quarta-feira, 1 de maio de 2013

Direitos iguais aos trabalhadores com deficiência


Trabalhador com deficiência tem direito a plano de carreira

Fonte: Rede SACI em 10/11/2003

Gerente da IBM relata sua experiência e iniciativa da empresa em seminário da IBC

Leandra Migotto Certeza**

SÃO PAULO/SP - Com formação universitária Eliane Ranieri se considera uma exceção em seu país. "A grande maioria das pessoas com deficiência ainda nem consegue sair de suas casas, quanto mais estudar e se qualificar profissionalmente". Quando começou a procurar emprego encontrou muitas dificuldades. Devido à poliomielite foi usuária de muletas e hoje de cadeira de rodas. Sempre encontrou barreiras para realizar testes de admissão. "Depois de passar no processo de seleção, me convidavam para visitar a empresa para ver se eu conseguiria ficar lá". Em muitas ela trabalhou sem as mínimas condições de autonomia física, como ir ao banheiro e almoçar no refeitório.

"Eu sempre dei um jeito para conseguir permanecer no emprego". Quando passou na seleção para uma vaga na IBM não imaginava que iria encontrar um pouco mais de acessibilidade. "Naquela época, infelizmente, fiquei espantada de ver banheiros adaptados e rampas na empresa. Depois percebi que era uma questão cultural por ser uma multinacional. Creio que ainda é preciso conscientizar os brasileiros em relação à inclusão de pessoas com deficiência, apesar de 10 mil pessoas por mês se tornarem paraplégicas devido a acidentes de trânsito. Isso é muito mais do que as conseqüências de uma guerra".

A IBM se preocupa com a diversidade desde 1914, devido à Segunda Guerra Mundial. Diversos programas de inclusão são desenvolvidos, contemplando as diferenças de gênero, raça, nacionalidade, identidade sexual, idade, e deficiência. Hoje no Brasil existem 19 funcionários com alguma deficiência física, visual e/ou auditiva ocupando diversos cargos de acordo exclusivamente com sua qualificação profissional. "Nosso maior objetivo é aumentar o número de contratações de forma qualitativa e democrática. Para isso, além de flexibilizarmos os perfis das vagas, investimos em cursos de qualificação. Temos 5 mil funcionários sem deficiência, por isso ainda estamos começando o processo de inclusão. Temos muito o que fazer!", declarou a agora gerente de Operações e Vendas da IBM.

Em relação à acessibilidade a empresa re-avaliou suas instalações. Implantou sistemas de voz nos elevadores e botões em altura compatível, reformou banheiros de acordo com as necessidades dos deficientes físicos, adaptou os auditórios com lugares acessíveis e rampas, entre outras melhorias. "O mais importante é que a IBM vê a inclusão de pessoas com deficiência como uma questão de competência e cidadania, e não de forma assistencialista. Para isso, envolvemos todos os setores, desde os gerentes, passando pelos funcionários até os fornecedores. E o plano de carreira é um direito de todos", concluiu.

Informações: IBM - e-mail: eliane@br.ibm.com

Mercado de trabalho inclusivo


Seminário da IBC: "Projetos para Contratação e Inserção de Pessoas com Deficiência"

Fonte: Rede SACI em 07/11/2003

Empresas compartilham experiências em inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Leandra Migotto Certeza**

SÃO PAULO/SP - "Todos têm direito ao trabalho? Então, por que ainda é mais difícil encontrar pessoas com deficiência no mercado?", questionou a Procuradora do Ministério Público do Trabalho, Dra. Adélia Domingues, dia 23 de outubro durante a 5º edição do seminário da IBC "Projetos para Contratação e Inserção de Pessoas com Deficiência", em São Paulo.

Segundo o IBGE existem 24,5 milhões de habitantes com algum tipo de deficiência, o que corresponde a 14,5% da população brasileira. Sendo que 550 pessoas por dia ficam paraplégicas devido a acidentes de trânsito. Segundo a advogada Renata Quartim, aposentar as pessoas só gera gastos à sociedade que paga seus impostos, pois essas pessoas têm direito de continuar produzindo renda para o país. Recente pesquisa da Fundação Banco do Brasil e Getúlio Vargas, dos 26 milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil (2%) têm deficiência física, mental, auditiva, visual e/ou múltipla (união de duas ou mais deficiências). O que fazer diante dessa realidade? Empresários e organizações não-governamentais vêem discutindo cada vez mais o tema.

