quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Infantilização, discriminação e preconceito





Descrição da imagem: cartum de Ricardo Ferraz onde se vê uma mulher gritando e apontando o dedo em riste para um outra mulher e diz: "E o nome dela? Ela tem quantos anos? Como o que? Toma remédio? Será que ela consegue?". O rapaz que conduz a moça na cadeira de rodas (ambos sorrindo, 'tranquilamente') diz para a mulher que grita: "É melhor perguntar para ela?".  

Mulheres com deficiência

http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/03/todo-utero-e-um-mundo.html

TODO ÚTERO É UM MUNDO ...


Imagem publicada- Foto de Prudence Mabhena, 20 anos de idade, que é uma cantora e compositora natural do Zimbábue que nasceu com uma séria deficiência física. Ela tem de enfrentar várias barreiras e o fato de que as deficiências são vistas no país como feitos de bruxaria. Por isso mesmo a jovem muitas vezes preferiria se manter escondida a aparecer em algum palco como uma verdadeira artista. O documentário Music By Prudence (Oscar de melhor Documentário/Curta - 2010) ainda revela as agruras e estigmas que as crianças com deficiência vivenciam no Zimbábue. Uma mulher negra sentada em uma cadeira de rodas que agora irá encantar o mundo, e também tem um útero musical que não pode ser silenciado.

InfoAtivo DefNet - Nº 4359 - Ano 14 - março de 2010

“ Segundo o dicionário, o útero é o lugar onde qualquer coisa é concebida ou trazida à vida. No meu entender, não existe nada exceto útero. Ao todo, há o útero da Natureza; depois há o útero materno; e finalmente há o útero em que em que se situa a nossa vida e o nosso ser a que chamamos de mundo...”. Henry Miller (A Sabedoria do Coração)

O Dia Internacional da Mulher deve ser comemorado também como o dia de algumas mulheres, que, erroneamente, alguns consideram "especiais", principalmente porque até bem pouco eram invisíveis. Falo e escrevo sobre e para mulheres com deficiência. Estas mulheres estiveram muito tempo associadas à idéia heredológica, ou seja de eugenia, herança e de doença aplicada às deficiências. 

Conheçam a "família Kallikak". Eram elas que, segundo essa lógica, transmitiam genes defeituosos ou geravam os seres considerados 'anormais', sempre como oposição do bom, do normal e do belo. Além do estigma da deficiência elas tinham de enfrentar, duplamente, os estereótipos e discriminações que estiveram colados, transculturalmente, ao gênero feminino. 

Me lembro de quando apresentava em palestras, há alguns anos atrás, o documentário da HBO - Without a Pity: a film about Abilities, o Sem Piedade, nos tempos das fitas VHS, onde uma mulher com paralisia cerebral casava-se, tinha vida sexual, frequentava (apesar dos preconceitos) uma universidade, era cuidada pelo marido,e, por fim engravidava e tinha uma filha.

Neste documentário podia se demonstrar a possibilidade dela 'cuidar' sozinha de sua filha Tereza, com todas as dificuldades. Esta cena causava o espanto e a surpresa de muitos. Algumas interrogações me faziam ter de re-explicar que a Paralisia Cerebral não é e não era uma doença transmissível. Esclarecer que a mãe não tinha um útero potencialmente defeituoso.

Ela não deixava de ser um corpo feminino pelo fato de ter sua vida motora modificada pela anóxia que sofreu ao nascer. E mais ainda dizer que a filha não teria nenhuma deficiência, apesar de seu parto ter sido a fórceps, já que as paralisias cerebrais podem se causas por traumas obstétricos. E mais ainda que o fato de uma mulher com paralisia cerebral ter uma filha isso não tornava mais especial que todas as outras mulheres sem deficiência. Era apenas uma mulher. Uma mulher uterinamente igual às outras mulheres do mundo.

Em 08 de março de 2008 prestei uma homenagem às mulheres com um texto que interrogava: o Mundo é um útero?. Neste texto afirmei a necessidade de um resgate da suavidade no feminino, aproximando mais uma vez a Gaia, a Terra do corpo " das fêmeas-mulheres-lunares-que-menstruam, aquelas tão bem homenageadas por poetisas, como Cora Coralina e Elisa Lucinda, deveríamos realizar a necessidade de uma intensa afirmação de nosso mundo-útero, de nossa Gaia em ameaça e devastação, ora gritante ora silenciosamente. Afinal todos temem transformar nossa ‘mãe-terra’ em nosso aprisionante túmulo futuro, mesmo que não reconheçam".

