Dentre outros retrocessos, empresas poderão pagar para um fundo de reabilitação ao invés de contratar profissionais com deficiência.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei (6159/19), que, se aprovado, irá prejudicar os trabalhadores com deficiência.
Repudiamos veementemente tal PL 6159, eis que não foi fruto de um debate com todos os atores sociais e não reflete os anseios da sociedade, mas de poucos detendores do poder econômico; não visa a inclusão da Pessoa com Deficiência; viola e restringe direitos constitucionais e da Lei Brasileira de Inclusão.
Conclamamos a sociedade, as entidades, as associações, as Pessoas com Deficiências e todas as pessoas comprometidas com a causa, que se manifestem em repúdio ao PL nº 6159.
Conclamamos aos agentes políticos, que foram eleitos pelo povo para representá-lo, que não atentem contra a dignidade da Pessoa com Deficiência, que não retrocedam nas suas conquistas e direitos, e VOTEM NÃO ao PL nº 6159.
O PL tramitará em regime de urgência (cinco sessões) e traz dispositivo de cumprimento alternativo para a Lei de Cotas:
A empresa poderá pagar para um fundo de reabilitação no lugar de empregar um profissional com deficiência.
A contratação de pessoa com deficiência grave (avaliada nos termos do disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 2015), será considerada em dobro para fins de verificação do cumprimento da lei de cotas.
“Os trabalhadores com deficiência já sofrem diariamente com a discriminação e a falta de oportunidades, e agora o governo solta mais essa maldade querendo tirar direitos dessas pessoas e acabar com a lei de cotas”, denuncia José Roberto Santana bancário do Santander e dirigente sindical.
"Este projeto fere drasticamente a lei de cotas, a qual duramente foi conquistada pelo segmento das pessoas com deficiência o qual faço parte, e reconheço que minha inserção no mundo do trabalho se deu em virtude desta legislação.
É muito triste, teremos que acompanhar tanto retrocesso, tanta retirada de direito, os quais vão impactar diretamente nos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência de nosso país. Precisamos articular de forma rápida com os deputados, senadores, para que estes não aprovem esta maldade.
Independente de partido, precisamos olhar para o seguimento da Pessoa com deficiência é, e perceber que esta luta necessita da garantia do direito", relata Daiane Mantoanelli, Assistente Social, Conselheira Nacional da Pessoa com Deficiência e membro da "Rede de Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho" em Blumenau.
A Ampid (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência) realizará uma reunião de alinhamento de ações contra o PL 6159/2019, no dia 3 de dezembro, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. A reunião será às 14, na sala da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados.
Um parecer sobre o PL foi elaborado por Janilda Guimarães de Lima, procuradora do Ministério Público do Trabalho e membro da Ampid:
– O texto viola a Convenção da ONU, pois apresenta ao congresso nacional projeto que alterará significativa e negativamente a vida das pessoas com deficiência, sem que suas instituições tenham sido chamadas a participar da sua elaboração.
– Prepara a imposição de que todas as pessoas com deficiência, mesmo as que ainda não tenham condições para tanto, sejam obrigadas a se habilitarem ou reabilitarem, para que no final fiquem sem seus benefícios, caso não consigam trabalhar ou manter seus empregos;
– Destrói a cota de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, criando excludentes que dificultam ao MPT e aos Auditores Fiscais fazer as fiscalizações;
– Excluirão todas as vagas existentes nas empresas de prestação de serviços terceirizados e temporários que prestam serviços aos órgãos públicos de cumprir a cota, o que retirará inúmeras vagas de emprego das pessoas com deficiência e reabilitados;
– Regulamenta as condições do auxílio-inclusão, frustrando os objetivos da LBI quanto a esse benefício, pois impõe várias condições para que a pessoa com deficiência venha a consegui-lo, condições essas que devem ser comprovadas cumulativamente;
– Obriga as pessoas com deficiência a requererem a suspensão do pagamento do BPC antes de requerer o auxílio-inclusão, sem mesmo saber se será ou não concedido este último benefício;
– Estabelece, ao contrário da posição do movimento, que a cota de aprendiz seja computada também para a cota de PCD, diminuindo mais uma vaga no mercado;
– Exclui o direito das pessoas com deficiência de manter o BPC com o salário de aprendiz, até o limite de dois anos, até que tenham certeza de que consigam manter o emprego;
– Estabelece que novos critérios de manutenção e revisão do auxílio-inclusão sejam realizados através de ato do poder executivo, violando o que a LBI prevê;
– Mesmo criando o benefício do auxílio-inclusão, estabelece que ele somente será pago em determinadas condições orçamentários, o que frustra totalmente a garantia de pagamento;
– Todos os empregados que estiverem em gozo de benefício por incapacidade temporária para o trabalho, mesmo que insuscetível para sua atividade habitual, deverão se submeter ao processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade que não seja a sua, mesmo que venha a ganhar salários bem inferiores que o do seu cargo/função, sendo um completo desrespeito à condição da pessoa que está doente e incapacitada;
– O beneficiário de qualquer benefício da previdência terá a obrigação de acatar o direcionamento da reabilitação sob pena de perder o benefício;
– Impede a aplicação da cota nas atividades que tenham jornada menor que 26 horas, jornadas essas que são ideais para as pessoas com deficiência;
– Revoga o artigo que obriga as empresas a despedirem as pessoas com deficiência quando atingirem a sua cota, mais uma vez esvaziando a cota do art. 93 da Lei 8.213/91;
– Permite que uma empresa troque a contratação de pessoas com deficiência pelo pagamento de uma multa equivalente a dois salários mínimos, durante três meses, multa essa que será dirigida ao Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional;
– Permite também que a empresa cumpra sua cota em empresa diversa.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID) vem a público esclarecer seu posicionamento contrário ao Projeto de Lei n° 6.159/2019:
PRIMEIRO. O Poder Executivo ao apresentar o PL 6.159/2019 afronta os Artigos 3, letra c e 4, item 3, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) porque não consultou as pessoas com deficiência por intermédio de suas organizações/entidades representativas. Esta é uma obrigação decorrente da CDPD, norma de natureza constitucional, e encaminhamentos do Comitê de Peritos da CDPD no Comentário n° 7 de que o Poder Executivo deve observar a consulta antes de elaborar e aprovar quaisquer leis, regulamentos e políticas, gerais ou relacionadas à deficiência. Portanto, a proposta contida no PL 6.159/2019 é inconstitucional e seu rito de tramitação não pode ter o regime de urgência. Em todas as previsões o PL 6.159/2019 afronta o lema NADA SOBRE NÓS SEM NÓS!
