sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Reportagens Setor 3 - Portal do Terceiro Setor do SENAC

Para gerente da IBM, inclusão de deficientes no mercado de trabalho evoluiu bastante, mas ainda há muito o que fazer.
Por Leandra Migotto Certeza - Repórter free lancer
Site: Portal Setor 3 - SENAC

A poliomielite adquirida aos seis meses de idade não impediu que Eliane Pelegrini Ranieri, 44 anos, Gerente de Operações de Vendas da IBM.com – Brasil, perseguisse seus objetivos e conquistasse um posto de trabalho numa importante multinacional. Este é mais um exemplo de como o processo de inclusão social de pessoas com deficiência pode dar certo.


Formada em Letras (inglês e espanhol), Eliane dirige hoje seu próprio carro (adaptado) e afirma ter total autonomia, tanto em sua vida pessoal como profissional. A executiva conta que já experimentou muletas e outros aparelhos ortopédicos, mas acabou fazendo opção pela cadeira de rodas, que, segundo ela, lhe dá mais mobilidade no seu dia-a-dia.

Eliane acredita que o fato de ter sido obrigada a conviver com a deficiência desde a infância acabou lhe facilitando as coisas depois. Ela avalia que aprendeu a tirar melhor proveito da situação e se diz mais preparada para enfrentar os desafios da vida, por já conhecer os obstáculos. O suporte familiar, considera Eliane, foi fundamental para se sentir incluída socialmente.

Em entrevista exclusiva ao Portal Setor3, concedida durante a conferência sobre Inclusão Social de Pessoas com Deficiência no Mercado, a executiva enfatiza, tomando como exemplo o próprio encontro, que a pessoa com deficiência pode plenamente exercer sua cidadania participando de atividades fora de seu ambiente de trabalho ou familiar. Ela conta também como foi seu processo de inclusão no mercado e das principais dificuldades que a pessoa com deficiência tem hoje pela frente.

Setor3: Como você avalia o encontro? Quais as palestras que lhe acrescentaram mais informações ou esclareceram dúvidas?

Eliane Pelegrini Ranieri: A conferência conseguiu reunir um grande número de pessoas interessadas na implementação deste processo dentro de suas empresas, o que demonstra que as empresas estão, cada vez mais, sentindo a necessidade de esclarecimento sobre o assunto e já identificam os benefícios sociais e para a própria empresa que o processo de inclusão pode trazer. A conferência foi muito interessante porque as empresas levaram suas experiências de implementação do processo e conseguiram mostrar todas as etapas necessárias, além das dificuldades a serem superadas. Sem dúvida, para o público que estava presente, estas experiências agregaram muito valor, inclusive para mim.

Setor3: O que mais a motivou a participar do evento?
Eliane: Meu interesse foi o de tomar contato com o que o mercado está praticando, além de desenvolver networking (contatos de trabalho). Auxilio o projeto de inclusão social dentro da empresa pelo setor de RH (Recursos Humanos), comentando sobre as necessidades das pessoas com deficiência em termos de adaptações, além de trazer as novidades da área como essa conferência. 

Setor3: Qual o trabalho que a IBM pretende realizar ou já realiza em relação ao processo de inclusão social de pessoas com deficiência?
Eliane: A IBM tem por filosofia igualdade de direitos e respeito pelo indivíduo. Isto já se pratica na empresa em todos os níveis e eu sou um exemplo disso já que sou "cadeirante". Estou na IBM há 18 anos e nunca tive qualquer discriminação ou exclusão, desde o processo de recrutamento até as oportunidades de carreira que surgiram ao longo destes anos. Mas é claro que o processo sempre deve ser melhorado e é preciso estruturá-lo bem, principalmente quando existe a disposição da empresa aumentar o quadro de funcionários com deficiências. Isto é parte de um programa corporativo fundamentado no princípio de que as diversidades ampliam a possibilidade de negócios para a empresa.

Setor3: Conte um pouco da sua história dentro da empresa? Você encontrou dificuldades de adaptação?

