quinta-feira, 2 de abril de 2020

ALERTA MUNDIAL - PESSOAS COM DEFICIÊNCIA SÃO MAIS VULNERÁVEIS AO CORONAVÍRUS!


COVID-19
e as pessoas com
deficiência psicossocial

·         Rede Pan-Africana de Pessoas com Deficiência.
·         Redesfera Latino-Americana da Diversidade Psicossocial.
·         Transformando Comunidades para a Inclusão de Pessoas com     Deficiência Psicossocial (TCI Ásia-Pacífico).
·         Rede Europeia de Ex-Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria (Enusp).
·         Centro dos Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria (Chrusp).
·         Rede Mundial de Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria (WNUSP).
                                                                                                                                    26 de março de 2020
Tradução: Romeu Kazumi Sassaki

A sigla em inglês COVID-19 foi adotada pela
Organização Mundial da Saúde, significando:
CO=corona, VI= virus, D=disease (doença), 19= 2019.
Pelas normas de grafia de siglas
da língua portuguesa no Brasil,
grafa-se Covid-19 [N.T.].
                                                              
            Nós, pessoas com deficiência psicossocial das organizações regionais e internacionais ao redor do mundo, estamos preocupados com a vulnerabilidade das pessoas com deficiência psicossocial à infecção e à morte causadas pela Covid-19.
         O termo ‘pessoas com deficiência psicossocial’ se refere aos grupos historicamente discriminados e marginalizados, entre eles os usuários e ex-usuários da psiquiatria, os sobreviventes da violência psiquiátrica, as pessoas tresloucadas e as pessoas com diversidade psicossocial.
         As pessoas com deficiência psicossocial podem estar em crescente risco de contraírem coronavírus em consequência de:

·         Estarem internadas e/ou desprovidas de liberdade em unidades e instituições psiquiátricas, instituições de assistência social, albergues para pessoas sem teto, ‘abrigos’ irregulares e informais, cadeias, prisões e centros correcionais, locais onde elas estão impedidas de beneficiar-se do distanciamento social de sua escolha e preferência;
·         Inerente risco de infecção nestes ambientes, agravados por serem aglomerados e insalubres, e lugares onde tratamentos cruéis tendem a ocorrer;
·         Barreiras ao acessar informações de saúde, falta de informações em linguagem simples e de apoio comunicacional;
·         Barreiras na implementação de medidas de higiene preventiva devido à pobreza, acesso desigual aos recursos dentro de casa e em situação de rua;
·         Ausência de redes de apoio social e comunidades inclusivas; e
·         Discriminação sistemática contra pessoas com deficiência psicossocial, especialmente entre mulheres, crianças, idosos, pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas, pessoas discriminadas por raça, cor, descendência, casta e origem nacional ou étnica, pessoas que professam certas religiões, pessoas com outros tipos de deficiência e todos os que enfrentam discriminação múltipla e intersetorial.

         As pessoas com deficiência psicossocial podem também estar em crescente risco de desenvolver sintomas mais severos e morte devido a:

·         Má nutrição, maus cuidados de saúde e más condições sanitárias em unidades e instituições psiquiátricas, instituições de assistência social, lares grupais e prisões;
·         Sistemas ineficazes de imunização devido à má nutrição, negligência, institucionalização e situação de moradia na rua, atingindo crianças e idosos com deficiência psicossocial;
·         Consequências de longo prazo de natureza física, psicológica e de violência sexual e abuso, particularmente entre mulheres com deficiência psicossocial;
·         Relutância para acessar o sistema de saúde devido a experiências de discriminação, desdém, negligência, violência e traumatização naquele sistema;
·         Condições de saúde subjacentes, tais como diabetes e hipertensão causadas ou exacerbadas por drogas psiquiátricas, com frequência administradas contra a vontade das pessoas ou sob consentimento forçado; e
·         Barreiras no acesso aos cuidados de saúde e ausência de cobertura de seguro de saúde.

