“A escola ideal e inclusiva é aquela que respeita a capacidade e as necessidades do aluno com deficiência”.
Por Leandra Migotto Certeza - jornalista.
Por Leandra Migotto Certeza - jornalista.
Entrevista com Samara Andresa Del Monte
A estudante de 21 anos mora em Diadema (SP), está no segundo ano do curso de Jornalismo na Universidade Paulista – UNIP, e há cinco anos é editora da revista “Mais (D) Eficiente”. Segundo ela, é um importante espaço para avaliar o quanto a sociedade é deficiente em muitos aspectos.
Samara estudou até os 14 anos em escolas especiais, por não ter sido aceita em escolas regulares, devido a sua deficiência física. Hoje seus projetos são se formar e trabalhar na profissão que escolheu. Sarita abre uma das edições de sua revista com a seguinte frase: “Antes de tentar, não diga que você não consegue. E se você conseguir? Você não tem uma pessoa a toda hora com você. Então, tente! As coisas que parecem ser impossíveis podem se tornar possíveis; só depende de você”. Um grande incentivo aos educadores.
Caleidoscópio: Conte um pouco sobre sua vida.
Samara: Quando nasci o cordão umbilical estava enrolado no meu pescoço e faltou oxigênio no cérebro, então tive Incapacidade Motora Cerebral (conhecida antiga Paralisia Cerebral). Uso cadeira de rodas para me locomover, o sistema Bliss para me comunicar, e escrevo apenas no computador. Amo ouvir música.
Caleidoscópio: Quem são seus amigos? Qual a importância da sua família em sua vida?
Samara: A minha família é fundamental para mim. Devo a ela tudo o que consegui. Ela me incentiva e auxilia muito para que eu possa fazer as coisas como qualquer pessoa. Tenho amigos que estão comigo desde pequena, amigos recentes como os da faculdade e os de todas as idades.
Caleidoscópio: Como foi o seu processo educacional? Estudou em escolas especiais em instituições (somente com alunos com deficiência) ou em escolar regulares junto com todos os alunos?
Samara: Desde pequena queria estudar em uma escola igual a da minha irmã. Mas entrei para escola especial com 4 anos, e aos 7 anos estava alfabetizada. Mas somente com 14 anos encontramos uma escola regular que aceitasse fazer a minha inclusão. Foi a Espaço Livre. Antes estudei nas escolas especiais: Aptho, Bela, Quero-Quero, e Centro de Reabilitação Uniban. Só fiz o supletivo do ensino médio e a universidade em estabelecimentos de ensino regulares.
Caleidoscópio: Como era a acessibilidade física em cada uma dessas escolas? Em quais escolas você encontrou mais dificuldades para estudar? E em quais encontrou mais facilidade?
Samara: As escolas especiais tinham acessibilidade. A escola Espaço Livre era térrea, então não havia dificuldade. Na que eu fazia o supletivo tinha uma escada e precisava que alguém ajudasse. A UNIP é adaptada com: elevador, banheiro adequado, vaga reservada para estacionar o carro, e computador para eu fazer as provas.
“Educadores: as portas de sua escola e de seu coração para um aluno com deficiência, vocês não vão se arrepender” - Samara.
Caleidoscópio: Você passou por situações de preconceito e discriminação em alguma dessas escolas?
Samara: Quando eu estava na 7ª. Série - na aula de educação artística - fiz o primeiro desenho e, para o segundo, o meu colega pediu uma folha. A professora pegou o meu desenho, olhou, virou no verso e deu para ele, como se o meu simplesmente não existisse. Alguns professores do ensino regular me consideravam um objeto: quando eu tinha dúvidas, precisava me movimentar muito para eles me olharem e mesmo assim ignoravam. Os colegas no início me ajudavam muito, depois ajudavam algumas vezes.
Caleidoscópio: Os colegas de sala e os professores da universidade te aceitam e respeitam as suas características? Quais são as adaptações físicas, e de comunicação que utiliza para estudar?