SEGUNDO. O Poder Executivo em todas as previsões do PL 6.159/2019 afronta o Artigo 4 item 2 da CDPD que, em relação a todos direitos das pessoas com deficiência, exige seja assegurada a progressividade dos direitos e não seus retrocessos, tal qual preveem o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n° 591/1992) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador – Decreto 3.321/1999).
TERCEIRO. O PL 6.159/2019 estabelece diversas condições para o direito a concessão do auxílio-inclusão que, se efetivadas, impedem o acesso à sua concessão e frustra os objetivos da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI – Lei 13.146/15), especialmente o de incentivar as pessoas com deficiência moderada e grave, que recebem o benefício da prestação continuada (BPC), a querer voltar ou se inserir pela primeira vez no mercado de trabalho. O auxílio-inclusão é um apoio a mais para auxiliar as pessoas com deficiência a sustentarem seus gastos diários em decorrência da deficiência moderada e grave. O auxílio-inclusão deve ser um estimulo para que saiam de suas casas e se mantenham no mercado de trabalho, e não um impedimento marcado pela burocracia e exigências de concessão. Além disso, o PL 6.159/2019 ao prever o auxílio-inclusão revogar o artigo 94 da LBI e limita o tempo exigido para a concessão para aquelas pessoas que recebem o BPC nos últimos 12 meses. A anterior previsão era de cinco anos.
QUARTO. O PL 6.159/2019 desvirtua o atual conhecimento da área da reabilitação profissional, nacional e mundialmente. Impõe, em “caráter obrigatório”, a reabilitação profissional para todas as pessoas com deficiência, obrigando-as a se habilitarem ou reabilitarem. Ao final, por sua conta e risco, se não conseguirem manter seus empregos ou se inserirem no mercado de trabalho, perderão os benefícios (criado no artigo 101-A da Lei 8.213/1991).
QUINTO. Desconstrói a ação afirmativa, constitucionalmente garantida, de reserva de postos de trabalho (cota). A previsão está inserida no artigo 10 do PL que trata da alteração da Lei n° 8.213/1991.
Destrói a aprendizagem, que é a preparação profissional de jovens para o mundo do trabalho, ao contar a pessoa com deficiência na condição de aprendiz para a reserva de postos de trabalho (cota). Aprendiz não pode preencher a cota de trabalhador(a) adulto(a) nas empresas (alteração do parágrafo 3º do artigo 93).
Mercantiliza a pessoa com deficiência grave que passa a valer em dobro para o cumprimento da reserva (cota) (acrescentado como parágrafo 5º ao artigo 93).
Cria desvairados mecanismos de compartilhamento de reserva (cota) entre empresas de atividades e naturezas diversas como as empresas de trabalho temporário e empresas de terceirização de serviços (criado no artigo 93-A).
Afirma que pessoas com deficiência não têm capacidade ou competência para trabalhar em ambientes e atividades perigosas e assim as excluem da reserva (cota) (criado no artigo 93-A parágrafo 1º inciso I).
De forma vaga, que gera subjetividades e marca o retorno da discriminação em razao da deficiência, não aplica a reserva de postos de trabalho (cota) para “atividades que restrinjam ou impossibilitem o cumprimento da obrigação” (criado no artigo 93-A parágrafo 1º inciso II).
Impede a contratação de pessoas com deficiência para contratos a tempo parcial (criado no artigo 93-A, parágrafo 1º inciso III).
Ao excluir da base de cálculo a reserva de postos de trabalho, simplesmente fecham as portas das empresas de trabalho temporário e de empresas de prestação de serviços terceirizados para as pessoas com deficiência (criado no artigo 93-A, parágrafo 2º).
Mercantiliza, mais uma vez, a pessoa com deficiência ao prever que a empresa pagará recolhimento mensal (multa) de 2 salários-mínimos a um programa (habilitação e reabilitação física e profissional previsto em Medida Provisória 905 de discutível competência) se não conseguir cumprir a reserva de postos de trabalho (cota) (criado no inciso I, artigo 93-B); possibilita a venda (tal qual a um nefasto sistema de escravidão) de trabalhador(a) com deficiência excedente em outra empresa (criado no inciso II, artigo 93-B).
Estimula ao empregador a adotar as medidas alternativas, em detrimento da inclusão do trabalhador(a) com deficiência na empresa, com a oneração de recolhimento das parcelas referentes a multa destinada ao programa, além da multa do artigo 133 da Lei 8.213/1991 (criado no artigo 93-C).
A AMPID espera que o PL 6.159/2019 seja integralmente rechaçado pelo Congresso Nacional de forma a garantir a permanência dos direitos conquistados das pessoas com deficiência.
APOIAM ESTA NOTA
REDE-IN – Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – http://www.ampid.org.br/v1/manifestacoes/
Fórum de Inclusão das Pessoas com Deficiência do Distrito Federal – https://foruminclusaodf.org/
Mais informações:
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