         Sob a legislação internacional, os Estados Partes têm a responsabilidade de respeitar e garantir os direitos humanos das pessoas com deficiência psicossocial em bases iguais às de outras pessoas. Esta responsabilidade é destacada durante uma emergência nacional e mundial, tais como a pandemia da Covid-19. As   vulnerabilidades destacadas durante a pandemia como resultado da discriminação estrutural, legislação discriminatória e práticas de exclusão e violência, tanto em comunidades como em instalações de cuidados médicos e sociais precisam ser tomadas em consideração e solucionadas durante e após a emergência. 
         Nós lembramos aos Estados Membros que a Convenção sobre os direitos das Pessoas com Deficiência requer dos membros a extinção da admissão e do tratamento involuntários em instituições de saúde mental e a libertação das pessoas detidas e tratadas contra a vontade delas sob tais regimes. Esta obrigação não é suspensa durante a pandemia da Covid-19, pois a detenção discriminatória nunca é justificada, assim como a administração de tratamentos de lavagem cerebral contra a vontade da pessoa.  

         Nós apelamos aos governos nacionais e locais para que implementem as seguintes medidas:

Instalações institucionais
                                                                                                      
·         Reduzir drasticamente o número de pessoas em unidades e instituições psiquiátricas e instituir uma moratória sobre admissões involuntárias. Assegurar que ninguém seja compelido a permanecer em tais instalações contra a vontade delas, onde elas estão em grande risco de infecção, doenças mais severas e morte.
           
·         Implementar urgentemente medidas sanitárias e preventivas para evitar infecções em unidades e instituições psiquiátricas, instituições de cuidados sociais e lares grupais, inclusive limpeza e desinfecção ambientais,  circulação de ar, higienização habitual das mãos e livre acesso a suprimentos sanitários, tais como sabão, desinfetante para mãos, papel higiênico e toalhas de papel. As pessoas não terão de ir a um local centralizado para obter suprimentos sanitários. Equipes devem agir em conformidade com todas as medidas sanitárias e preventivas.

·         Parar de praticar exclusão, restrições, medicação não consentida e qualquer restrição ao uso de sanitários em unidades e instituições psiquiátricas. Além de serem contrárias à dignidade e à integridade, estas práticas inevitavelmente geram condições insalúbres e causam severo estresse e deteriorização física, resultando em imunidade fragilizada.

·         Prover às pessoas em unidades e instituições psiquiátricas e lares grupais o acesso às mais recentes informações sobre a Covid-19 e capacitar as pessoas a manterem contato com seus familiares e amigos. As pessoas não devem ser proibidas de deixar seus quartos ou ter contato com o mundo externo como um meio de prevenir infecções. Conquanto sejam necessárias as medidas preventivas para evitar infecções resultantes de visitas, as barreiras contra visitas são desproporcionais e podem expor as pessoas a abusos e negligências adicionais. Meios alternativos de manter-se em contato, tais como telefone e internet, devem ser permitidos sem restrição.

·         Reduzir drasticamente a população em cadeias, prisões e centros correcionais, por exemplo soltando pessoas que estejam na fase de prisão preventiva, presos por transgressão não violenta ou próximos à soltura, inclusive pessoas com deficiência psicossocial em bases iguais às de outras pessoas. 

·         Garantir que, em cada caso e em todos os casos, as pessoas desprovidas de sua liberdade e aquelas em instalações congregadas sejam avaliadas em tempo adequado, considerando sua vulnerabilidade diferencial, e que todas estas instalações implementem adequadas medidas sanitárias e preventivas. Quando uma inssurreição ocorrer em uma instalação institucional, as pessoas atingidas devem ser transferidas para  competentes instalações de cuidados de saúde e que o restante seja retirado do ambiente infeccionado. Quaisquer esforços de quarentena não devem resultar em pessoas sendo colocadas em ambientes ainda mais restritivos, tais como o confinamento em solitárias.

