Descrição da imagem: cartum de Ricardo
Ferraz em que mostra a completa segregação e exclusão das pessoas com
deficiência. De um lado da imagem está um homem com deficiência física sentado
em sua cadeira de rodas, com a boca amordaçada dentro de uma grade com cadeado.
E do outro lado está um homem sem deficiência perguntando para uma mulher sem
deficiência com os dois filhos também sem deficiência ao lado. No balão do
cartum do homem sem está escrito: “-
Quantos filhos?” e no outro balão da mulher sem deficiência está escrito:
“-Dois!” e no balão do filho sem deficiência que pensa está escrito: “- E o
Zeca?”.
Dia Nacional de Luta das Pessoas com
Deficiência - Uma data para agir por mudanças!
Você sabia que, em 21 de setembro, é
o Dia Nacional de Luta das Pessoas com
Deficiência? Esse dia só foi instituído em 14 de julho de 2005, pela Lei Nº
11.133. Mas a ideia de marcar a data começou em 1982, por iniciativa do Movimento pelos Direitos das Pessoas com
Deficiência, organização de pessoas com deficiência que já se reuniam
mensalmente desde 1979.
O objetivo destes movimentos sociais
sempre foi discutir propostas de intervenções coletivas - por meio de políticas
públicas - para a transformação de uma sociedade paternalista e de ideologia
assistencialista e capacitista, para um modelo em prol da cidadania, e da
participação plena das pessoas com deficiência com autonomia e protagonismo.
Porém, em pleno século
21, muitas pessoas com deficiência ainda ficam confinadas em suas camas ou
quartos por longos períodos ou, em alguns casos, o dia inteiro.
Elas não podem fazer escolhas simples do dia-a-dia que a maioria das pessoas
faz sem sequer perceber; como quando e o que comer; com quem se relacionar;
qual programa de televisão assistir, ou se vai sair e participar de uma atividade
de lazer. Não tem acesso à reabilitação física e psicológica, e na maioria das
vezes, nunca saem da instituição para ter contato com a sociedade.
Em 2016, segundo o então, Ministério do Desenvolvimento
Social, havia 5.078 crianças e 5.037 adultos com deficiência vivendo em instituições no Brasil. E este número
provavelmente não reflete o número real, pois os dados são obtidos por meio de
questionário preenchido pelas próprias instituições, sem posterior checagem ou
supervisão por autoridade competente.
O mais terrível é que esta parcela da população ainda vive
isolada da sociedade e tem pouco mais do que suas necessidades mais básicas
atendidas, como alimentação e higiene. A maioria não possui qualquer controle
relevante sobre suas vidas, são limitadas pelo cronograma de atividades das
instituições e pela vontade dos funcionários. Desde 2006, eu conheço uma grande instituição na cidade de São Paulo
que está servindo comida fria e em pouca quantidade aos internos, além de
deixá-los o dia todo literalmente olhando para o teto sem fazer nada!
Você
sabe que hoje ainda também existem pessoas com deficiência com deficiência que
vivem isoladas em instituições em grandes alas ou quartos com camas colocadas
lado a lado, sem uma cortina ou qualquer outra separação? A maioria dos adultos
e crianças com deficiência institucionalizadas possuem poucos itens pessoais,
ou nenhum, e, em alguns casos, são forçados a compartilhar roupas – e até mesmo
escovas de dentes – com outras pessoas da instituição?
E
você sabe que funcionários de diversas instituições não fornecem absorventes
higiênicos às mulheres durante o período menstrual, e sim fraldas? E outros não
auxiliavam alguns adultos a se vestirem totalmente, de modo eles usam apenas
camisas ou blusas e fraldas? Os abusos, violências sexuais e estupros também
infelizmente, são recorrentes dentro destas instituições. E estas mulheres
sequer conseguem gritar, pois são silenciadas pelos funcionários e familiares!
E
mesmo que conseguissem denunciar. Você
sabia que a Lei Maria da Penha só incluiu as mulheres com deficiência 13 anos
após a sua existência? Um gigantesco atraso que inviabilizou a
possibilidade de denúncias, agravando ainda mais a situação de violência no
Brasil. Pois, segundo Atlas da Violência 2018, desenvolvido pelo IPEA, dos
22.918 casos de estupro apurados em 2016, 10,3% das vítimas tinham alguma
deficiência. Desse total, 31,1% tinham deficiência intelectual e 29,6% possuíam
transtorno mental.
