terça-feira, 21 de outubro de 2008

Políticas públicas culturais inclusivas

ENSP e MinC se unem em defesa das pessoas com deficiência
Por Infoativo DefNet - 20/10/2008

No evento as mesas redondas tinham um interprete de LIBRAS

Deficientes se reuniram para discutir políticas nacionais de culturaPela primeira vez, pessoas com algum tipo de deficiência dos vários segmentos das artes do Brasil reúnem-se para discutir e formular uma política nacional de cultura voltada para eles. É a 'Oficina nacional de indicação de políticas culturais para inclusão de pessoas com deficiência', promovida pela ENSP/Fiocruz em parceria com a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura. O encontro teve início no dia 16/10 e vai até 18/10.
Ao todo, estão reunidos, no Rio de Janeiro, quase 60 artistas do país inteiro para encaminharem ao MinC a indicação de diretrizes reconhecendo o potencial das atividades culturais produzidas pelas pessoas com deficiência, fruto de um compromisso assumido pelo ex-ministro Gilberto Gil e que, agora, tem continuidade com o atual ministro Juca Ferreira.
De acordo com Paulo Amarante, coordenador do Laps/ENSP/Fiocruz, "é um trabalho muito bonito ver essas pessoas vindo ao Rio para debater esse tema importante e sair daqui com uma proposta de política pública para o Estado". Confira, na Biblioteca Multimídia da ENSP, os áudios e apresentações desse primeiro dia de atividades. (Link Biblioteca Multimídia)
O debate era acessível a todos e contava com interprete de LIBRASA atividade teve início com a mesa que reuniu Isabel Maior, da Coordenação Nacional para Inclusão de Pessoa com Deficiência (Corde), destacando que 14,5% da sociedade brasileira é composta de pessoas com algum tipo de deficiência e espera que, ao final dessa atividade, essa população possa se beneficiar de um melhor acesso à cultura.
Em seguida, foi a vez de Vera Lúcia Fernandes, representando a Caixa Econômica Federal, principal fomentadora do evento, lembrando que o banco foi o primeiro a se preocupar com a acessibilidade aos portadores de deficiência e responsável também por grandes investimentos na cultura. Então, nada mais certo que participar de um encontro de vital importância para a sociedade brasileira.
Representando a ENSP/Fiocruz, Paulo Amarante reafirmou o momento histórico para a sociedade brasileira em construir efetivamente uma política pública com a participação do principal grupo envolvido e lembrou que a Fiocruz, por intermédio de Sérgio Arouca, passou a ver a saúde como uma forma de cidadania e qualidade de vida e, em seu entendimento, uma parceria com o MinC transforma a idéia de saúde como inclusão social para todos.
Por fim, o representante do Ministério da Cultura, Ricardo Lima, traçou um breve panorama da reconstrução do MinC desde o início da gestão do presidente Lula, culminando com a criação da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural voltada especificamente para setores que não têm espaço nas políticas públicas de governo. Do envolvimento com a ENSP, citou Ricardo Lima, "demos início ao projeto 'Loucos pela Diversidade' em 2007 e seguimos agora, em 2008, com essa oficina voltada para pessoas com necessidades especiais".

Antes da primeira mesa de debates, uma apresentação artística emocionou os presentes. A cantora Inês Helena, que perdeu a visão aos quatro anos de idade, interpretou canções de Tom Jobim e Vinícius de Morais (Insensatez), Gilberto Gil (Se eu quiser falar com Deus), Alberto Janes (Foi Deus) e declamou um poema de sua autoria (Eterno Cantar), acompanhada do violonista Kiko Chaves.