Não discriminação

·         Assegurar que as pessoas com deficiência psicossocial tenham igual acesso à avaliação, aos cuidados de saúde e às informações públicas relativas à Covid-19. Às pessoas infectadas deve ser provido um cuidado de saúde de qualidade sem discriminação de qualquer tipo e independentemente de cobertura de seguro de saúde. As pessoas com deficiência psicossocial  não devem ser afastadas de hospitais gerais para irem a unidades e instituições psiquiátricas, onde é de baixa qualidade o cuidado de saúde para tratamento da Covid-19.

·         As restrições públicas baseadas em saúde pública e as ações de execução da lei e o pessoal de segurança, não devem discriminar de nenhuma forma contra pessoas com deficiência. As medidas psiquiátricas coercitivas não devem usadas como qualquer parte da resposta à Covid-19. Os padrões e mecanismos de direitos humanos que oferecem proteção às pessoas desprovidas de sua liberdade e aquelas em instalações congregadas, inclusive aquelas em unidades e instituições psiquiátricas, devem permanecer em vigor e não devem ser reduzidos como parte das medidas emergenciais.

·         Ninguém deve ser compelido a ingerir drogas psiquiátricas ou outros tratamentos que impõem sofrimento e que comprometem seus sistemas de saúde ou proteção. Ordens de tratamento compulsório devem ser suspensas e nenhuma nova introduzida, como requer a legislação internacional.  

·         Assegurar que as pessoas com deficiência psicossocial não sejam discriminadas ao acessarem as medidas temporárias implementadas pelos governos para garantir a continuidade dos serviços durante a crise da Covid-19, inclusive educação e programas de proteção social.                                            


Apoio comunitário

·         Assegurar o acesso contínuo ao apoio para pessoas em perigo ou em estados de consciência incomuns durante a crise da Covid-19, inclusive através de apoio psicológico telefônico ou online e apoio de pares, baseados no respeito pela vontade e preferência individuais.

·         Aumentar os esforços para desenvolver uma ampla gama de serviços-baseados-na-comunidade que respondam às necessidades das pessoas com deficiência psicossocial e respeitem a autonomia, as escolhas, a dignidade e a privacidade das pessoas, inclusive apoio de pares e alternativas aos serviços convencionais de saúde mental.

·         Garantir o acesso voluntário às drogas psiquiátricas durante a crise da Covid-19 para aqueles sair da sua medicação ou experimentar abstinência em casa. 

·         Preparar e encorajar comunidades para serem apoiadoras umas às outras de um modo inclusivo, em relação a pessoas com deficiência psicossocial durante a crise da Covid-19. Isso é especialmente importante porque a quarentena obrigatória, o confinamento em casa e a sobrecarga de informações podem resultar em estados elevados de angústia.

·         Oferecer apoio prático, tais como apoio para obter comida e suprimentos, para pessoas com deficiência psicossocial que podem não estar preparadas para deixar sua casa devido à quarentena ou tenham dificuldade para deixar sua casa durante este período de altas preocupações sobre a contaminação.

·         Considerar mecanismos flexíveis para autorizar pessoas com deficiência psicossocial a se prepararem para deixar sua casa durante quarentena obrigatória, por um curto período e de um modo seguro, quando elas  vivenciam particular dificuldade com o confinamento em casa.

·         Adotar medidas financeiras adicionais para apoiar pessoas com deficiência psicossocial que podem precisar autoisolar-se durante a crise da Covid-19, particularmente aquelas que vivem na pobreza ou estão desempregadas ou são autoempregadas.

·         Estimular a mídia para relatar responsavelmente e acuradamente sobre a crise da Covid-19 e a população geral para exercitarem pensamentos e ações nas plataformas de redes sociais.

Grupos vulneráveis

·         Prover acesso aos serviços e informações sobre a violência doméstica a fim de apoiar pessoas, inclusive crianças vítimas de abuso e violência em casa. As pessoas com deficiência psicossocial, de qualquer idade, podem estar em crescente risco de abuso e violência durante quarentena em casa ou isolamento em casa.

·         Conduzir atividades de extensão comunitária para identificar e resgatar pessoas com deficiência psicossocial despojadas de sua liberdade ou maltratadas em casa ou na comunidade, amarradas e algemadas, e prover apoio adequado a elas de um modo que respeite os seus direitos humanos.

