Uma vida que vale a pena viver
Tradução: Patricia Almeida para a Inclusive
Palestra apresentada por Robert Martin no Congresso Mundial – México novembro de 2006.
Ele fala da dor que ele e seus amigos tiveram que sofrer e suportar nas instituições e do apoio de que necessitam quando eles saem delas.
Nós não estamos mais discutindo se as instituições devem ser fechadas, estamos discutindo quando elas vão fechar. Por que digo isso? Deixe-me citar o artigo 19 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, sobre vida independente e inclusão na comunidade.
Os Estados-Partes desta Convenção reconhecem o direito igual de todas as pessoas com deficiência a viver em comunidade, com escolhas iguais às outras pessoas, e tomarão medidas efetivas e apropriadas para facilitar o pleno gozo das pessoas com deficiência desse direito e sua plena inclusão e participação na comunidade.
Isso significa dizer que devemos ser capazes de escolher onde e com quem vivemos. Temos de ser capazes de obter o apoio que precisamos para viver e participar na comunidade. Devemos ter o mesmo direito de utilizar os serviços em nossa comunidade que os outros. Pessoas com deficiência intelectual têm lutado por esses direitos durante anos. Agora é nossa hora de obtê-los.
O artigo 12 da Convenção é sobre o nosso reconhecimento como pessoas perante a lei. Quer dizer que nós poderemos desfrutar o mesmo direito que os outros à nossa capacidade legal. Nossa capacidade legal diz respeito ao nosso direito de tomar nossas próprias decisões e agir com base nelas. Haverá salvaguardas para evitar abusos para aqueles que precisam dessa proteção.
No entanto qualquer tipo de apoio deve respeitar os nossos direitos, nossa vontade e nossa preferência e deve ser livre de conflitos de interesse ou influência indevida. Haverá também apoio com relação à decisão apoiada para aqueles que precisam deste suporte.
Nunca devemos esquecer que a institucionalização daqueles de nós com uma deficiência intelectual tem sido uma das peças mais destrutivas da engenharia social na história da humanidade. Levou à nossa segregação da sociedade porque fomos marcados como diferentes. Eu sei disso porque eu era uma dessas pessoas.
Os funcionários que trabalhavam nas instituições também se institucionalizaram em seu pensamento e na forma como agiam. De que outra forma podemos explicar o abuso e a degradação do que foi e ainda é tanto uma parte da vida daqueles de nós que foram forçados a viver em uma instituição?
Eu tenho muitos amigos que conseguiram deixar as instituições e não sei de nenhum que tenha voltado de bom grado.
Alguns vão dizer também que a instituição em que trabalham ou conhecem é muito boa. Que o pessoal é muito atencioso e há muitas coisas boas acontecendo para os nossos. As palavras-chave em sua declaração são “os nossos“. Eles não percebem que estão tentando ser donos da vida de outra pessoa.
Nunca devemos esquecer que a institucionalização é um mecanismo para controlar a vida de uma pessoa. Diz respeito à tomada de decisões importantes para estas pessoas e esperar que elas se encaixem em um estilo de vida que alguém acredita que é bom para eles. Se viver em uma instituição é tão bom para nós porque é que a maioria das pessoas cresceram em uma família? Por que as famílias são tão valorizadas em todas as sociedades?
O tempo das instituições acabou. Não devemos esquecer as lições do passado, mas é hora de seguir em frente.
O título do meu discurso de hoje é uma vida que vale a pena, por que nossas vidas são tão valiosas quanto as dos outros. Eu quero falar de minha própria experiência e o que eu aprendi ao longo do caminho.
Devemos começar a construir o apoio que tanto as famílias como aqueles de nós com deficiência necessitam para viver e participar da nossa comunidade. Eu tenho visto muitos dos meus amigos numa luta tão difícil quando eles deixaram a instituição porque não havia o apoio adequado. Ainda me lembro como foi difícil para mim.
Eu estava tão assustado e com medo. Também foi assim para a minha família porque não havia ninguém para apoiá-la. Este mesmo apoio deve ser disponibilizado às famílias que ainda têm seus filhos com deficiência que vivem com eles.
Nossas famílias precisam de apoio para compreender as nossas necessidades quando estamos crescendo. Elas muitas vezes precisam de ajuda quando somos adolescentes. Elas começam a perceber que as nossas oportunidades para viver e trabalhar na comunidade podem ser muito limitadas. No passado, muitas vezes foi nesta fase que fomos colocados em instituições ou lares de idosos.