"É importante trocarmos experiências para construirmos projetos de inclusão eficazes que se tornarão desnecessários no futuro", ressaltou Dra. Adélia. Para a procuradora, caso o art. 7º da Constituição Federal (proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência) fosse respeitado, não seria necessário criar Lei 8.213/91. "Ela funciona como uma política afirmativa, portanto desaparecerá quando atingirmos resultados significativos".

A lei determina que empresas com mais de 100 empregados devem destinar 2 a 5% de seus cargos em aberto com beneficiários reabilitados da Previdência Social ou com pessoas com deficiências qualificadas na seguinte proporção: 2% nas empresas com até 200 funcionários; 3% de 200 a 500; 4% quando o número de empregados for superior a 500; e, finalmente, 5% para as empresas com mais de 1.000 trabalhadores. "As empresas não são obrigadas a abrir novas vagas para contratar, e sim preencherem seu quadro de funcionários - na medida que as disponibilizarem - preferencialmente às pessoas com deficiência devidamente qualificadas para a função", comentou Dra. Adélia. Conheça a Lei 8.213/91. (http://www.mp.sp.gov.br/)

"Eu sempre batalhei muito para exercer minha profissão. Em alguns momentos, mais do que a maioria das pessoas sem deficiência. Hoje as empresas já estão mais conscientes da inclusão. Antes havia só boa vontade, e na maioria das vezes somente de forma assistencialista. Agora os gestores investem em acessibilidade física e comunicacional para que todas as pessoas consigam exercer sua cidadania. E o trabalho é a melhor forma", afirmou a gerente de operações de vendas da IBM.com. Eliane Ranieri iniciou sua carreia profissional como telefonista em 1984, e hoje atua como ponto focal dentro do PWD - People With Disabilities (Pessoa com Deficiência) do Conselho de Diversidade da IBM Brasil. Conheça mais sobre Eliane em uma entrevista exclusiva. (http://www.setor3.com.br/senac2/calandra.nsf/0/8E36E287E910CE9203256D1800730794?OpenDocument&pub=T&proj=Setor3&sec=ENTREVISTA)

Projetos como esse estão sendo cada vez mais implantados em diversas empresas como a Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL, Bauduco, Wheaton Brasil, Banco Santander, entre outras. "A maioria é formada por minorias. A sociedade é diversa. As empresas também devem tornar-se ambientes onde as pessoas se relacionem como elas são. Quem tem alguma deficiência não deixa de possuir potenciais. É preciso saber explorá-los, e não só enxergarmos as limitações", comentou Maria de Fátima e Silva, gerente da divisão de inclusão social da Gelre - empresa de colocação profissional. "Quem aqui está livre de sofrer um acidente de caro, ou ser vítima da violência com arma de fogo? E quem não vai envelhecer com alguma limitação? Vão parar de trabalhar por causa disso?" questionou Ana Cristina Souto, coordenadora do Observatório de Práticas de Inserção da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho da Rede SACI- e presidente de mesa no seminário.

"A diversidade é um dado da realidade, mas os indicadores sociais mostram que ela precisa ser valorizada (respeitada, promovida, pesar nas decisões) para que se transforme num fator efetivo de inclusão", ressaltou o gerente de segurança do trabalho, Luiz Miranda, da CPFL. Já para Célia Granata - coordenadora de recursos humanos - ter funcionários com deficiência na Bauducco valorizou a imagem da empresa e humanizou o ambiente de trabalho. "Somos os pioneiros a sermos certificados pela APAE/SP (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) com o selo, Parceiros pela Inclusão." "O trabalho é um direito, antes de tudo", esse é o lema da Wheaton Brasil, empresa produtora de vidros. Para Luiz Fontana - gerente de recursos humanos - as pessoas com alguma deficiência têm a capacidade de produzir como os demais funcionários, apenas precisam de uma oportunidade para mostrarem seu potencial. 

