Hoje eu não morri
Por Leandra Migotto Certeza*
Hoje eu não morri… Pode ser amanhã ou
daqui a cinco minutos. De doença, violência ou por liberdade de escolher não
viver.
Não sei se quis nascer, ainda mais
assim, como eu sou.
Tem uns que dizem que sim.
E justamente por isso, tenho que
aceitar o destino e seguir o caminho traçado por algo invisível, mas que existe
(?).
Pensar que o nada é maior do que a
minha mente; assusta de forma avassaladora…
E por isso, fecho os olhos e começo a
cantar uma música bem calma para que o medo se afaste.
Mas ele volta toda noite e de dia
também.
Ele sempre volta...
Medo de morrer e não saber o que vem
depois… Se é que tem um depois…
Tem gente que enche a minha cabeça de
imagens, sons, cores, formas e significados para o sentido do depois.
E eu prefiro acreditar desacreditando
para não enlouquecer.
Viver fora da realidade que eu mesma
criei pode ser suicida.
E mesmo em tempos de pandemia -
quando a vontade de deixar essa vida aumenta - tenho receio de sofrer antes de
partir.
A única coisa que tenho certeza é não
querer sofrer!
Mas loucamente, sei que já sofro
porque não tenho controle nenhum sobre a morte.
A morte que o vírus pode trazer ao me
esquecer de limpar as mãos com álcool gel logo depois de tocar em um
corrimão...
Assim como a morte do meu coração que
pode parar a qualquer milésimo de segundo, totalmente sem explicação.
E mesmo que tenha um motivo, depois
que fizerem a autópsia, eu nunca saberei…
Ou será que sim… Não sei…
Pois tudo o que consigo acreditar é
somente no agora!
Estranho… porque sei que o agora só
existe no meio de um antes e de um depois.
Tenho uma história - que como
escritora - vim ao mundo para contar.
E ela pode acabar na hora exata em
que eu fechar os olhos e deixar metade do meu livro escrito e a outra parte em
branco.
Então, porque eu insisto em acordar
todas as manhãs? (claro se eu ainda estiver viva).
Acredito que seja EXATAMENTE PORQUE
EU NÃO SEI O MOTIVO de me despertar; me alimentar; colocar uma roupa; escovar
os dentes e fazer xixi e coco; caminhar (dentro do apartamento em tempos de
pandemia); ouvir o noticiário na TV; tomar os medicamentos para continuar viva
(sem saber se eles farão efeito, ou se morrerei de outra doença); beijar e
abraçar meu marido (pensando que aquele momento de amor pode ser o último);
cozinhar; me alimentar novamente; ler; escrever; trabalhar (dentro de casa me
sentindo uma ratinha de laboratório); conversar com os amigos e a família;
chorar com medo da morte (que agora está mais presente a cada minuto no mundo
em que um vírus virou ‘Deus’); tomar banho; ver mais TV; adormecer nos braços
da minha paixão; acordar no meio da noite pensando que no outro dia farei tudo
igual (mesmo com algumas variações, como: ouvir música, assistir um filme,
arrumar o armário - em casa, claro!) e ter vontade de deixar o barco da vida,
sem ter coragem para acabar com ela…
Antes da pandemia eu já pensava no
sentido e no sem sentido que a vida tem?
CLARO que sim!
A diferença era que a MORTE não ficava
batendo na porta da minha cabeça 24hs por dia…
E esquecê-la, me fazia VIVER!
Sei que também era viver sabendo que
um dia iria morrer…
Mas fingir que eu podia ser ‘Deus’,
permitia manter o ‘controle’ sobre a minha vida…
Ou será que só me enganava mais?
Ainda não sei…
Tudo o que sei é que HOJE eu não
morri...
*Leandra Migotto Certeza gosta de flores perfumadas, cheiro de terra
molhada, abraço de cachorro, pôr de sol, mar, fogo, chocolate, vestido
colorido, livros, beijos na boca, amigos, poemas, música, teatro, palavras,
cinema, cachoeira, borboleta, beija-flor, aroma de cozinha em ação, sexo,
tesão, canção, choro contido, dor, paixão… É Bacharel em Comunicação Social e
estuda Jornalismo Literário e Escrita Criativa. Lançará sua autobiografia: “Cadê
a jornalista?”, a primeira obra da Coleção Janelas do Selo Caleidoscópio, que
publicará biografias e autobiografias de mulheres com deficiência desconhecidas
da grande mídia. Enquanto não morre escreve uma Coluna no site AZMina - https://azmina.com.br/.
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