quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Educação inclusiva

70,64% da população brasileira de 0 a 18 anos que está fora da escola é de crianças, adolescentes e jovens com deficiência, calcula o MEC. Decreto nº 6.571/08, publicado em DOU no dia 18 de setembro, contribuirá para reverter esta exclusão.
Por Escola de Gente - www.escoladegente.org.br
O Decreto regula a utilização do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para estudantes com deficiência matriculados(as) na rede pública do ensino regular, incide sobre o perfil de orçamentos e investimentos na área de educação e possibilita à mídia uma releitura na abordagem do tema educação inclusiva.
A convite do MEC, a Escola de Gente esteve representada no evento de apresentação do Decreto por Claudia Werneck e Claudia Maia, superintendente e coordenadora técnica, respectivamente, e pelos(as) conselheiros(as) Eugênia Augusta Fávero, José Ferreira Belisário, Rosane Lowenthal, Stella Lutterbach de Orleans e Bragança e Maria Teresa Eglér Mantoan. Não há dois lados. A escola brasileira é uma só.

Novas possibilidades
Ainda que o Brasil esteja revertendo quadros históricos de exclusão educacional para pessoas com deficiência, o índice citado acima poderá aumentar, nos próximos anos, em função de cruzamentos entre indicadores diversos. É preciso imaginar, também, que grande parte da infância e da juventude com deficiência sem acesso à escola ainda não foi contabilizada porque pertence a grupos em situação de vulnerabilidade, muitas vezes vivendo na pobreza e sem identidade jurídica.

Origem do índice
O Ministério da Educação chegou ao índice de 70,64% graças ao cruzamento do cadastro de usuários do Benefício da Prestação Continuada (BPC), de 2007, com dados de 2006 do Censo Escolar, na faixa de 0 a 18 anos. A informação foi divulgada em junho de 2008, mas ganhou significado extra na quinta-feira passada, quando o Ministro da Educação, Fernando Haddad, e a Secretária de Educação Especial (Seesp), Claudia Dutra, apresentaram o Decreto nº 6.571/08, assinado na véspera, a dezenas de autoridades públicas, representantes da sociedade civil e famílias de pessoas com deficiência.

A posição da Escola de Gente
Desde 2002, a Escola de Gente tem provocado meios de comunicação, especialistas em políticas públicas, redes nacionais e internacionais que atuam com formulação e monitoramento de orçamentos nas área de educação, mobilização comunitária, investimento social privado e desenvolvimento sustentável a avaliar com mais cuidado a estimativa do governo brasileiro de que 97% da população de seis a 14 anos do país já estava na escola. A Escola de Gente abordou o assunto em palestras, artigos e publicações, especialmente nas cinco edições da série Manuais da Mídia Legal. Foi apenas no ano de 2008, porém, que esta percepção começou a ganhar concretude com as informações divulgadas pelo governo federal.

Juventude brasileira com deficiência
No evento de apresentação do Decreto, no auditório do Ministério da Educação, os(as) estudantes brasileiros(as) foram representados(as), na mesa de abertura, pelo jovem David Souza, aluno da sétima série do ensino fundamental da rede estadual de Fortaleza, que integra a organização da sociedade civil Centro de Apoio a Mães de Portadores de Eficiência (Campe), criada por famílias de crianças e adolescentes com deficiência não conformadas com a negação do acesso dos(as) filhos(as) ao ensino público regular.
David, com 19 anos, ficou 15 fora da escola pública por ser uma pessoa com paralisia cerebral. Assim como a Escola de Gente, a Campe integra a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A fala de David deu o tom de compromisso maior do evento, e foi citada pelos demais integrantes da mesa: Magela Lingner, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação do Rio Grande do Sul; Ednilado Lustosa, Secretário de Educação do Distrito Federal, representando o Conselho Nacional de Secretários de Educação; Alexandre Baroni , presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade) e Izabel Maior, coordenadora da Coordenadoria para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), representando o Ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos.
Inovações do Decreto
Ao tratar da oferta e financiamento do Atendimento Educacional Especializado, previsto na Constituição, e regulamentar a utilização de recursos do Fundeb para alunos(as) matriculados(as) na rede pública do ensino regular, o Decreto, proposto pela Secretaria de Educação Especial (Seesp), dá início a uma nova fase na transformação das escolas públicas em escolas públicas inclusivas. Fortalece, ainda, as ações de apoio do Ministério da Educação à implementação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, lançada no início de 2008.
O objetivo é dar apoio complementar à formação educacional de alunos(as) com deficiência na escolas públicas. Pelo Decreto, as escolas públicas de ensino regular que oferecem atendimento educacional especializado no contraturno das aulas terão financiamento do Fundeb a partir do ano de 2010. Além disso, a matrícula de cada aluno(a) da educação especial em escolas públicas regulares será computada em dobro, com base no censo escolar de 2009.
Estas medidas, conseqüentemente, aumentarão o valor per capita repassado pelo município às instituições e, também, o investimento na formação continuada de professores(as), na implantação de salas de recursos multifuncionais, nas adaptações e reformas arquitetônicas e na garantia de tecnologias assistivas para garantir acessibilidade na comunicação em sala de aula.
O que deveria mudar na abordagem da mídia.
A Escola de Gente deseja que a assinatura do Decreto nº 6.571/08, a promulgação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o aprimoramento nos critérios que levam a informações sobre a qualidade de educação no Brasil e tantos outros marcos, para citar apenas o ano de 2008, mobilizem os meios de comunicação a amadurecer na forma como se relacionam com o tema pessoas com deficiência. Ouvir os dois lados não exime o profissional da imprensa de conhecer a legislação brasileira e informar o(a) leitor(a) o que é ou não compatível com a Constituição.
A antiga discussão entre escola especial ou regular, sugerindo às famílias a possibilidade de que a primeira substitua a segunda, está fora de contexto, pois não tem respaldo jurídico. Exemplo das Paraolimpíadas - citadas pela mídia de forma sazonal e ainda em função de eventos pontuais, como as Paraolimpíadas, a maior parte da população com deficiência brasileira continua imperceptível em sua expressão cidadã, para além do acesso e permanência com qualidade na escola.
Na opinião da Escola de Gente, isto acontece, inclusive, nas reportagens que desejam valorizar, por exemplo, os excelentes resultados obtidos em Pequim. Qualquer análise de mídia minimamente mais crítica deixaria evidente a desigualdade de tratamento entre atletas olímpicos e paraolímpicos, como o perfil das perguntas formuladas.
Texto republicado no www.cvi-maringa.org.br

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