Informações: IBC - http://www.ibcbrasil.com/dp30337/ ou 

Exemplo de empresas inclusivas


Panettone com gosto de cidadania

Fonte: Rede SACI em 2/11/2003

Bauducco cumpre a Lei de Cotas e pretende contratar mais pessoas com deficiência

Leandra Migotto Certeza*

A Bauducco tem orgulho em contar as histórias de vida dos 23 funcionários com deficiência mental contratados com registro em carteira, e dos 20 estagiários, além dos com alguma deficiência auditiva. Antes da Lei 8.213/91 começar a ser colocada em prática, a empresa já tinha funcionários com deficiência em seu quadro. E desde abril desse ano ampliaram a contratação com a parceria da APAE-SP. Mais de trinta milhões de panettones têm o selo "Parceiros pela Inclusão" concedidos pela associação. Segundo os gerentes de recursos humanos é uma parceria comprometida com a cidadania. Todos os funcionários com deficiência mental são monitorados pelos profissionais da APAE e avaliados de acordo com o seu desempenho. Quando é necessário, realizam mudanças de posto, reforço na qualificação e/ou desligamento da empresa.

"Não agimos de forma assistencialista, e os reencaminhamos à APAE quando necessário. Esse trabalho tem sido muito gratificante, pois cada ano que eles trabalham na empresa equivale a três dentro da associação. Eles evoluem muito exercendo a cidadania. Os deficientes mentais se comunicam com os auditivos sem nenhum problema. Isso é inclusão", afirmou Célia Granata - coordenadora de recursos humanos da Bauducco. A empresa valoriza a diversidade natural do ser humano como a forma mais verdadeira de enriquecer as relações entre as pessoas. Acreditam que aprendem mais do que ensinam, pois existem funcionários com deficiência com tanto empenho para o trabalho que às vezes até ultrapassam a produção diária dos outros sem deficiência. Além disso, a maioria dos funcionários deficientes, além de receber todos os benefícios da empresa igualmente, tem como principal fonte de renda familiar o salário conquistado na empresa.

"As famílias ficam muito felizes com essa oportunidade de independência dos seus filhos e começam a acreditar mais no potencial deles. Todos os problemas que encontramos foram resolvidos com profissionalismo e não assistencialismo", afirmou Célia. Além da parceria com a APAE-SP, a Bauducco pretende estender as contratações à pessoas com deficiência física e visual, em conjunto com o Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência e com a Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo. Todos os funcionários deficientes mentais e/ou auditivos trabalham em diversos setores da fábrica e não ficam segregados em um só. A Lei 8.213/91 já está cumprida com 10% dos funcionários com deficiência, porém a empresa continuará contratando esses funcionários sempre que disponibilizar vagas compatíveis com a qualificação deles. "É um trabalho acima de tudo social", concluiu Célia.

Informações: Bauducco - e-mail: celiac@bauducco.com.br ou tel: (0xx11) 6421-9497.

Profissionais com deficiência em ação


A energia da diversidade

Rede SACI em 18/11/2003

Companhia Paulista de Força e Luz tem projeto de inclusão de pessoas com deficiência

Leandra Migotto Certeza**

SÃO PAULO/SP - Há um ano e meio a Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL iniciou um amplo e eficaz projeto de inclusão de pessoas com deficiência. Acreditam que não há valorização da diversidade sem ações afirmativas. Dos 4.065 funcionários das 5 unidades, 83 tem deficiência, sendo que 15 com deficiência física, 57 auditiva, 6 visual, 1 múltipla e 4 são reabilitados pelo INSS. "Acreditamos, como afirmou um amigo meu, que diversos não são os outros, mas todos nós, com nossas características físicas, idéias, experiências de vida, condições de saúde, crenças, religiões, valores, expectativas e diferentes perspectivas diante do mundo. Todos juntos podemos trabalhar para uma empresa melhor, num mundo melhor para todos", declarou Luiz Miranda - gerente de segurança do trabalho.