Mesa apresenta trajetória da cultura e deficiência no Brasil

A participação dos ouvintes marcou o encontroTrês experiências distintas marcaram o tom da primeira mesa da oficina. Tendo como tema 'Cultura e deficiência: trajetória e perspectivas', a primeira exposição foi realizada por Andréa Chiesorin, do Conselho Diretor da Associação Very Special Arts Brasil, que, desde 1990, faz um trabalho envolvendo artes produzidas por pessoas com ou sem deficiências. Em seu relato, apresentou a trajetória da AVSR-BR, criada por Albertina Brasil Santos, e o envolvimento com a Funarte para a promoção de ações culturais para ambas as populações.
Para Andréa "inclusão é a palavra-chave obtida através de produções artísticas com o intercâmbio de diálogos estéticos, e temos que ampliar o entendimento da sociedade brasileira sobre essas novas experiências". Apresentou imagens realizadas por um fotógrafo cego e de uma montagem da peça 'Morte e Vida Severina' em que tanto o diretor quanto todos os atores eram cegos.
Com 18 anos de experiência, a AVSR-BR já foi responsável por inúmeros festivais culturais em todo o país e até mesmo levando artistas especiais para o exterior, além da capacitação de mais de 20 mil professores, tornando-os aptos para trabalhar na relação das artes com as pessoas com necessidades especiais. "Nosso trabalho envolve dança, música, teatro, artes visuais, não existem limites para o que podemos fazer" afirmou, mas não deixando de lado a luta por ambientes mais propícios para essa parcela da população poder apresentar seus trabalhos ou para o público poder conferi-los.

Em seguida, foi a vez de João de Jesus Paes Loureiro, da Universidade Federal do Pará, trazer seu relato da dificuldade de um ex-gestor público lutar pelas pessoas com deficiência. Lembrou que seu primeiro envolvimento foi com um antigo aluno cego de um curso pré-vestibular. Contou que, ao gravar trechos de livros e poemas brasileiros, ajudou para que esse aluno passasse em primeiro lugar no vestibular para Direito no Pará.
Quando foi secretário municipal de cultura em Belém (PA) auxiliou, entre outros, cadeirantes a assistirem o desfile de carnaval na cidade e, ao passar para a Secretaria Estadual de Educação, lutou para que as escolas públicas fossem adaptadas para cadeirantes, com banheiros mais acessíveis, portas mais largas, adoção de impressoras em brailes ou trilhas para cegos, no início da década de 90.
"Mas de nada adiantou, pois, quando deixei a gestão pública, essas políticas foram se perdendo, muitas vezes por falta de investimento e reclamações de altos custos de investimentos para essa população. Não podemos deixar que os gestores públicos esqueçam essa população, deixando que todas os seus direitos sejam obtidos somente por meio das associações particulares", afirmou.

Encerrando a primeira mesa de debates, a representante da Corde, Isabel Maior, traçou um panorama das políticas públicas voltadas para pessoas deficientes no Brasil. Sua apresentação lembrou das comemorações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos aonde em seu artigo 1 informa que todos nascem livres e iguais em diversidades e direitos. "Mas será que somos assim? Claro que não porque as desigualdades marcam os vários segmentos da sociedade brasileira, entre elas a das pessoas com deficiências".
A respeito da Corde, Isabel informou que a coordenação trabalha desde 1989, entre outras ações, no direito e na defesa da pessoa com deficiência e esteve sempre presente na trajetória de luta dessa população que, quase sempre, são visto como invisíveis para a sociedade em geral. Lembrou ainda que o movimento começa a se firmar na década de 80, principalmente após a ONU declamar 1981 como o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência trazendo com isso um entendimento mundial de que a melhor forma de acabar com a discriminação ou desigualdade é através da inclusão, seja ela social, econômica ou política.

Para mostrar que ainda há muita desigualdade no Brasil, apresentou números de um censo do IBGE, do ano de 2000, informando que o país conta com 25 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, sendo que 70% encontra-se abaixo da linha de pobreza e 90% fora do mercado de trabalho. "Esse é um segmento social submetido à violação dos seus direitos humanos e cabe a nós lutar, cada vez mais, para que isso mude".
Apesar de tudo, lembrou que o Brasil foi o primeiro país a ratificar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, elaborado pela ONU em 2006, como forma de acabar com essa discriminação. E, para isso, todos os envolvidos têm que trabalhar pela concessão de um maior número de próteses e órteses, transportes e escolas acessíveis, empregabilidade, campanhas educativas e culturais e tudo aquilo que possa acabar com o preconceito social. "Vamos lutar pela regulamentação da Política Nacional do livro e da leitura, com livros mais acessíveis, para as legendas em português nas produções nacionais e nos requisitos de acesso à cultura através de projetos apoiados pela Lei Rounaet", concluiu.