Hoje após tantos tremores, inundações, transbordamentos, devastações e ventos arrasadores, precisamos continuar desejando um outro mundo possível, bioéticamente, para homens, mulheres e todos os seres vivos. É urgente e vital mantermos ativo o desejo de produção de vida e de criatividade. Como nos avisou, poeticamente, Walt Whitman dizendo qu"só desdobrado das dobras de uma grande mulher está por vir e nascer um grande homem". 

E, tristemente, reconheço que ainda não vislumbramos este nascimento. E o digo pelo fato de ainda estarmos nos negando a produção de uma nova suavidade nos encontros com o feminino, com o devir-mulher. E há mulheres que, por suas singularidades e diferenças, exigem mais ainda um outro e novo olhar para o nosso futuro. Elas trazem muitos mundos novos em seus úteros.

Há mulheres que, independentemente, se estiverem em cadeiras de rodas, sejam surdas ou com bengalas brancas e/ou com diversas estaturas, dimensões ou formas dos corpos diferentes, comprovam que todo útero é um mundo. Um mundo muito mais amoroso e amável. Um mundo onde as tormentas e as violências cessam e cedem lugar para a criação, para a poesis.

 Elas vem surpreendendo o mundo que acredita somente na uniformidade, no utilitarismo e individualismo. A sua generosa vivência da maternidade e dos afetos nos dizem que o mundo é muito mais uterino e que ele, apesar de nossos descuidos, mantêm-se gerador de vidas. Porém, não são apenas úteros mas sim corpos-vida que nos ensinam a sabedoria da não-segregação e das potências geradoras de um futuro menos triste, menos isolador, mais humanista e mais inclusivo.

Todos úteros são, por sua incomensuráveis e imprevisíveis possibilidades, múltiplos devir-mundos, e devemos também homenagear as mulheres e mães com deficiência, assim todas as outras que comprovam que o Planeta Terra, como o corpo feminino contêm tudo, a ele não falta nada, pois a elas, que não são castradas, segundo o poeta W. Whitman, devemos dedicar esta exortação-poema em seu Canto ao Corpo Elétrico:

"...Não se envergonhem, mulheres ... seu privilégio é conter o resto... ser a saída para o resto,
Vocês são os portais do corpo e são os portais da alma.
A fêmea contém todas as qualidades e as temperam ... está no lugar certo...se move em perfeito equilíbrio,
Ela é todas as coisas devidamente veladas... passiva e ativa ao mesmo tempo...
ela é que gera tanto filhos quanto filhas, tanto filhas quanto filhos..." (Folhas da Relva)


VOCÊS PODEM GERAR TAMBÉM UM OUTRO MUNDO, OUTROS MUNDOS, OUTRAS SUAVIDADES...

PS.
E uma doce e suave BRISA nos levou Johnny Alf para encantar o mundo com sua saudade... e muita bossa.

(copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010/2011 - favor indicar a autoria na multiplicação livre e através de veículos de comunicação de massa)

FONTES - DIA INTERNACIONAL DA MULHER - histórico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher
http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/home.html

MUSIC BY PRUDENCE - Diretor Roger Ross Williams
http://www.musicbyprudence.com/film/

FAMÍLIA KALLIKAK - eugenia e heredologia
http://topicosemautismoeinclusao.blogspot.com/2009/05/entre-jaulas-e-exclusoes.html

WITHOUT A PITY: A FILM ABOUT ABILITIESS - documentário - Exibido na HBO-Brasil em 1997
http://www.chrisreevehomepage.com/m-withoutpity.html

LEIA TAMBÉM NO BLOG -
EUGENIA - COMO REALIZAR A CASTRAÇÃO E ESTERILIZAÇÃO DE  MULHERES E HOMENS COM DEFICIÊNCIA -
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/01/eugenia-como-realizar-castracao-e.html

MULHERES, SANGUE E VIDA, PARA ALÉM DE SUA EXCLUSÃO HISTÓRICA
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/mulheres-sangue-e-vida-para-alem-de-sua.html