Com o compromisso de seguir certificações importantes como SA 8000 e os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social, a CPFL preza a segurança dos funcionários, portanto pessoas com deficiência não podem ser admitidas como eletricistas. Segundo o MP, ser segurança e/ou policial com porte de arma de fogo e motorista profissional também são profissões proibidas por lei às pessoas com deficiência. Outro diferencial da CPFL é que mesmo tendo um elevado índice de funcionários com grande probabilidade de perda audição, não os incluiu de imediato na cota para cumprir a lei. Pois MP considera deficiente auditivo quando o exame audiométrico detectar perda de audição social. É por isso que ainda pretendem contratar 109 profissionais com deficiência para cumprir a cota.

"Com certeza a saudável convivência com essas pessoas em nossa vida melhora a relação entre elas. Eu tive o privilégio de ter um professor com deficiência física que me ensinou muito sobre as relações humanas. Hoje é diretor da UNICAMP e gosta da nossa postura na CPFL. Acredito que a cidadania é um direito de todos. Temos um funcionário deficiente auditivo que cursou uma universidade, casou e teve dois filhos. Nos sentimos orgulhosos de fazermos parte de sua vida respeitando seu direito de trabalhar. Acreditamos que a diversidade é um valor", concluiu Luiz.

Informações: CPFL - http://www.cpfl.com.br/

Experiências de trabalho inclusivo


Da transparência à visibilidade

Fonte: Rede SACI em 19/11/2003

Fábrica de vidros faz avaliações de rendimento iguais com todos os seus funcionários

Leandra Migotto Certeza*

SÃO PAULO/SP - Em 2000, quando iniciou o programa de empregabilidade de funcionários com deficiência, a fábrica de vidros Wheaton Brasil tinha apenas nove. Hoje, conseguiu aumentar qualitativamente para 124. Sendo que 49 tem deficiência física, 61 auditivo, 6 auditivo/físico, e 8 mentais. As parcerias com associações como APAE e a SERT, auxiliaram bastante as contratações, porém 70% foram admitidos graças às indicações dos próprios funcionários da empresa que conheciam alguém ou tinham algum parente com deficiência. "A falta de escolaridade foi resolvida com cursos de qualificação e flexibilização das funções. Apenas na àrea de fusão de vidros não temos funcionário com deficiência, por motivo de segurança. Mas, não fazemos nenhuma distinção no uniforme do funcionário pois acreditamos que todos devem tomar cuidado uns com os outros", declarou Luiz Fontana, gerente de Recursos Humanos.

Os treinamentos e/ou processos de seleção são feitos junto com os demais funcionários, assim como as avaliações de rendimento. Quando um funcionário não corresponde às necessidades da empresa recebe o mesmo tratamento, sendo ou não uma pessoa com deficiência, e é desligado do quadro caso seja necessário. Não tem uma postura assistencialista de reter o colaborador apenas por apresentar alguma deficiência.

Também não realizam reuniões específicas com esses funcionários e o chamado 'padrinho' (responsável por acompanhar por um tempo o deficiente mental na empresa) trabalha junto com o novo colega com deficiência somente quando necessário. E conforme o seu desempenho e ambientação dentro da empresa - pode, se necessário - deixar de acompanhar esse funcionário.
Desta forma, não agem com assistencialismo, e sim proporcionam autonomia e independência aos funcionários com deficiência.

"A visita do Ministério Público do Trabalho foi fundamental para alavancarmos o programa social da empresa. Constataram a seriedade do nosso trabalho, e nos incentivaram a apresentarmos o programa de inclusão em diversos seminários em vários Estados. Somos avaliados a cada seis meses pelo MPT e, por enquanto, estamos no caminho certo. E mesmo antes do prazo concedito por eles, já havíamos cumprido a Lei 8.213/91. Buscamos a qualidade nas contratações de todos os funcionários. Já até 'perdemos' grandes funcionários para outras empresas. Isso é gratificante para nós porque acreditamos na importância da responsabilidade social", concluiu Luiz.

Informações: Wheaton - e-mail: grh@wheatonbrasil.com.br ou tel: (0xx11) 4355-1834.