Eliane: Minha entrada na IBM foi através de contrato de trabalho para cobrir licenças maternidade. Fui chamada para cobrir três contratos. Na quarta chamada fui efetivada, o que demonstrou que a empresa apostou na minha capacidade de realização e também por eu estar preparada em termos de formação para assumir as responsabilidades da função. Durante estes 18 anos, trabalhei em muitas áreas e nunca houve qualquer tipo de exclusão, seja por parte dos funcionários ou da empresa.

Setor3: Qual a sua opinião a respeito da situação atual do processo de inclusão social das pessoas com deficiência no mercado de trabalho?

Eliane: Já evoluiu muito com relação à conscientização de indivíduos e empresas, mas ainda há muito trabalho, principalmente em termos de acessibilidade e capacitação. Nosso país tem muitas dificuldades de sobrevivência que precisam ser superadas e o trabalho com pessoas com deficiência, muitas vezes, implica em investimentos por parte das empresas por questões relacionadas à adequação de infra-estrutura. Além disso, ainda é muito raro o deficiente que consegue desenvolver seu potencial intelectual em escolas que permitam o ingresso no mercado de trabalho em igualdade com os não-deficientes. Por isso, as ações das empresas que participaram da conferência foram tão ricas em termos de criatividade e iniciativa para superar essas barreiras.

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Conferência debate a contratação de pessoas com deficiência

Trabalhar com a diversidade tem sido a tônica dos últimos anos. Em especial, após a publicação da Lei 8.213/91, que prevê a reserva de vagas, dentre as existentes no mercado, às pessoas com deficiência nas empresas e nos órgãos públicos.

Programas de capacitação profissional e inclusão social no mercado de trabalho promovidos por ONGs e empresas socialmente responsáveis vêm conquistando bons resultados e restituindo o exercício da cidadania às pessoas historicamente excluídas da sociedade. Durante a conferência "Contratação de Portadores de Deficiência - Como Implementar o Projeto e Atender a Legislação Vigente" realizada pela ACTsystem (empresa da área de recursos humanos) , no último dia 25 de fevereiro, na cidade de São Paulo. Os palestrantes foram unânimes ao admitir que muito ainda precisa ser feito em relação à tarefa de conscientizar os empresários e o governo sobre a importância da responsabilidade social.
 
Entretanto, dados divulgados pelo Ministério Público (MP) revelam que a situação, aos poucos, está mudando. De acordo com Adélia Augusto Dominguese, procuradora do MP membro da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade e Eliminação da Discriminação no Trabalho, nos últimos três anos, 20.400 pessoas com deficiência em todo o país foram incluídas no mercado de trabalho devido a ações movidas pelo MP. Por outro lado, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego entre os portadores de deficiência ainda continua superior com relação às pessoas sem deficiência. 

Dentre os 24 milhões de brasileiros que possuem alguma deficiência (física, auditiva, visual, intelectual e/ou múltipla – dados Censo 2000 do IBGE), 12 milhões deles - que se encontram em idade economicamente ativa - ainda não encontraram espaço no mercado de trabalho. Fora isso, só no ano de 2000, 18.134 pessoas foram vítimas de acidentes que deixaram algum tipo de deficiência. Dois anos depois, elas continuam lutando para conseguir assegurar todos os direitos previstos na Constituição Federal como saúde, educação, transporte, esporte, lazer, entre outros. "Frente a um quadro como esse: o que fazer?" Essa foi a principal discussão levantada na conferência.

A inclusão social é a adequação da sociedade às necessidades de seus membros, para que eles possam exercer plenamente seu direito à cidadania. Essa inclusão deve ser feita principalmente por meio do trabalho, foi o que concluíram empresários, promotores, membros de ONGs, profissionais liberais, e estudantes os presentes no evento."Lidar com a diversidade inata ao ser humano é o segredo para uma nação mais justa, solidária e principalmente auto-sustentável. Até quando iremos suportar arcar com as despesas de um cidadão que não produz porque não tem suas potencialidades respeitas?", questionou Linamara Batistella, médica fisiatra, diretora da Área de Reabilitação do Hospital das Clínicas. 


