quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O amor ...

Transforma
Por Leandra Migotto Certeza*
Quando eu encontrei minha alma gêmea, vi que o ser humano ainda é capaz de amar. Marcos dos Santos tem um olhar doce. Uma ternura... Sorri de dentro para fora. É puro e verdadeiro. Brinca feito criança na piscina do SESC. Fala o que sente. Sabe o valor de um prato de arroz com feijão. Trabalhou muito para conquistar o pequeno teto que lhe abriga. Construiu cada pedacinho com seu próprio suor. É o homem que eu amo! É a alma que habita meu coração. Falar dele é muito intenso. É um oceano de emoções.
Eu sou a mulher mais feliz do mundo. Sou muito amada, e ganhei o maior presente da vida: uma pessoa íntegra. Infelizmente, muito rara hoje. Com ele aprendo a falar mais baixo. Ter paciência. Calma. Ser humilde. Apenas ser. Estar com ele me faz crescer. Ser minha essência. Deixo de criar mais rugas na testa para rir do simples, como comer bolo de chocolate e tomar chá. Dormir abraçado ‘respirando o mesmo ar’. Sentir o calor da pele. Fazer um carinho no rosto. Colocá-lo para dormir.
Marcos me faz bem. Enche meu espírito de luz. Sinto-me segura ao seu lado. Amada. Desejada. Querida. O carinho com que ele acaricia o meu cabelo é tão único... Ele sempre me viu como uma pessoa. Para ele não sou ‘uma deficiente’. Uma menina. Uma coisa estranha. Uma eterna criança. Sou. Ele é. Nós somos! Talvez não existam palavras para explicar. Não. Eu é que não tenho o dom de colocá-las para fora da alma e exprimir o quanto é vivo esse amor. E o que significa amar.
Escrever para mim é respirar. Não consigo viver sem as palavras. O mundo precisa saber que ainda é possível evoluir. Estender a mão a quem está do nosso lado. Nos amamos porque temos plena certeza que o que mais importa na vida é nos ajudarmos. Ele sempre foi generoso e solidário com quem ama, mesmo com quem não o conhece. Marcos não é capaz de ficar com um centavo que não seja dele. Sempre dividi um prato de comida. Fica com frio para esquentar uma criança. Sempre que vem até a minha casa cumprimenta o vigia que trabalha no consultório em frente. É simpático. Conversa com todo mundo na rua e dentro das casas. Sorri. Fala sempre a verdade.

Estranho falar que ele é assim? Hoje, infelizmente, existem muitas pessoas que se fecham em seu egoísmo. Vivem em uma redoma. Têm medo de serem que são. Colocam máscaras e fingem. Marcos não é perfeito. É um ser humano. É teimoso, cheio de manias, turrão. Bate o pé quando não quer alguma coisa. Se pela de medo de ir ao médico. Não gosta de cuidar da saúde. É bagunceiro, esquece chaves, óculos, e blusas por aí. É distraído, e às vezes muito triste...

Ao seu lado eu me libertei de pré-conceitos, quebrei tabus, desfiz mitos. Aos 28 anos, quando fui amada por inteiro, apossei-me de mim mesma. Não tenho mais que provar nada para ninguém, muito menos para mim. Sinto-me confortável dentro do meu corpo. Sou uma mulher amada e desejada. Sou uma ‘super-tia-mãe’ das crianças que chegam até mim. Sou feliz. Minha alma gêmea tirou o medo de me assumir. Pena que perdi tanto tempo tentando viver uma perfeição que não é humana... Hoje a diversidade é tão natural...

Estamos juntos há um ano e meio. Até agora, o que mais me marcou em nossa relação foi a minha verdadeira aceitação. É por isso que sinto necessidade de falar sobre. Comigo foi assim: sempre vivi ouvindo que eu devia ser como os outros. Como a maioria. “O mundo não foi feito para a minoria. As pessoas são normais. Normal é morar numa casa legal, ter boas roupas, carro, estudar, viajar, ter um emprego, ter pernas, andar, poder dar à luz a um filho, ter uma altura mediana, fazer parte da sociedade”.

Mas que sociedade? Falar da desigualdade é uma coisa, vivê-la é completamente diferente. Quando chego na comunidade onde Marcos mora, os vizinhos brigam para ver quem vai levantar a minha cadeira de rodas e subir-me pelas escadas. Na minha casa, meu pai se incomoda muito em ter que colocar minha cadeira de rodas dentro do carro, quando vamos almoçar num restaurante.

Na casa do meu noivo sou mulher. Converso na porta com as vizinhas, peço que batam um bolo para mim, cuido das crianças quando elas estão ocupadas. Ser pequena, andar em cima de uma cadeira de rodas, e ter um corpo um pouco mais diferente do que o delas não importa. Comem da minha comida. Aceitam o meu dinheiro quando compro algo que vendem. Ouvem os meus conselhos. Aceitam o meu convite para ir à lanchonete. Se sentem seguras em deixar seus filhos comigo.

Na minha casa me tratam feito criança. Tudo fica alto para que eu não possa alcançar sozinha. Tem tapetes por toda a casa. Não tenho privacidade em meu próprio quarto! Para eles, meu noivo é “mais um para dar trabalho”. Um pobre e deficiente. Uma escolha errada. Sexo? É a maior loucura que eu não deveria fazer. É como seu eu estivesse brincando de ser mulher. Quando era adolescente usar saia era proibido. Passar batom então...

Tento não os culpar e, principalmente, não me culpar. Mas a responsabilidade é de ambos. Minha por permiti ser tratada a vida toda dessa forma; e deles, que levaram anos para começar a me enxergar como realmente sou (se é que enxergam...). Infelizmente, um processo bem provável em um país sem caráter como o Brasil, que prefere esconder as todas as diferenças debaixo do tapete.

Esperança! É a palavra. Ainda bem que existem alguns Marcos por aí. Temos o melhor clima, a terra mais saudável, os animais mais bonitos, a flora mais rica em diversidade, a cultura mais criativa, as pessoas mais amáveis, mas muito a evoluir. A sociedade é formada por pessoas. E as pessoas se transformam. O amor transforma!

Texto originalmente publicado na Rede SACI - 12/07/2007- Link: http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=19973 e reeditado em 23/09/08 pela autora.

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