Mundo do trabalho inclusivo


Falta de qualificação não é desculpa para deixar de contratar pessoas com deficiência

Fonte: Rede SACI em 20/11/2003 

Apesar de ainda em número insuficiente, existem programas de capacitação desses profissionais

Leandra Migotto Certeza*

SÃO PAULO/SP - O SENAI capacitou para o mercado de trabalho, entre 2001 a 2002, mais de 435 pessoas com deficiência visual, 884 com auditiva, 375 mental, 866 física e 27 com múltipla. Além disso, hoje 80 docentes sabem ler o sistema Braille para cegos e/ou deficientes visuais, e 230 estão estudando Língua Brasileira de Sinais à distância. Ainda é um número insuficiente em relação aos apenas 3 mil alunos com deficiência que estão cursando o ensino médio desde 2000. Porém, a falta de qualificação, segundo Maria de Fátima e Silva, gerente da Divisão de Inclusão Social da Gelre, não deve ser usada como desculpa pelas empresas para não se contratar esse profissional.

Segundo Fátima, em 1998, o Programa Nacional para Pessoas com Deficiência do Ministério Público do Trabalho investiu R$ 4 milhões para treinar 21 mil pessoas com deficiência em cursos de massagista, marcenaria, auxiliar de cozinha, fotografia, estética, telemarketing, informática, panificação, jardinagem, entre outras atividades profissionais. "Esses profissionais procuram uma oportunidade de exercerem sua cidadania gerando renda para o país, além de retornar o quanto foi investido em sua formação. As empresas devem cada vez mais valorizar esse potencial", afirmou. Em uma pesquisa realizada em 2000, constatou-se que, dos 8.570 currículos existentes no banco da Gelre matriz em São Paulo, 250 pessoas com deficiência possuem pós-graduação, 3037 nível superior, 3953 concluíram o ensino médio, e 1283 o ensino fundamental.

"Essa mão de obra precisa ser absorvida pelas empresas. Para isso, flexibilizar os perfis das vagas e investir em cursos profissionalizantes adequados é fundamental. Acredito que a acessibilidade atitudinal ainda é mais difícil do que a física. É preciso quebrar tabus e pré-conceitos, conhecendo as pessoas como elas são com defeitos e qualidades, não venerando nem ignorando ninguém. Afinal, quem definiu o padrão de normalidade? A sociedade é diversa por natureza!", concluiu.


Dia Internacional do Trabalhador

Queridas leitoras e queridos leitores do Caleidoscópio, 

O ótimo artigo do meu amigo Jorge Márcio, foi o gatilho que eu precisava para começar a elaborar uma crônica muito dolorosa e deliciosa que eu estou carinhosamente gestando (no intelecto e na alma) há anos sobre a minha vida laboral e carreira como jornalista com deficiência física desde 1998. 

Esta nova crônica será o primeiro registro da minha trajetória pelo mundo do trabalho, assim como foi a crônica "Ser e Estar" (http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=6186), sobre minha vida escolar, que foi premiada em Classificação de Excelência no “Concurso de Periodismo y Comunicación Sociedad para Todos” na Associación Capital Humano na Colômbia em 2003.

A crônica foi publicada em diversos portais, além da obra: “Educação Inclusiva: o que o professor te a ver com isso?” (pg: 81/82 da Rede SACI/ Imprensa Oficial em 2005), e um trecho na 3° edição da Revista Síndromes (pg. 32). Também foi publicada no portal Inclusão Já - http://inclusaoja.com.br, que luta em defesa do direito a educação inclusiva para apoiar às políticas públicas em prol de uma sociedade brasileira, que respeita e aceita toda a diversidade humana, começando pelo alicerce fundamental da cidadania: a educação! 

Mas como agora estou super atolada com muitos textos para escrever (quanto trabalho!), por hora, fiquem com a leitura das indicações bibliográficas do Jorge, e aguardem a minha interessante história pelo 'mundo das reportagens', desde 1996 (quando ingressei na universidade) até hoje. 

Boa leitura e ótimo dia do trabalhador! Abraços carinhosos, Leandra. 


