práticas inevitavelmente geram condições
insalúbres e causam severo estresse e deteriorização física, resultando em
imunidade fragilizada.
·
Prover — às pessoas em unidades e instituições
psiquiátricas e lares grupais — o acesso
às mais recentes informações sobre a Covid-19 e capacitar as pessoas a manterem
contato com seus familiares e amigos. As pessoas não devem ser proibidas de
deixar seus quartos ou ter contato com o mundo externo como um meio de prevenir
infecções. Conquanto sejam necessárias as medidas preventivas para evitar
infecções resultantes de visitas, as barreiras contra visitas são
desproporcionais e podem expor as pessoas a abusos e negligências adicionais.
Meios alternativos de manter-se em contato, tais como telefone e internet,
devem ser permitidos sem restrição.
·
Reduzir
drasticamente a população em cadeias, prisões e centros correcionais, por
exemplo soltando pessoas que estejam na fase de prisão preventiva, presos por
transgressão não violenta ou próximos à soltura, inclusive pessoas com
deficiência psicossocial em bases iguais às de outras pessoas.
·
Garantir
que, em cada caso e em todos os casos, as pessoas desprovidas de sua liberdade
e aquelas em instalações
congregadas sejam avaliadas em tempo adequado, considerando sua
vulnerabilidade diferencial, e que todas estas instalações implementem
adequadas medidas sanitárias e preventivas. Quando uma inssurreição ocorrer em
uma instalação institucional, as pessoas atingidas devem ser transferidas
para competentes instalações de cuidados
de saúde e que o restante seja retirado do ambiente infeccionado. Quaisquer
esforços de quarentena não devem resultar em pessoas sendo colocadas em
ambientes ainda mais restritivos, tais como o confinamento em solitárias.
Não
discriminação
·
Assegurar
que as pessoas com deficiência psicossocial tenham igual acesso à avaliação,
aos cuidados de saúde e às informações públicas relativas à Covid-19. Às
pessoas infectadas deve ser provido um cuidado de saúde de qualidade sem
discriminação de qualquer tipo e independentemente de cobertura de seguro de
saúde. As pessoas com deficiência psicossocial
não devem ser afastadas de hospitais gerais para irem a unidades e
instituições psiquiátricas, onde é de baixa qualidade o cuidado de saúde para
tratamento da Covid-19.
·
As
restrições públicas baseadas em saúde pública e as ações de execução da lei e o
pessoal de segurança, não devem discriminar de nenhuma forma contra pessoas com
deficiência. As medidas psiquiátricas coercitivas não devem usadas como
qualquer parte da resposta à Covid-19. Os padrões e mecanismos de direitos humanos
que oferecem proteção às pessoas desprovidas de sua liberdade e aquelas em instalações congregadas,
inclusive aquelas em unidades e instituições psiquiátricas, devem permanecer em
vigor e não devem ser reduzidos como parte das medidas emergenciais.
·
Ninguém
deve ser compelido a ingerir drogas psiquiátricas ou outros tratamentos que
impõem sofrimento e que comprometem seus sistemas de saúde ou proteção. Ordens
de tratamento compulsório devem ser suspensas e nenhuma nova introduzida, como
requer a legislação internacional.
·
Assegurar
que as pessoas com deficiência psicossocial não sejam discriminadas ao
acessarem as medidas temporárias implementadas pelos governos para garantir a
continuidade dos serviços durante a crise da Covid-19, inclusive educação e
programas de proteção social.
Apoio comunitário
·
Assegurar o
acesso contínuo ao apoio para pessoas em perigo ou em estados de consciência
incomuns durante a crise da Covid-19, inclusive através de apoio psicológico
telefônico ou online e apoio de pares, baseados no respeito pela vontade
e preferência individuais.
·
Aumentar os
esforços para desenvolver uma ampla gama de serviços-baseados-na-comunidade que
respondam às necessidades das pessoas com deficiência psicossocial e respeitem
a autonomia, as escolhas, a dignidade e a privacidade das pessoas, inclusive
apoio de pares e alternativas aos serviços convencionais de saúde mental.
·
Garantir o
acesso voluntário às drogas psiquiátricas durante a crise da Covid-19 para
aqueles sair da sua medicação ou experimentar abstinência em casa.
·
Preparar e
encorajar comunidades para serem apoiadoras umas às outras de um modo
inclusivo, em relação a pessoas com deficiência psicossocial durante a crise da
Covid-19. Isso é especialmente importante porque a quarentena obrigatória, o
confinamento em casa e a sobrecarga de informações podem resultar em estados
elevados de angústia.
·
Oferecer
apoio prático, tais como apoio para obter comida e suprimentos, para pessoas
com deficiência psicossocial que podem não estar preparadas para deixar sua
casa devido à quarentena ou tenham dificuldade para deixar sua casa durante
este período de altas preocupações sobre a contaminação.
·
Considerar
mecanismos flexíveis para autorizar pessoas com deficiência psicossocial a se
prepararem para deixar sua casa durante quarentena obrigatória, por um curto
período e de um modo seguro, quando elas
vivenciam particular dificuldade com o confinamento em casa.
