quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Genética no SUS - Da invisibilidade à transparência

Leitores e leitoras, infelizmente, a ampla reportagem que escrevi em 2005 continua atual. 

O Ministério da Saúde brasileiro precisa ter vergonha na cara e utilizar uma das maiores taxas de impostos do mundo para salvar vidas imediatamente!!!! 

É com grande alegria que compartilho com vocês, um dos ótimos trabalhos 100% voluntários que realizei com uma dedicação enorme desde 2001, quando fazia parte da ABOI - Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta em SP. 


Espero que os ativistas sociais reconheçam a trajetória desta importante luta! Logo estarei de volta nesta fundamental batalha...

Parabéns a todas e todos que hoje levantam esta bandeira com inteligência, dedicação, comprometimento, coragem, e principalmente, MUITA amizade, generosidade e solidariedade!!!!

Como diz minha família adotiva do coração da ABSW - Associação Brasileira de Síndorme de Williams: "Somos muitos, mas somos UM" !!!!


Fonte: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=15992


Doenças genéticas são discutidas em encontro nacional

Rede SACI
02/05/2005

Três milhões de cidadãos nascem com alguma síndrome genética por ano no Brasil. O Governo Federal realiza testes pelo SUS - Sistema Único de Saúde para detectar apenas três doenças. Mais de 500 ainda não são diagnosticadas

Leandra Migotto Certeza*

A Genética só foi reconhecida pelo Conselho Regional de Medicina há 10 anos, mas existe há mais de 40 no Brasil. De 3 a 5% dos brasileiros têm uma doença genética, porém ainda existem apenas 200 geneticistas no país.

Somente 11 são formados por ano. Trinta mortes em cada mil crianças ocorrem em pessoas com síndromes genéticas. Um terço dos leitos dos setores de pediatria do SUS são ocupados por crianças com doenças genéticas. "Quando acontecerem grandes melhorias na saúde da população, pessoas com síndromes genéticas ganharão em qualidade de vida", afirmou a geneticista, Dra. Adriana Bührer Alves do Nascimento, presidente da Associação Brasileira de Genética Clínica, durante o "I Encontro Nacional de Apoio a Portadores de Doenças Genéticas": http://www.portaldassindromes.com.br/.

Graças ao empenho da Associação Brasileira de Genética Clínica e de associações como: X Frágil do Brasil, Instituto Canguru, Associação Marfan Brasil, Associação Brasil Huntington, entre outras, mais de 300 pessoas trocaram informações e experiências em São Paulo, dias 2 e 3 de abril. Os temas das treze palestras e mesas redondas foram específicos como: o papel do cuidador e das associações de apoio; como viver com ou sem o diagnóstico; tratamentos e medicamentos de alto custo; ética em doenças genéticas; e amplos como: inclusão escolar e profissional, e acessibilidade física e comunicacional.

Representantes de associações, médicos, pais e cidadãos com doenças genéticas presentes no encontro questionaram os palestrantes principalmente sobre a falta de diagnósticos e tratamentos públicos de saúde de qualidade. Atualmente a sociedade luta para conseguir testes gratuitos, independente da probabilidade de uma determinada doença na população. Segundo os participantes SUS precisa credenciar serviços genéticos e não apenas laboratórios isolados.

Como viver com ou sem o diagnóstico

Uma doença genética é uma alteração na cadeia protéica, uma mutação na seqüência do DNA. Essa alteração pode ser nociva ou não para o organismo. "40 a 50% das síndromes genéticas não tem diagnósticos. Aparecem 15 casos novos nos SUS por ano. O Brasil está bastante atrasado, mas os EUA levam 5 anos para fechar um diagnóstico", afirmou a Dra. Adriana. Para ela a situação brasileira é muito delicada e necessita de mudanças urgentes, mas a situação da maioria dos diagnósticos também é muito complicada no mundo inteiro.

Já para a Dra. Íscia Lopes Cendes do Departamento de Genética Clínica da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), a hipótese diagnóstica é tão ou mais importante do que ele. "Para se fechar um diagnóstico é preciso primeiro conhecer muito bem o paciente. Saber o que pesquisar ser feito de acordo com resultados da análise clínica é fundamental para encontrar os melhores caminhos em busca de um diagnóstico o mais preciso possível. É preciso também saber em que parte do organismo fazer o teste, caso contrário não ele será eficaz. Existem muitos pontos complexos e relativos a serem analisados".

Na era da clonagem é preciso sempre agir com muita ética 

Fazer teste para detectar somente algumas doenças é discriminação. Infelizmente o Governo Federal ainda precisar ser muito pressionado pela sociedade para agir com ética. A Dra. Íscia informou que existem doenças em que o quadro clínico com todos os seus sintomas só aparecerá mais tarde, isso se aparecer. Ela colocou em discussão a obrigatoriedade de se saber o diagnóstico de um paciente, quando, e por que, mas antes de tudo defende que "qualquer teste deve ser feito somente após a autorização por escrito do paciente, pois o DNA é a história de vida de uma pessoa e deve ser guardado confidencialmente. Também não se deve deixar de diagnosticar uma doença só porque se supõem que ela não tem tratamento conhecido pela medicina atualmente".