SOMOS TRABALHADORES COM "SAÚDE"? COM DOR OU ARDOR NAS LUTAS E LABUTAS? ATÉ QUANDO?


Imagem – a figura de SÍSIFO, em uma pintura clássica de Tiziano Vecellio, datada de 1549, onde está pintado o mítico mortal que traz sobre as costas uma enorme pedra, em movimento de subida de uma montanha. Ele recebeu um castigo de Zeus, por suas ousadias, espertezas e tramas, condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada "Trabalho de Sísifo". Quem são e serão os Zeus destes tempos da Idade Mídia? Os Sísifos nós já os somos e sabemos.

“OCULTO retêm os deuses o vital para os homens, senão comodamente em um só dia trabalharias par teres um ano, podendo em ócio ficar [...] Mas Zeus encolerizado em suas entranhas ocultou, pois foi logrado por Prometeu de curvo tramar, por isso para os homens tramou pesares: ocultou o fogo” (Hesíodo – Os Trabalhos e os Dias)

Esta citação a utilizei em um texto de 2007, dentro de um artigo publicado no livro A Reforma Psiquiátrica no Cotidiano II, onde já falava, como antevisão pessoal, a resposta à indagação deste trecho onde indagava sobre a nossa saúde ao trabalhar.

O texto era sobre o Risco como potencialidade no trabalho com Saúde Mental. Estava ainda no combate cotidiano de um Caps III aqui em Campinas. Não imaginava que iria vivenciar, dois anos depois, um “acidente de trabalho”. Não tinha a resposta sobre a dor que pode nos acompanhar a cada dia nas lutas e, mais ainda, nas labutas.

Hoje, Dia Internacional do Trabalho, ou seja, do trabalha-a-dor, resolvi relembrar este artigo e o que indiquei sobre nossos riscos, principalmente os criativos, mas também os que são negados sobre a realidade dos muitos que se arriscam em todos os campos da atividade laborativa, para que o “trabalho seja um sucesso”.

Somos ainda uma mistura de Sísifos com Prometeus? Sim, pois nosso mundo hipercapitalista, gestado e gerado nos tempos das fábricas do modelo fordista, com sua serialização alienante, indo até os ambientes mais humanizados, com suas ginásticas laborativas, nos ditos tempos modernos, ainda não nos deu o direito ao “fogo” oculto por Zeus.

Aquele que Prometeu roubou há milênios era apenas o que acende e apaga. O fogo que crepita, que ilumina, resolve nosso temor do Outro na escuridão e que nos deu, como história, as nossas primeiras guerras.

O “fogo da grana” que, simbolicamente, atualmente é fugaz e consumidor, ainda nos mantêm fascinados pelo trabalho. E, contentes, como os anões da Branca de Neve, vamos com nossas hipermodernas picaretas extrair novos valores das novas e maquiadas Serras Peladas.

Segundo o sociólogo Richard Sennet estamos nos iludindo, apesar de todas as mudanças para melhor com as novas tecnologias no trabalho, já que a fugacidade de nossos empenhos nos deixa sem um objetivo maior. Nossas construções têm mais de Torres Gêmeas de Wall Street do que Muralha da China para este autor.

Ele nos indaga, com sua posição sobre o trabalho como gênese de nosso caráter, como traços pessoais a que damos valor em nós mesmos. Hoje não mais seriam os que esperamos ou buscamos para que outros nos valorizem.

Estou cercado, onde moro, por trabalhadores e os ruídos que produzem. E, invadido por sua dodecafonia intensa, pois erguem um enorme prédio, posso ver sua célere dedicação à construção, como na música do Chico Buarque.

 As suas atividades não cessam nem mesmo na hora do almoço. Devem fazer turnos para o mesmo, como nos Tempos Modernos de Chaplin. Eu os imagino sendo submetidos àquela máquina à qual Carlitos, experimentalmente, como cobaia humana, engole porcas e parafusos junto com uma espiga de milho. Uma máquina que otimiza o tempo fabril, aumenta a produção e garante, já 1936, apenas lucros. Assistam ao filme e o compreenderão como uma antevisão que nos avisa até da Sociedade do Controle.