·         Garantir acessos por parte das pessoas sem teto, inclusive aquelas com deficiência psicossocial, às medidas preventivas contra a infecção da Covid-19, tais como o acesso às instalações sanitárias bem equipadas e limpas, bem como avaliação e tratamento, sem discriminação, e de um modo que respeite seus direitos humanos. Durante o período de distanciamento social, os governos devem assegurar que as pessoas com deficiência psicossocial sem teto não sejam maltratadas pelas autoridades, e que lhes sejam oferecidos, água, comida e abrigo em bases iguais às de outras pessoas.

·         Garantir a provisão contínua de serviços de redução de danos, tais como programas de agulhas e seringas e terapia de substituição do ópio, para prevenir a disseminação da Covid-19 entre os usuários de drogas. 

Participação

·         Consultar e envolver ativamente pessoas com deficiência psicossocial e suas organizações representativas na resposta do país à crise da Covid-19.

·         Envolver pessoas com deficiência e suas organizações representativas no monitoramento independente das instalações institucionais.
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NOTA PÚBLICA ÀS AUTORIDADES PARA ATENÇÃO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Conade, conforme dispõe o Decreto 10.177 de 16 de dezembro de 2019, é um órgão superior de deliberação colegiada, composto paritariamente por representantes do Governo Federal e da Sociedade Civil, instituído no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, cujas competências dentre outras são acompanhar, propor, formular e avaliar políticas públicas, bem como defender em âmbito nacional, os direitos à promoção e inclusão social da pessoa com deficiência.

Assim sendo, considerando a pandemia provocada pelo COVID-19, o que obriga os órgãos públicos, particularmente o governo federal, mas também aos demais entes federados a adotarem medidas emergenciais de proteção à população brasileira, especialmente aos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade ou desvantagem, a exemplo do segmento de pessoas com deficiência, principalmente àquelas com complicações psicomotoras, bem como as que possuem restrições respiratórias pré-existentes, dentre outras.

Considerando a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, bem como a Lei Brasileira de Inclusão, 13.146/2015, especialmente o art.9° onde dispõe que " A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:

I proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

II atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público;

Este Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, vem a todos os órgãos públicos federais, estaduais, distrital e municipais, em cumprimento ao que estabelece as legislações acima descritas, recomendar:

a) Incluir as pessoas com deficiência nos segmentos de atendimentos prioritários, especialmente nas Unidades de Atendimento em Saúde, utilizando todos os recursos e alternativas possíveis;

b) Atenção especial aos municípios de pequeno porte, sobretudo naqueles sem infraestrutura adequada, criando no entorno geográfico, se possível, Centros Emergenciais de Atendimentos Regionais;

c) Promover o afastamento imediato de pessoas com deficiência do seu ambiente de trabalho, em todas as esferas públicas e demais instituições/empresas que às possuam em seu quadro de colaboradores, sem prejuízos em suas remunerações e demais benefícios;

d) Assegurar a manutenção de parcerias entre órgãos públicos e organizações da sociedade civil, especialmente àquelas de longa permanência, nas três esferas de governo, visando a continuidade dos atendimentos nas formas e condições possíveis enquanto perdurar as ações de emergência em razão da pandemia;

e) Assegurar a acessibilidade comunicacional em todos os meios e mídias, inclusive aquelas de transmissão online por Internet/TV, a fim de atender plenamente pessoas com deficiência auditiva e deficiência visual em todos anúncios, orientações e propaganda sobre o COVID-19;

f) Incluir pessoas com deficiência e seus familiares em todos os programas assistenciais e emergenciais implantados pelas três esferas de governo;

g) Apoiar ações sociais desenvolvidas por organizações da sociedade civil que visem apoio e atendimentos às pessoas com deficiência;

h) Envolver os Conselhos de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência em todas as ações a serem implementadas nas três esferas de governo.

Brasília, 27 de março de 2020.

Marco Castilho



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