A médica também esclareceu que o teste preditivo é diferente do diagnóstico porque irá apenas saber a probabilidade de uma doença genética surgir ou não em uma pessoa. Portanto, é uma questão de ética muito séria e nunca deve ser feito sem a autorização do próprio paciente, pois envolve questões futuras de qualidade de vida e preconceito. "A procura pelo teste deve ser espontânea, o médico deve manter sigilo absoluto, só pode ser realizado em adultos, e todos os pacientes devem ter acompanhamento psicológico antes de depois do teste. Além disso, eles não devem ir para o prontuário do paciente".

Segundo informações da antropóloga e Diretora da ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, existem políticas públicas discriminatórias onde as pessoas que vão apenas fazer uma doação de sangue recebem folhetos de "alerta" sobre a suposta possibilidade de gerarem filhos com uma síndrome genética, e segundo o governo "deveriam" fazer o teste o mais rápido possível. "É muito grave saber que o Governo acaba com o direito de uma pessoa decidir sobre sua própria vida e ainda discrimina doentes genéticos. Uma atitude dessas é considerada prática de eugenia. É preciso cuidar da saúde pública, fazer campanhas de prevenção, mas não induzir as pessoas a tomar atitudes".

A mesma falta de ética ocorre na mídia e no Governo Federal ao divulgar informações completamente erradas a respeito das pesquisas com células tronco. Segundo a Dra. Mayana Zats do Instituto de Biociência do Centro de Estudo do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, a mídia anunciou em uma campanha de massa a cura de problemas no coração por meio de tratamentos com células tronco. "Em primeiro lugar, atualmente não falamos em tratamentos seguros, e muito menos em cura, pois as pesquisas estão apenas começando. Existem grandes probabilidades, testes e muitos estudos sérios e éticos, mas nada ainda foi comprovado. Não se pode brincar com a ciência e prometer milagres falsos". 

As dificuldades de se obter medicamentos de alto custo 

Segundo informações do Instituto Canguru, o SUS só disponibiliza 100 medicamentos que servem para apenas 31 doenças. A verba disponível para 2005 é de 1 bilhão de reais. É preciso reformular as políticas públicas de saúde e fiscalizar o gasto desse dinheiro que saí do bolso do contribuinte. "Precisa se avaliar em que situação uma família vive, para depois dizer se o medicamento é de alto custo ou não. Vai depender também do número de vezes que a pessoa tem necessidade de tomar o remédio", esclareceu Soraya Araujo, presidente do instituto.

Em 1998 somente 109 mil pacientes recebiam medicamentos de alto custo, hoje o Canguru é a principal ONG que os consegue através de mandatos judiciais. Para ela ainda não é a melhor alternativa, mas infelizmente a única viável atualmente. Segundo pais do instituto, os governos municipais, estaduais e federais dizem estar investindo em políticas públicas para a obtenção de medicamentos de alto custo, mas ainda precisam deixar de discriminar pessoas com doenças genéticas, e não escolher quais devem ser atendidas e quais não.

Seguindo o caminho da união um grupo de pesquisadores junto com a sociedade civil conseguiu-se depois de muita luta aprovar no Congresso Nacional a Lei de Biossegurança que regulamente as pesquisas com células tronco (leia matéria). Para a Dra. Mayana, a sociedade deve pressionar os governos sempre que for preciso, usando muito a mídia responsável para conscientizar o maior número de pessoas sobre a importância de temas ainda pouco debatidos e conhecidos, como as doenças genéticas.

O cuidador de pessoas com doenças genéticas deve ter uma vida equilibrada

Para Maria Gorette da Associação Brasil Huntington, e Martha Carvalho, da Associação X Frágil, todo cuidador deve cuidar antes tudo de si mesmo. Ter uma vida equilibrada é crucial para conseguir ajudar quem tem uma síndrome genética. É preciso sempre manter a auto-estima, o amor próprio, uma vida afetiva e emocional saudável, e principalmente, solicitar ajuda quando sentir necessidade. Uma pessoa cansada e desanimada não consegue ter forças para apoiar pessoas que precisam de cuidados 24 horas por dia. Ninguém é de ferro, portanto, revezar os dias ao lado de pessoas doentes, e reservar horas para o lazer do cuidador são fundamentais.

Outro ponto levantado pelas presidentes das associações é a importância do cuidador ser sempre franco sobre os seus sentimentos com quem está doente, dizendo quando não pode ou não quer realizar tal tarefa. Segundo pesquisas das associações, são as mulheres quem mais assumem o duplo papel de mães, esposas, donas de casa, trabalhadoras, e principalmente cuidadoras em tempo integral de parentes com doenças genéticas, portanto ficam em sua maioria bastante sobrecarregadas. Elas são alvo das reuniões e atividades das associações que procuram sempre alertar para a importância de se dividir as tarefas e responsabilidades com os homens da família e/ou amigos.