Nessa obra prima já poderíamos incluir as indagações de Sennet: “Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato?”.

Por isso nos tornamos Sísifos? Por essa velocidade que temos de ter e responder socialmente que não nos deixa ver o fardo que nós carregamos, descarregamos e, inconscientes, novamente carregamos até o monte final e imediatista do lucro.

Não bastou terminarem o grande prédio, a ser totalmente comercial, e, na outra esquina, da mesma rua, grandes máquinas e seus operadores já batem as estacas de outro “empreendimento totalmente vendido”.

A não sinfonia dos motores, serras, brocas, martelos, e, imagino, das mãos sôfregas reinicia uma jornada prometeica. Há trabalho, há riscos e há necessidade de mais uma construção. Surgirá ali mais um templo para os trabalholatras e sua trabalholatria.

O novo momento imediato comprova que novas massas e cimentos, assim como a de homens, se formam/reproduzem para erguer, apesar da dor e do cansaço um novo espaço para outros trabalhadores ou adoradores do próprio umbigo trabalhista.

Em 2007, com citei, já refletia que o “trabalho tem em sua derivação etimológica um componente indicativo de uma das  suas possibilidades de afetar a saúde de quem o exerce”.

Hoje, à tarde, tive de fechar os olhos,o nariz, a boca e os ouvidos. Estavam lançando quilos e mais quilos de poeira da obra. Eles, os trabalhadores em atividade, não pensavam no que inalavam e nem o que, aos transeuntes, impunham como castigo prometeico também.

Segundo a história do trabalho, este termo deriva de ‘tripalium’, do latim, que eram os três paus ou estacas de madeira utilizados para a ‘tortura’ de quem recebia por e para ser um escravo.

 Aquele Império, o mesmo que nos legou o Direito, se sustentava com essas práticas e com o ‘sal-ário’ (salário) utilizados para o disciplinamento e submissão dos corpos que alicerçavam e pavimentaram os monumentos e as Vias Ápias de Roma e de todo o Império.

Os nossos gregos, hoje desempregados e não mais clássicos senhores ou patrões, há alguns milênios nos distinguiram a diferença entre os radicais: “erg”“pónos”. O ergón se aplicava apenas ao trabalho agrícola, à mão na enxada. Este radical está no meu nome: George = agricultor, aquele que trabalha terra.

Já o “pónos’ poderia ser traduzido como ‘fadiga’. É este o trabalho árduo, o dos que carregam as pedras, como Sísifo, e é o termo grego para um dos males que saiu da jarra de Pandora, aplicados aos homens por Zeus. Os ‘males’ que nos restaram como punição a Prometeu que ousou nos entregar o fogo divino.

Nessa mitologia, que aproximo dos nossos dias incendiados da modernidade cansada pela cultura do medo, repetimos, neurótica e histericamente, a submissão dos nossos corpos adestrados, já que “tendo escondido o fogo (pyr), o homem, desfalcado, precisa trabalhar”.

Dessa constatação é que deriva a minha frase: “o Trabalho não dignifica o Homem. O Trabalho Danifica o Homem”, quando se torna escravizante, idolatrado, ocultador de valores, indigno, explorador das vulnerabilidades, desumano, contrário aos Direitos Humanos e pseudo-includente, ou seja, cria, como no caso de pessoas com deficiências, um espaço reservado, porém, sempre subalterno e submetido de quem é incluído.

Por isso, indo além da histórica greve de Chicago, passando, hoje, para as fábricas de roupas de marca que exploram imigrantes, deve-se reconhecer, como Hesíodo, que há “diferentes trabalhos”, assim como “diferenças no trabalho”, como a raça, a orientação sexual, as deficiências ou o gênero, que podem nos trazer ‘dias’ muito díspares. Uns mais duros do que outros. E, as greves já não têm os mesmos objetivos e ideais.

