sexta-feira, 8 de junho de 2012

Nem herói ou coitadinho

Por Leandra Migotto Certeza em 03/09/2003



Você é um cidadão? Cumpre com seus deveres e exige os direitos? Então, gostaria de ser sempre chamado de super-herói? Ou constantemente tachado pelas pessoas de coitadinho? É bem provável que não. Pois como todo ser humano você tem capacidades e potenciais a serem desenvolvidos. Ser super ou sub estimado o coloca em constante e sufocante pressão. É cobrado a corresponder a uma imagem que não existe e conseqüentemente, ninguém conseguirá enxergar quem realmente você é.

Um ser humano pode ter mais facilidades para realizar determinadas coisas e/ou menos para outras. Pois a diversidade é inata a todos. Ninguém é perfeito! E todos estamos no mesmo barco. Então, por que rotularmos a maneira como cada um encontra para continuar vivo? O que pode parecer tão complicado para você pode ser fácil para outra pessoa e vice-versa. 

Depende do repertório e da experiência de cada um. Para um jogador de basquete, que usa uma cadeira de rodas desde que nasceu, vencer mais uma partida não significa ser melhor do que todos os outros. Já para quem conseguiu fazer um bolo sozinho pela primeira vez, pode ser uma grande vitória. Mas também não gostaria de ser idolatrado por isso. Elogios ou críticas não preconceituosas e bem colocadas estarão livres de julgamentos e taxações. 

Quando um atleta vence uma prova, não seria muito mais sensato relatarmos seu desempenho elogiando seu esforço na medida de suas capacidades, mesmo que ele tenha superado outro atleta? Isso não significa que ele é o melhor do mundo. 

O mesmo serve para alguém que ainda não teve acesso aos recursos necessários para exercer sua cidadania. Apenas por estar momentaneamente em uma situação socialmente desfavorecida, não quer dizer que não tenha capacidade de realizar o que alguém em melhor situação financeira consegue. Ou que seja uma pessoa totalmente incapaz. 

O mesmo raciocino vale para alguém que tenha ficado surdo devido a um acidente de trabalho. Ele pode ou não desenvolver mais os seus outros sentidos, devido à falta de audição. Porém, também não é um herói por realizar melhor um determinado serviço. Poderá cometer falhas como qualquer outro. Mas também não deve ser considerado um coitadinho, incapaz de voltar ao mercado de trabalho. Outro exemplo é quando vemos um cego na rua. Não seria muito mais justo conhecê-lo primeiro, antes de comentarmos com o colega do lado que ele é um "coitado" por que não enxerga com os olhos?

Justamente por serem humanas as pessoas não deveriam ser idolatradas, ignoradas ou alvos de piedade. Independente da etnia; nacionalidade; gênero; opção sexual; idade; tamanho; peso; déficit aparente como uma deficiência física, intelectual, mental, auditiva, visual, múltipla (a união de duas ou mais), ou não aparente como o mau caráter. 

Porém, infelizmente ainda são preconceituosamente utilizadas expressões como: "vencer obstáculos é o lema dos deficientes", "a maioria dos obesos supera barreiras todos dos dias", "conquistar espaços com muita garra é o objetivo de todas as mulheres", "ele é um ser especial e super eficiente", "mesmo morando em um lugar tão precário, realiza algo fenomenal", "em uma cadeira de rodas é um super-herói", "deficientes mentais são um exemplo de vida", "pode ultrapassar limites mesmo sendo cego" e etc. Estas expressões proporcionam um distanciamento da condição humana.

O mesmo ocorre no extremo oposto, com expressões também preconceituosas como: "ajude, pois ele é um coitadinho", "carentes precisam do seu apoio", "quem é paraplégico é um incapaz", "todo negro é fraco", "a maioria dos idosos são dependentes", "é pequeno, mas merece sua ajuda", "cuide dos aleijados que não podem viver sozinhos", "apesar de ele ser pobre, conseguiu realizar tal coisa", "mesmo sem uma perna, trabalha", entre outras. 

Generalizar, nivelar, taxar, pré-julgar, acreditar exclusivamente no senso comum não conhecendo como realmente é o outro, só nos conduz à ignorância, ao preconceito, e à atitudes discriminatórias. Devemos estar dispostos a assumir nossa diversidade e humanidade, e não construirmos esteriótipos ou reforçarmos tabus já ultrapassados.

As pessoas com alguma deficiência - objeto de análise desta publicação - por estarem começando a serem reconhecidas como cidadãos após dois séculos de ostracismo, infelizmente, ainda são preconceituosamente consideradas superiores a todos, tratadas com piedade e assistencialismo, ou completamente negligenciadas. 

Creio que cada um de nós é responsável por alterar rapidamente e por completo essa visão distorcida. Pois pessoas com deficiência como qualquer outro indivíduo também rirem; choram; ficam triste, cansadas; gritam; dormem; tem um bom desempenho na escola; são promovidas no trabalho; ocupam cargos de liderança; dirigem um carro; vivem internadas em hospital; fazem bagunça; cometem crimes; tiram dúvidas sobre sexo; viajam; sofrem acidentes; cursam universidade; são analfabetas; usam roupas da moda; são antipáticas, chatas, bravas, felizes, ou revoltadas; tem direito ao esporte, lazer, saúde, moradia, alimentação, entre outras inúmeras características. Portanto, merecem respeito por suas especificidades, e devem ser tratadas iguais na medida das suas diferenças. Nem a mais ou a menos.




Publicado originalmente no portal: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=6825

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