Nós podemos ser colocados em lares de idosos com nossos pais, apesar de estarmos apenas com 40, 50 anos de idade. Conheço várias pessoas com quem isso aconteceu. Podemos nos tornar o cuidadores de nossos próprios pais. Passamos de ter apoio à prestação de apoio, o que pode ou não funcionar para nós. Finalmente, mas menos provável, podemos mudar para uma casa nossa ou viver com as pessoas com que desejamos viver.
Este apoio dos pares é vital, pois apenas aqueles de nós que fizeram essa transição podem realmente entendê-la. No entanto, os financiadores e os funcionários não reconhecem essa necessidade. Supostamente eles sabem de tudo quando, infelizmente, não sabem de nada.
Este apoio dos pares é vital para que as pessoas possam ter uma escolha real quanto ao local onde vão viver e com quem morar, como prometido na Convenção. Viver em comunidade significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Para mim, é quer dizer ter o direito de viver do jeito que eu quero viver.
Não se trata de viver em lares com padrão 5 estrelas. É a minha vida, na minha própria casa, com aqueles que desejam viver comigo. Neste momento é com minha esposa e nossa gata Lynda Pippa. Claro que precisamos de apoio para viver de um modo que seja saudável.
Não deveríamos ter de viver na sujeira e na miséria. No entanto, nós também não devemos ter de viver em lares onde não podemos ser nós mesmos por causa dos funcionários. Onde temos medo de colocar o nosso copo na mesa porque pode marcar a madeira. Tenho visto algumas casas assim e é realmente triste.
Quando você vive na instituição seus únicos amigos são aqueles à sua volta que compartilham de sua deficiência. Raramente há qualquer oportunidade de conhecer qualquer outra pessoa.
Agora eu quero falar sobre nossas famílias. Eu sempre soube que tinha uma família, mãe, pai e minha irmã. No entanto, como eu estava crescendo como uma criança na instituição, eu realmente não os conhecia. Eu tenho outros amigos que nunca mais viram seus pais. Muitas vezes eles tinham irmãos e irmãs que eles não sabiam que existiam. Seus irmãos e irmãs também não sabia que eles existiam.
Muitas das peças importantes de nossas vidas nunca foram documentadas. Quando passamos de instituição para instituição nossa história foi-se perdendo. Nossas amizades e relacionamentos não eram conhecidos. Às vezes, quando deixamos uma instituição querem que a gente deixe nossa vida anterior para trás. Eles querem que a gente só viva uma nova vida. Eles esquecem que ter vivido na instituição é parte da nossa história, parte de nossa vida.
Nossos irmãos e irmãs não podem saber quem somos. Nossa família mais ampla nunca pôde nos conhecer e pode ainda não querer fazê-lo. Nossos vizinhos, muitas vezes, acham que somos perigosos e não devemos estar vivendo perto deles.
Geralmente é um momento muito difícil para nós quando estamos tentando aprender a nos adaptar. No entanto, na minha experiência há pouca ajuda disponível para nós ou nossas famílias. O que é esperado de nós é que simplesmente retomemos nossas vidas.
Muitos se perguntam por que eu defendo tão apaixonadamente não só fechar até a última instituição, mas também demolí-las para sempre. Por que eu já me pronunciei tantas vezes nas Nações Unidas para defender o fim das instituições.
Você vê o abuso em torno de você, as coisas cruéis que são feitas com seus amigos e se você for azarado que eles são feitas com você. Você vê a injustiça, mas é impotente para detê-la.
Lembro-me bem com a idade de quatorze anos que eu não queria ir em frente. Eu queria que tudo parasse. Eu não via nenhuma razão para viver. Eu queria acabar com a minha própria vida. Eu não tinha uma vida digna de viver. É assim para muitos dos meus amigos, mas pouco ou nada é feito para eles quando finalmente deixam a instituição.
Só 35 anos após deixar as instituições recebi tratamento para o abuso que sofri neles. Muitos de nós fomos super medicados ou nos deram medicamentos errados. Eu quase morri por conta disso. Anos mais tarde, muitos de nós que deixaram as instituições ainda usamos drogas antigas ou dosagens altas demais porque as nossas necessidades não são vistas como importante pelos outros.
Foi o meu amigo Ake da Suécia que ensinou a todos nós que viver em uma instituição não é um modo de vida humano. Eu nunca esqueci a sua mensagem.