Por exemplo, aos trabalhadores que assisto de minha janela, distante da ‘mão na massa’, só parece restar muito mais ‘pónos’, estafa, exaustão e novas pedras para rolarem. Porém, reconhecendo que não há trabalho sem estes riscos, tento ver nos seus rostos um pouco mais que o suor. Há também sua possibilidade de construção e não corrosão de seu caráter.

Esta perspectiva de um futuro para todos e todas, trabalhadores e trabalhadoras, hoje termos que já não tem os mesmos significados e significantes do passado, exige de nós a construção de outro “prédio” a que chamarei de a Torre de Pisa da ética do trabalho. Um monumento que deverá ser mantido e preservado.

Somos agora, nesse instante das redes e da inteligência coletiva, passíveis de construirmos um novo equilíbrio, uma nova edificação para além das reengenharias, um novo e consistente modo de receber pelo que fazemos ou criamos ou inventamos.

Porém, enfim, será necessário que os sabotadores de nós mesmos, que tenhamos a ideia e não a ilusão de que nossos trabalhos, cada dia mais ‘especialistas’, não são uma ditatorial fonte da Vida.

Não podemos alegar, toscamente, que, por exemplo, se um jovem pode ter alguns “privilégios” como o trabalho com carteira assinada, sua maioridade penal já está consubstanciada por essa condição. Muitas vezes esses trabalhos não são nem serão sua garantia para o usufruto de direito dos bens sociais.

Em tempos de cultura e culto do Medo e da ideologia de segurança privada para alguns, com outras tendências microfascistantes do viver, é urgente que nesse cenário se produzam novas cartografias, novos agenciamentos e encontros, com a suavidade e a inversão de nosso temor de sermos tocados.

Outrora, na escuridão das noites pré-históricas, nos reuníamos em torno do fogo, e nos aproximávamos uns dos outros. Nossa sobrevivência dependia do Outro. Hoje, individualistas e tementes dos riscos, embora eles sejam imanentes a quaisquer trabalhos, aceitamos e naturalizamos quaisquer formas de escravidão, desde as visíveis até as mais sutis.

Voltei ao meu ‘trabalho’ escrito de 2007. Voltei também a refletir sobre a busca de um modo menos endurecido e cristalizador de trabalhar.

O ato de escrever não é, nem será menos nem mais do que aquele trabalho que vejo, sinto e escuto tão perto de minha janela, do meu chão, do meu teto. O que eles constroem para o trabalho futuro de outros também deveria ser mais “ergonômico”, e, dentro da minha visão, menos árduo, sem o temor de construir sincera e eticamente uma torre aparentemente torna e inclinada com estas letras.

Quando a dor ou o ardor do trabalho dos outros me afeta, e os resíduos ou entulhos ideológicos são lançados fora, abrimos novas portas e janelas para formar coletivos criativos de devir afetuoso.

Há futuro para os trabalhadores e trabalhadoras, no meu desejo, se não tememos ousar romper as correntes, visíveis e invisíveis, das estigmatizações, dos preconceitos, das segregações, das flexibilizações, da negação dos direitos adquiridos e conquistados, das ausências de dignidade, das explorações que ainda se perpetuam em nosso país.

O relógio de abertura dos Tempos Modernos não para. O tempo digital não perdoa. A nossa finitude é que continua a mesma, e continuará... Vamos escolher: dor ou ardor? Ou ambas? Ou não?

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2013/2014 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massas)

Termos e referências ligados ao texto (na Internet):



Dia do Trabalhador 

Tempos Modernos (1936) – Charles Chaplin – (legendado de português, mas ainda não audiodescrito) http://www.youtube.com/watch?v=_kh8QRoe8Bw

LIVROS/AUTORES CITADOS –

OS TRABALHOS E OS DIAS – Hesíodo, Editora Iluminuras, São Paulo, SP, 1990.

A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO COTIDIANO II – Emerson Elias Mehry & Heloisa Amaral (Orgs) – O Risco como Potencialidade no Trabalho com Saúde Mental – Jorge Márcio Pereira de Andrade (págs. 82 a 106), Editora Hucitec, São Paulo, SP, 2007.

A CORROSÃO DO CARÁTER – Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo – Richard Sennet, Editora Record, Rio de Janeiro, 2001.

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