Por Maria Teresa Eglér Mantoan* - Edição: Leandra Migotto Certeza - Jornalista.
A inclusão rompe com os paradigmas que sustentam o conservadorismo das escolas, contestando os sistemas educacionais em seus fundamentos, questionando a fixação de modelos ideais e a normalização de perfis específicos de alunos, a seleção dos eleitos para freqüentar as escolas e com isso produzir identidades e diferenças, inserção e/ou exclusão. O poder institucional que preside a produção da identidade e diferenças define como normais e especiais não apenas os seus alunos, como também suas escolas.
Os alunos das escolas comuns são normais e positivamente valorados e os alunos das escolas especiais, são os negativamente concebidos e diferenciados. Quem reparte fica com a melhor parte e os que têm o poder de dividir são os que classificam, formam conjuntos, escolhem os atributos que definem os alunos e demarcam / decidem quem fica e quem sai dos mesmos, ou melhor, quem é incluído ou excluído dos agrupamentos escolares.
Os sistemas educacionais constituídos a partir da oposição - alunos comuns e especiais se sentem abalados com a proposta inclusiva de educação, pois não só criaram espaços educacionais distintos para seus alunos, a partir de uma identidade específica, como também esses espaços estão organizados pedagogicamente para manter essa separação, definindo as atribuições de seus professores, currículos, programas, avaliações, promoções dos que fazem parte de cada um desses espaços.
Ambientes escolares inclusivos são fundamentados em uma concepção de identidade e diferenças, em que as relações entre ambas não se ordenam em torno de oposições binárias (normal/especial, branco/negro, masculino/feminino, pobre rico). Neles não se elege uma identidade como norma privilegiada em relação às demais. A identidade normal é tida sempre como natural, generalizada e positiva em relação às demais e sua definição provém do processo pelo qual o poder se manifesta na escola, elegendo uma identidade específica pela quais as outras são avaliadas e hierarquizadas. O poder que define a identidade normal, detido por professores e gestores próximos ou mais distantes das escolas, se enfraquece diante dos princípios educacionais inclusivos, nos quais a identidade não é entendida como natural, estável, permanente, acabada, homogênea, generalizada.
Na perspectiva da inclusão escolar, as identidades são transitórias, instáveis, inacabadas e, portanto, os alunos não são categorizáveis, não podem ser reunidos e fixados em categorias, grupos, conjuntos, que se definem por certas características arbitrariamente escolhidas.
[...] a diferença (vem) do múltiplo e não do diverso. Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre um processo, uma operação, uma ação. A diversidade é estática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é ativa, é fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças – diferenças que são irredutíveis à identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multiplicidade estende e multiplica, prolifera, dissemina. A diversidade é um dado – da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um movimento. A diversidade reafirma o idêntico. A multiplicidade estimula a diferença que se recusa a se fundir com o idêntico (Silva, 200, pp100-1001).
Atribuir a certos alunos identidades que os mantém nos grupos de excluídos: dos alunos especiais, com necessidades educacionais especiais, com deficiências, com problemas de aprendizagem é tudo o que a inclusão não admite. E não cabe fixar em outros alunos uma identidade normal, que não só justifica a exclusão dos demais, como determina alguns privilegiados. Por esses motivos é que entendemos a escola inclusiva como escola das diferenças e que a defendemos como uma escola democrática e de todos. Precisamos reconhecer o seu papel da escola na constituição de uma sociedade em que o sistema educacional não ensina a exclusão de alguns alunos como especiais e que entendem as diferenças como coletivas e de base igualitária.
Aos pais, professores, educadores destaco estas idéias (tão sumariamente organizadas!), esperando que possam ser um bom motivo para que se juntem a todos os que lutam em favor de uma formação escolar pautada nos princípios inclusivos, como prescreve a Constituição Brasileira de 1988 e os mais recentes e avançados documentos sobre os direitos humanos, entre os quais a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, instituída pela Assembléia das Nações Unidas, desde 2006; a qual o país é signatário desde 2007, tendo-a como emenda constitucional.
Referência: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes 2000.
*Maria Teresa Eglér Mantoan, professora da Faculdade de Educação e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferenças – LEPED da Universidade Estadual de Campinas.
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