Isto significa que em vez de nos colocar em um programa para aprendermos a nos comportar por causa do que fizeram conosco no passado, precisamos de ajuda para sarar feridas muito profundas. Os terapeutas devem parar de nos rotular como muito difícil, pois eles precisam aprender a trabalhar com a gente e satisfazer as nossas necessidades. Isso também significa que, independentemente de quando deixamos as instituições a necessidade de elaborar nosso enclausuramento deve ser reconhecida.
Finalmente, para a transformação da instituição para a vida na comunidade ser bem sucedida devemos começar a mudar a percepção da comunidade de quem nós, como pessoas com deficiência intelectual somos.
Não se trata de nos transformarmos para que possamos viver na comunidade. Trata-se de transformar a comunidade para que haja um lugar respeitado por todos. Não deve haver exceções.
É muitas vezes o preconceito, o mal-entendido e, infelizmente, por vezes, o ódio que enfrentamos que torna a nossa vida tão difícil.
Meu sonho é simplesmente isso.
Como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência diz, vamos todos viver em comunidade e respeitar os direitos de todas as pessoas. Todos nós seremos capazes de escolher viver onde e com quem queremos.
Todos nós seremos capazes de ter o apoio que precisamos para viver uma vida plena, independentemente das nossas necessidades. Todos nós seremos capazes de nos comunicar uns com os outros de uma forma significativa, independentemente de como isso é feito. Todos teremos a mesma oportunidade de fazer amigos, construir relacionamentos e pertencem à nossa família.
Acredito que todos quer dizer TODOS mesmo – não deve haver exceções. Nós vamos realizar este sonho quando a última instituição se fechar e, finalmente estaremos livres. Não haverá mais segregação e separação. Todas as pessoas receberão apoio para viver a vida que escolherem para si mesmas, não importa o que essa escolha possa ser.
Vamos realmente ter uma vida digna de viver.
Robert Martin
Robert Martin nasceu com uma deficiência intelectual em Wanganui, Nova Zelândia, e passou a infância em instituições, experimentando a dor da separação de sua família. Aos quinze anos ele começou a deixar a instituição onde vivia, para participar de um serviço para aprender a morar em uma casa. Robert finalmente mudou-se para uma residência com apoio e passou a viver de forma independente na comunidade. Foi empregado como trabalhador de Suporte em um albergue que oferece assistência residencial para 40 pessoas com deficiência intelectual.
Durante o tempo que viveu em instituições Robert viveu em primeira mão o tratamento terrível que muitos de seus companheiros tiveram que suportar. Dentro do ambiente anormal da instituição, Robert desenvolveu comportamentos desafiadores como uma resposta às condições ambientais e sociais e restrições. Nas palavras de Robert, ” estava agindo normalmente em um ambiente muito anormal”. Mesmo depois de deixar as instituições e utilizar os serviços para pessoas com deficiência, Robert continuou a observar o comportamento da equipe que foi abusiva e humilhante com os que recebiam o tratamento.
Robert passou a viver e trabalhar na comunidade, mas se manteve em contato com seus amigos. Ele foi convidado a integrar o Comitê do Poder local e doou o seu tempo ao trabalho do Grupo local Pessoas Primeiro. Seu trabalho foi reconhecido e ele se tornou um líder dentro do movimento de auto-defensores na Nova Zelândia.
Seu próximo passo foi o movimento de Auto-Defensores Internacional promovido pela da Inclusion International.
Robert logo se tornou presidente do Comitê Internacional Auto-Defesa e membro do Conselho da Inclusion International. Neste papel Robert viajou por todo o mundo e sua liderança é reconhecida tanto dentro do movimento de auto-defensores como na Inclusion International.
Robert é também membro de dois outros comitês internacionais, a Aliança Internacional de Deficiência (IDA)e do Painel de Peritos para a Normas das Nações Unidas para Pessoas com Deficiência.
Robert visitou as Nações Unidas em Nova York duas vezes por ano durante cinco anos para ajudar a desenvolver a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ele acredita que a Convenção está ajudando a superar algumas das discriminações que muitos de seus amigos com deficiência intelectual enfrentam em suas vidas diárias.
Robert é um forte defensor dos direitos das pessoas com deficiência e seu trabalho foi reconhecido em 2008 pelo Governo da Nova Zelândia, quando ele foi premiado com um membro da Ordem do Mérito da Nova Zelândia. Ele também foi premiado com uma bolsa por Paul Harris do Rotary.
Robert é um orador muito hábil e tem falado em várias conferências internacionais e eventos.
No link abaixo, reportagem em inglês sobre Robert Martin
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