Outro
dado chocante é que, entre os casos de estupro coletivo, 12,2% são contra
vítimas que têm algum tipo de deficiência. E de 649 pessoas com deficiência
mental estupradas, 275 foram violentadas mais de uma vez.
Exatamente como ocorreu no Rio Grande do Sul na noite de 7 de setembro deste
ano, no município de Santa Maria.
A vítima foi uma menina de 5 anos com
paralisia cerebral, que morreu após ter sido estuprada pelo filho de seu
padrasto, de 18 anos. Roberta Trevisan, Delegacia de Polícia de Proteção à
Criança e ao Adolescente disse que a menina era extremamente vulnerável devido
à paralisia cerebral, não caminhava, e sempre precisava de cuidados. O estupro
ocorreu dentro do berço da menina, durante a madrugada e, de acordo com o
culpado, todos estavam em casa, dormindo. Para delegada é inacreditável que
ninguém tenha visto, ainda mais com a gravidade dos ferimentos.
Hoje a Lei n° 13.836, sancionada em junho de 2019
prevê que no registro policial deve constar se a violência sofrida resultou em
sequela, deixando a vítima com algum tipo de deficiência ou com agravamento de
deficiência preexistente. Porém, as mulheres trans com deficiência,
infelizmente, foram totalmente excluídas desta lei. Mais uma vez um caso típico
de exclusão dentro da própria ‘inclusão’. Eu
me questiono: quando absolutamente TODAS as mulheres com deficiência farão
parte das políticas públicas e legislações?
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência é o único Tratado Internacional de Direitos Humanos com status de
Emenda Constitucional desde 2008 e, ainda assim, é absurdamente desprezado. A proteção de mulheres e meninas com
deficiência também está cristalina desde o Preâmbulo, como se vê abaixo:
“q) Reconhecendo que
mulheres e meninas com deficiência estão freqüentemente expostas a maiores
riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso,
descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração,”
Não resta a
menor dúvida de que as pessoas com deficiência no Brasil possuem uma ampla
legislação, a qual é, diariamente, descumprida. Logo, não é por falta de leis
que a mulher com deficiência é maltratada, espezinhada.
Além dos terríveis índices de violência, você sabia que os casos de
assédio no ambiente de trabalho sofridos por pessoas com deficiência, ainda são
totalmente escondidos da sociedade? Em agosto deste ano, o Ministério Público do Trabalho moveu ação civil pública
contra as Lojas Americanas S.A., em Barueri (São Paulo), após receber vários
relatos de discriminação e humilhações diárias. Segundo os ex-funcionários, os
casos de assédio moral teriam ocorrido entre 2016 e 2018. Porém, funcionários
com deficiência foram demitidos em retaliação, na busca por acionar a
procuradoria.
Funcionários
foram colocados em funções incompatíveis com o contrato e ao relatar
dificuldades em realizar as tarefas eram chamados de preguiçosos. Em um dos
casos, um trabalhador com problemas nas pernas relata ter sido designado a
descer plataforma de descarga sem a ajuda de escadas. Outro, com deficiência
auditiva, era frequentemente questionado se era surdo, como forma de chacota.
Os insultos vinham de superiores e até dos próprios colegas.
Segundo
a procuradora do Trabalho Damaris Salvioni, os trabalhadores com deficiência
eram frequentemente humilhados, desrespeitados por gritos, xingamentos,
chacotas, gesticulações vexatórias, constrangimentos, ironias, inclusive em
público, e discriminados por meio de rebaixamento de funções.
A deficiência é um fenômeno histórico
que passou por transformações ao longo do tempo e em diferentes culturas. Da
ideia de uma atribuição divina ou demoníaca, passando pela concepção de que se
tratava de uma anomalia orgânica. Hoje, a concepção vigente de deficiência é
vista como um fenômeno que ocorre na relação do indivíduo com o meio físico,
social e político. Portanto, toda a
sociedade é responsável, tanto pelo abandono e invisibilidade de grande parte
das pessoas com deficiência, assim como por sua autonomia e independência.
Mais informações sobre institucionalização
das pessoas com deficiência:
O relatório da Human Rights Watch, realizado entre
2016 e 2018, documenta uma série de abusos (incluindo sexuais) contra crianças
e adultos com deficiência em instituições de acolhimento no Brasil.
E os dados do Atlas da Violência 2018 estão
aqui:
Texto original publicado na Coluna: Bate Papo com Leandra:
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