Para José de Araújo Neto, presidente da AME (Associação Amigos Metroviários dos Excepcionais), "os fatores que determinam a exclusão são muito grandes, por isso é necessário um projeto de democratização, o qual aceite cada vez mais as pessoas com deficiência nas empresas". Já Flávio Gonzáles, especialista em reabilitação profissional de pessoas portadoras de deficiências da AVAPE (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais), ressaltou que é sempre importante lembrar que ter ou não uma deficiência aparente não afeta a produtividade das pessoas. João Batista Oliveira, da HR. Shared Services Manager, completou dizendo que a empresa é o estrato da sociedade, por isso é importante valorizar a diversidade criando projetos eficazes de inclusão social.
    
No debate, os palestrantes também abordaram temas como legislação vigente; aspectos clínicos; sistemas implantados em outros países; avaliação de resultados e de novas formas de trabalho e de conscientização sobre a responsabilidade social.

José Guilherme Monteiro de Castro, vereador e presidente do CONDEF (Conselho Municipal das Pessoas Portadoras de Deficiência), da cidade de Matão (interior de São Paulo), cobrou mais compromisso dos empresários com a questão. "Tomara que as pessoas que estão aqui levem as outras o enfoque real do que foi tratado. Que os empresários, que ainda não o fazem [contratação de pessoas com deficiência], assumam de maneira séria a sua responsabilidade social com a comunidade, dando oportunidade de trabalho às pessoas com deficiência, que têm este direito assegurado por lei. Porém, só ela [a lei] não basta", alertou o vereador.
 
Alex Celestino dos Santos, estagiário do MP e portador de Síndrome de Down, e Luiz Eduardo Baudakian, fundador da ONG "Aprendendo a Viver" (http://www.aprendendoaviver.com.br/) alertaram o público para a importância da inclusão social durante seus testemunhos. "Estou aqui para dizer com muita alegria que gostaria que esse estágio fosse para sempre. Espero encontrar outro trabalho que eu goste tanto quanto este", disse Alex. Já Luiz, contou sua história de vida. Sugeriu para todos darem as mãos; fechar os olhos e ouvirem a voz de seus corações, dizendo "que o amor é o mais importante de tudo". Ele também pediu para que as pessoas se abraçassem como forma de expressar o espírito de união.

Fatores de exclusão social precisam ser eliminados

"Por que a sociedade ainda desconsidera o potencial das pessoas com deficiência?" Essa foi outra questão bastante debatida durante a conferência. Os palestrantes declararam que barreiras físicas e comportamentais, falta de informação e preconceito entre outros fatores, promovem o distanciamento com a diversidade. "Imagine, por exemplo, um engenheiro que sofreu um acidente e consegue explorar todo seu potencial com uma prótese (colocada no lugar de uma perna amputada) ter que parar de trabalhar? O problema não está nele e sim na sociedade que não pensou na acessibilidade universal. É por isso que falamos em direitos e não em criar oportunidades assistencialistas. O que não está bom nós mudamos", afirmou Linamara, médica do HC.

Para ela, os conceitos de deficiência, "incapacidade" e inclusão precisam ser revistos por todos os países. Segundo a médica, os dados do Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2000 também precisam ser reavaliados. "As leis existem quando é instaurado um conflito entre as pessoas. Elas podem ser sempre reavaliadas, mas com certeza promovem mudanças de comportamento na sociedade. Com a reserva de vagas, as pessoas estão tendo que olhar mais para suas imperfeições. Afinal, quem o que é normal?", questionou.

Ana Maria Schneider Corrêa Araújo, do Departamento de Recursos Humanos da Bandeirante Energia, concordou com Linamara. "Isso é o que sempre buscamos: mobilizar o interesse da empresa para uma reflexão sobre a lei, a educação para o trabalho e a diversidade. É que a lei nunca está pronta, ela muda conforme mudamos", declarou Ana Maria.

Na opinião do presidente da AME, João Batista Oliveira, a falta de escolaridade e qualificação profissional, pouco estímulo da família, informação escassa, e preconceito por parte dos empregadores são os principais fatores de exclusão do mercado de trabalho. Segundo ele, esses obstáculos devem ser eliminados por meio de políticas públicas, cursos de profissionalização e campanhas de sensibilização sobre a inclusão social. "Para isso, é preciso engajar a direção de uma empresa desde o início do projeto", afirmou.