Samara: A UNIP respeita os alunos com deficiência. Os meus colegas demoraram um pouco para chegar até a mim, mas agora já somos amigos, e eles consideram muito as minhas opiniões, quando fazemos trabalhos em grupo, por exemplo. Alguns professores têm mais facilidade em me entender, outros nem tanto. Sabendo disso, tenho uma acompanhante para intermediar a minha comunicação, e agilizar o registro das aulas. Não há adaptações físicas, pois na própria cadeira de rodas já tem uma mesa acoplada. As salas são acessíveis, e a UNIP disponibiliza uma vaga no estacionamento dentro da própria universidade. Para estudar, leio os textos normalmente, mas preciso de alguém para escrever. Esse ano quem me ajuda é a minha irmã Sarita. Quanto às provas, levo meu laptop, digito com o sistema de comunicação Bliss (com o auxílio de um capacete e uma ponteira), e a Sarita redige na folha. Se precisar, os professores permitem que eu fique até depois do horário para terminar a prova.
Caleidoscópio: Quando começou a escrever e a editar da revista Mais (D) Eficiente? Como surgiu a publicação?
Samara: A revista foi lançada em 2001, de forma bastante artesanal. Depois, com ajuda de colaboradores, ela foi diagramada, e impressa em gráfica com tiragem de 3000 exemplares. Faço uma por ano, e ela está na 8ª edição. A idéia surgiu para mostrar e explicar um pouco mais sobre a vida das pessoas com deficiência. Escolhi este nome porque cada vez mais há pessoas nascendo ou adquirindo deficiência. E, também, para mostrar o quanto nossa sociedade é deficiente em relação a tudo.
Caleidoscópio: O que você mais gosta de fazer na revista? Qual a importância dela para os professores que também têm alunos com deficiência nas escolas?
Samara: Tudo o que é feito na revista eu gosto muito: artigos sobre as dificuldades do dia a dia; informações sobre patologias; dicas de como se relacionar com pessoas com diversas deficiências; entrevistas com profissionais; poesias; denúncias; leis; histórias de superação; sugestões de filmes entre outros assuntos. Muitos professores têm aprendido a lecionar para os alunos com deficiência e, principalmente, a acreditar mais neles. E, digo isso, porque sempre recebo mensagens de professores dizendo o quanto foi importante para eles conhecerem a revista, e também recebo convites para dar palestra em escolas.
Caleidoscópio: Como você acha que deve ser a escola ideal e inclusiva? E como você avalia que as escolas são hoje? O que precisa ser melhorado e o que está funcionando bem?
Samara: A escola ideal e inclusiva é aquela que respeita a capacidade e as necessidades do aluno com deficiência. Foi muito importante para a minha aprendizagem, o trabalho dos terapeutas em conjunto com os professores. Então, acredito que deveria ser assim em todas as escolas. As escolas mudaram depois das leis que garantem a matrícula dos alunos com deficiência, mas as escolas com turmas pequenas, professores capacitados, acessibilidades, têm mais condições de serem realmente inclusivas.
“Muitos professores têm aprendido a lecionar para os alunos com deficiência e, principalmente, a acreditar mais neles” - Samara.
Caleidoscópio: Quais são seus principais sonhos e projetos de vida? Qual mensagem deseja deixar para os alunos e professores que estudam em escolas inclusivas?
Samara: Muitos de meus sonhos eu já realizei e o maior de todos foi de entrar para faculdade e fazer jornalismo. Já escrevo artigos para o jornal da igreja, mas quero me formar, ser uma boa jornalista e trabalhar. A mensagem que eu deixo é: se hoje estou conseguindo o meu espaço e reconhecimento é porque um dia uma escola abriu, além de suas portas, o seu coração. Educadores: abram também as portas de sua escola e de seu coração para um aluno com deficiência, vocês não vão se arrepender.
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