Unir-se e compartilhar experiências com outras pessoas que estão passando pela mesma situação também é muito importante para que os familiares e amigos de doentes genéticos se conheçam, aprendam um com o outro, e vivenciem novas formas de obter qualidade no dia-a-dia. O principal objetivo das associações é lutar para implantar políticas públicas eficazes voltadas à saúde. A solidariedade é a chave para conseguir atingir os objetivos, por isso estabelecer parcerias com os governos, sociedade civil, e empresários é fundamental.

Venda de artesanato proporciona qualidade de vida a cidadãos com ossos de cristal

Quatro membros da ABOI - Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta -venderam artesanatos produzidos pelos próprios cidadãos com OI. A doença é provocada por uma falha no colágeno (tecido formador do osso) que resulta numa estrutura óssea extremamente frágil, sujeita a fraturas contínuas, inclusive durante o período da gestação. Atinge 1 a cada 21.000 nascidos, e muitos médicos ainda conhecem pouco sobre ela. Segundo informações do Prof Dr. Decio Brunoni, Coordenador do Centro de Genética Médica da Universidade Federal Paulista - UNIFESP/EPM - presente no encontro -, desde 1760 existem descrições clínicas sobre OI, mas o teste molecular foi feito somente em 1983. Como é uma doença monogâmica, a probabilidade de saber se vai surgir em outra pessoa da mesma família é bastante alta. Outras informações podem ser obtidas no site http://www.ncbi.mim.nh.gov/entriz/dispomam.

Lindas velas artesanais decoradas e perfumadas, doces, porta-jóias pintados a mão e adoráveis caixinhas de presentes estilizadas, foram vendidas para que mães consigam levar seus filhos aos hospitais, informações sobre OI sejam divulgadas em congressos, reuniões com profissionais de saúde sejam realizadas, listas de discussão na internet continuem ativas, e novos projetos finalmente saíam do papel. Os benefícios materiais conseguidos no encontro foram poucos, mas sem dúvida que tornar a OI e a ABOI reconhecidas entre a comunidade de síndromes genéticas é muito importante.

Hoje a Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta sobrevive com pouquíssimos recursos materiais e humanos. Faltam principalmente voluntários realmente comprometidos. Ainda não há uma sede fixa, nem ao menos um informativo impresso, quanto mais telefone, material de escritório, computador ligado à internet, verba para despesas com correio e organização de reuniões. Apesar das inúmeras dificuldades, um pequeno grupo de pessoas formado em sua maioria por quem tem OI luta com todas as suas forças para manter a ABOI viva ajudando quem precisa. Em meio às dificuldades, em 2001 conseguiram que o Ministério da Saúde assinasse uma Portaria criando Centros de Referência em OI no Brasil disponibilizando pelo SUS um medicamento que ajuda os ossos a reterem o cálcio.

Para participarem do encontro, membros com dificuldades financeiras produziram artesanatos com recursos próprios. Também se esforçaram muito fisicamente para assistir todas as palestras mesmo morando em regiões distantes de São Paulo.

Inclusão educacional e profissional

Crianças e jovens com doenças genéticas ou deficiências têm o direito constitucional de estudarem em colégios regulares e cidadãos com deficiências de trabalharem com dignidade. Mas a realidade infelizmente ainda está bem distante dessa teoria. É preciso mudar os paradigmas porque o suposto "padrão" é feito para uma minoria, pois a maioria da sociedade é diversa e não igual. Muitos professores, diretores, e pais ainda não aceitam alunos com deficiências e/ou doenças nas salas de aula. Somente a informação correta e a mudança do ponto de vista educará as pessoas sobre a troca enriquecedora de experiências que a diversidade humana pode trazer. Estas questões foram levantadas pelos palestrantes Flavia Cintra e Renato Laurentti, profissionais do Instituto Paradigma. Ambos adquiriram uma lesão medular e lutam para conseguir viver com dignidade em um país excludente como o nosso.

Qualificação profissional, potencial e competência são os valores avaliados pela Gerente de Recursos Humanos, Eliana Oliveira dos Laboratórios Fleury - Medicina Diagnóstica. Para ela ter ou não uma deficiência, não pode ser considerada pela empresa como um empecilho ou vantagem. "Não podemos taxar o profissional com deficiência como incompetente ou super herói. Ele é uma pessoa com qualidades e defeitos. Deve ser tratado igual na medida de suas diferenças. É preciso respeitar suas necessidades de equiparações de oportunidades, como acessibilidade física e comunicacioal, e cobrar os resultados de produção no ambiente de trabalho".

Hoje a empresa tem 9 deficientes visuais, 4 físicos, 3 intelectuais, e 1 auditivo em seu quadro de funcionários. Ainda não cumpriu a política afirmativa de reserva de vagas (Lei 8.213), mas pretende continuar admitindo esses profissionais de forma qualitativa. Um programa de convivência desenvolvido com os funcionários pais de crianças com deficiência vem alcançando bons resultados. Ele surgiu depois que o primeiro funcionário com deficiência intelectual foi admitido pela empresa. "No começo sentimos muito receio, - confessa Eliana - mas depois aprendemos muito com eles".




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