Experiências pessoais mobilizam debate sobre pessoas com deficiência

Pessoas com deficiência assistindo a palestraAtravés da coordenação do pesquisador da ENSP, Paulo Amarante, a segunda mesa do dia 16 com o tema "Nada sobre nós sem nós" trouxe três exposições diversificadas de trabalhos com essa população. O vereador de Belo Horizonte Arnaldo Godói destacou a importância deste encontro como o ponto de retomada do processo de geração de políticas para deficientes que foi interrompido nos últimos anos, aproveitando principalmente a experiência dos inúmeros trabalhos existentes, principalmente o de Albertina Brasil Santos.
"Temos que conhecer a história de nosso movimento para aprender com erros do passado e pensar estratégias para o futuro, através das continuidades das políticas públicas", afirmou. Entretanto, o vereador acredita que transformar as diretrizes que sairão desta oficina não serão suficientes para garantir a continuidade das políticas públicas, uma vez que os direitos dos deficientes não são respeitados no Brasil.
Para ele, essa população é dispersa e fica aguardando que o poder público efetive tais ações. "Temos que participar mais dos movimentos políticos, culturais, sociais e não esperar acontecer. Se não nos politizarmos e ampliarmos nossa interlocução com o poder público ficaremos dependendo apenas das iniciativas privadas para executarmos nossas atividades", criticou.
Por fim, Arnaldo Godói destacou a importância de se superar os pontos individualizados na cultura dos deficientes para que seja gerada uma política de estado ampla e que contemple a todos, envolvendo a esfera federal, o Ministério da Cultura e os gestores estaduais e municipais.
A segunda a se apresentar foi Angel Vianna, coreógrafa da Faculdade Angel Vianna do Rio de Janeiro, que traçou o panorama da sua vida como bailarina e professora de dança agregada ao trabalho com pessoas com deficiência através da dança. Desde a década de 60 começou a estudar o corpo de forma anatômica e científica para explorar cada vez melhor a dança e foi através do trabalho com deficientes que consegui o máximo da expressão corporal.
"Trabalhar com a deficiência é trabalhar com a cabeça, o coração e o sentimento e não apenas ver o que está de fora, e esse foi o desafio que eu superei", afirmou. Foi assim que passou a entender melhor os deficientes e a elaborar técnicas de trabalho fazendo com que seus bailarinos se superassem nas apresentações de dança. "Quanto mais conhecimento tivermos do corpo, mais facilidade teremos para trabalhar com as deficiências das pessoas e era isso que eu sempre passava para meus alunos. Nada era impossível", ressaltou.
Ao encerrar sua exposição informou que recentemente criou um projeto de dança para pessoas com deficiência, com patrocínio da Petrobras, mas que não pode ser levado adiante pois para a Lei Rouanet seu projeto era de educação e não de arte. "Então eu pergunto: educação é arte ou arte é educação?"

Terminando o primeiro dia da oficina, o bailarino da Pulsar Companhia de Dança do Rio de Janeiro Rogério Andreolli disse que foi o primeiro artista deficiente a conseguir se profissionalizar no Brasil. Em seguida fez um discurso inflamado contra a última gestão da Funarte, responsável pela extinção do projeto "Arte sem Barreiras", criado por Albertina Brasil para pessoas com deficiência.
"Isso foi um desserviço e uma falta de respeito com todos nós", criticou. Segundo o bailarino, nos últimos anos a Funarte estava colocando a deficiência física à frente do artista, fazendo com que as artes elaboradas por eles ficassem renegadas a segundo plano e sem investimentos financeiros. Para ele, isso aconteceu porque são poucos os deficientes que se envolvem com as políticas públicas, principalmente por conta das adversidades encontradas por todos.
Por conta disso argumentou sobre o que as pessoas com deficiência desejam para o futuro, uma vez que esta oficina será responsável pelas diretrizes a serem adotadas pelo governo. "Temos que pensar em políticas que contemplem o ontem, o hoje e o amanhã, que sejam efetivas e que não sejam esquecidas quando mudarem os governantes no poder. Eventos como esse dão voz àqueles que são os principais interessados no processo. É impossível fazer política pública sem a participação de nós, deficientes", concluiu.

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