·
Adotar
medidas financeiras adicionais para apoiar pessoas com deficiência psicossocial
que podem precisar autoisolar-se durante a crise da Covid-19, particularmente
aquelas que vivem na pobreza ou estão desempregadas ou são autoempregadas.
·
Estimular a
mídia para relatar responsavelmente e acuradamente sobre a crise da Covid-19 e
a população geral para exercitarem pensamentos e ações nas plataformas de redes
sociais.
Grupos vulneráveis
·
Prover
acesso aos serviços e informações sobre a violência doméstica a fim de apoiar
pessoas, inclusive crianças vítimas de abuso e violência em casa. As pessoas
com deficiência psicossocial, de qualquer idade, podem estar em crescente risco
de abuso e violência durante quarentena em casa ou isolamento em casa.
·
Conduzir
atividades de extensão comunitária para identificar e resgatar pessoas com
deficiência psicossocial despojadas de sua liberdade ou maltratadas em casa ou
na comunidade, amarradas e algemadas, e prover apoio adequado a elas de um modo
que respeite os seus direitos humanos.
·
Garantir
acessos por parte das pessoas sem teto, inclusive aquelas com deficiência
psicossocial, às medidas preventivas contra a infecção da Covid-19, tais como o
acesso às instalações sanitárias bem equipadas e limpas, bem como avaliação e tratamento, sem
discriminação, e de um modo que respeite seus direitos humanos. Durante o
período de distanciamento social, os governos devem assegurar que as pessoas
com deficiência psicossocial sem teto não sejam maltratadas pelas autoridades,
e que lhes sejam oferecidos, água, comida e abrigo em bases iguais às de outras
pessoas.
·
Garantir a
provisão contínua de serviços de redução de danos, tais como programas de
agulhas e seringas e terapia de substituição do ópio, para prevenir a
disseminação da Covid-19 entre os usuários de drogas.
Participação
·
Consultar e
envolver ativamente pessoas com deficiência psicossocial e suas organizações
representativas na resposta do país à crise da Covid-19.
·
Envolver pessoas com deficiência e suas organizações representativas no
monitoramento independente das instalações institucionais.
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NOTA PÚBLICA ÀS AUTORIDADES PARA ATENÇÃO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Conade, conforme dispõe o Decreto 10.177 de 16 de dezembro de 2019, é um órgão superior de deliberação colegiada, composto paritariamente por representantes do Governo Federal e da Sociedade Civil, instituído no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, cujas competências dentre outras são acompanhar, propor, formular e avaliar políticas públicas, bem como defender em âmbito nacional, os direitos à promoção e inclusão social da pessoa com deficiência.
Assim sendo, considerando a pandemia provocada pelo COVID-19, o que obriga os órgãos públicos, particularmente o governo federal, mas também aos demais entes federados a adotarem medidas emergenciais de proteção à população brasileira, especialmente aos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade ou desvantagem, a exemplo do segmento de pessoas com deficiência, principalmente àquelas com complicações psicomotoras, bem como as que possuem restrições respiratórias pré-existentes, dentre outras.
Considerando a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, bem como a Lei Brasileira de Inclusão, 13.146/2015, especialmente o art.9° onde dispõe que " A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:
I proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
II atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público;
Este Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, vem a todos os órgãos públicos federais, estaduais, distrital e municipais, em cumprimento ao que estabelece as legislações acima descritas, recomendar:
a) Incluir as pessoas com deficiência nos segmentos de atendimentos prioritários, especialmente nas Unidades de Atendimento em Saúde, utilizando todos os recursos e alternativas possíveis;
b) Atenção especial aos municípios de pequeno porte, sobretudo naqueles sem infraestrutura adequada, criando no entorno geográfico, se possível, Centros Emergenciais de Atendimentos Regionais;
c) Promover o afastamento imediato de pessoas com deficiência do seu ambiente de trabalho, em todas as esferas públicas e demais instituições/empresas que às possuam em seu quadro de colaboradores, sem prejuízos em suas remunerações e demais benefícios;
d) Assegurar a manutenção de parcerias entre órgãos públicos e organizações da sociedade civil, especialmente àquelas de longa permanência, nas três esferas de governo, visando a continuidade dos atendimentos nas formas e condições possíveis enquanto perdurar as ações de emergência em razão da pandemia;
e) Assegurar a acessibilidade comunicacional em todos os meios e mídias, inclusive aquelas de transmissão online por Internet/TV, a fim de atender plenamente pessoas com deficiência auditiva e deficiência visual em todos anúncios, orientações e propaganda sobre o COVID-19;
f) Incluir pessoas com deficiência e seus familiares em todos os programas assistenciais e emergenciais implantados pelas três esferas de governo;
g) Apoiar ações sociais desenvolvidas por organizações da sociedade civil que visem apoio e atendimentos às pessoas com deficiência;
h) Envolver os Conselhos de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência em todas as ações a serem implementadas nas três esferas de governo.
Brasília, 27 de março de 2020.
Marco Castilho
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