"O trabalho de consultoria em acessibilidade e o banco de 5.700 currículos da ONG 'Muito Especial' é um exemplo de capacitação das empresas e apoio aos PPDs. O nosso lema é: 'Lutando com Você para um Mundo Mais Justo", ressaltou Marcus Scarpa, presidente da ONG.             

Para empresários, respeitar o potencial de cada um é a chave para bons resultados

"Devemos olhar primeiro para as aptidões e os talentos de cada candidato, e não para suas supostas 'limitações'. A palavra chave é compatibilidade de funções", destacou Flávio Gonzáles da Avape.

João Batista, da AME, trouxe um exemplo para ilustrar a afirmação de Flávio: "Em uma das empresas que visitei, encontrei um rapaz que se candidatou a uma vaga e ao ser entrevistado pelo diretor da empresa, pôde mostrar como era capaz de realizar o serviço digitando com os pés. Hoje, o clima entre os funcionários melhorou bastante e não há mais atrasos nos relatórios. É por isso que acho importante aprender com a prática respeitando as potencialidades de cada um. O fundamental é fazer as coisas, não importa como", ressaltou.

Já Luciani Faria, da empresa Marelli Cofap, contou que um candidato surdo se expressou muito bem durante um processo de seleção e a equipe ficou surpresa com a facilidade de lidar com uma PPD. "Sua produção é exemplar e hoje ele até voltou a estudar. Está cursando Direito. O ambiente organizacional melhorou e pessoas reabilitadas de LER (Lesão por Esforços Repetitivos) voltaram ao seu rendimento normal", de acordo com ela.

Lei 8.213/91, umas das ferramentas para a inclusão social


O artigo 36, da Lei 8.213/91, estabelece que a empresa com 100 ou mais empregados é obrigada a preencher de 2 a 5% de seus cargos em aberto com beneficiários reabilitados da Previdência Social ou com pessoas portadoras de deficiências habilitadas, na seguinte proporção: 2% das vagas devem ser destinadas aos PPDs nas empresas com até 200 funcionários; 3% de 200 a 500; 4% quando o número de empregados for superior a 500; e, finalmente, 5% para as empresas com mais de 1000 trabalhadores. É importante ressaltar que as empresas não são obrigadas a abrirem vagas para contratarem as PPDs, e sim preencherem seu quadro de funcionários na medida que disponibilizarem as vagas dando preferência às pessoas com deficiência devidamente qualificadas e selecionadas para a função. 

Cabe ao Ministério Público (MP) e às Delegacias Regionais do Trabalho o poder de fiscalização. A empresa que não atender a lei sofrerá as autuações e também aplicação de multas, além de representação perante o MPT e a abertura de inquérito civil público. "O principal objetivo do MP é conscientizar. Após o levantamento do número de funcionários PPDs, sugerimos às empresas que implementem um projeto eficaz de inclusão, fazemos o acompanhamento das primeiras contratações e estipulamos um prazo para o cumprimento da lei. O mais importante é saber que as pessoas estão exercendo atividades compatíveis com a sua qualificação profissional, potencial e adequação à deficiência, nunca sendo colocado dentro da empresa para simplesmente cumprir cotas, gerando assim, outra exclusão", declarou a promotora Adélia Augusto.

 Outro ponto levantado pelos palestrantes foi a importância de saber usufruir corretamente dos benefícios que a lei traz para um bom projeto de inclusão. "É preciso deixar claro que o funcionário admitido pela lei de vagas não veio tomar o lugar de ninguém e nem ganhar mais do que os outros. Ele deve ser tratado em igualdade de condições, (pois não é nem santo nem diabo), e nem tampouco de forma assistencialista, só para cumprir a lei", esclareceu Luciani Faria.


Ela acrescenta que sua empresa demitiu um funcionário PPD pelo fato dele não estar correspondendo às expectativas de trabalho, como acontece com qualquer funcionário. "O PPD deve ser tratado como qualquer outro empregado, contanto que respeitemos suas necessidades de adaptação física ou de comunicação", explicou Luciani da Marelli Cofap.

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