quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Colheita


Colheita

Por Leandra Migotto Certeza*

Escrevo aqui após ler este forte poema de Vinícius Blauth Chaim, sobrinho da minha também tia e amiga. Não o conheço, mas convivi por mais de 35 anos com a mesma pessoa que o inspirou a deixar esta marca na areia da vida...

Areia

Olhando direto para fogueira
Contemplando o momento
Em que eu serei nada mais do que poeira
Um dia onde não mais verei a cachoeira
Um dia onde o fim não estará próximo porém estará aqui
Melhor eu ficar quieto quando estiver perto de desaparecer
Não quero fazer ninguém sofrer

Os meus últimos momentos
Segurei aquela mão fria
Aquela mão que me amava
Aquela pessoa que chorava
Aquela pessoa que trocava sorrisos
Aquela pessoa em que chamava uma irmã
Aquela pessoa…

Piso em um chão agora
Porém, não sou, nem estou igual.

Acordei
Olhando pra cima me curei
Olhando para baixo chorei
Para todos os lados vi pessoas
Com luz, com escuro, pessoas boas

Pra baixo, vi mágoas
Vi minha família
Vi meus amigos favoritos
Eu, em um lugar com tudo
Mas também com um vão agudo

Agora estarei no mar
Estou em todo lugar
Minhas cinzas materiais
Meus sentimentos especiais

Eu penso
Um mundo crível
Um mundo de onde não verei mais
As cores do arco-íris
Os sorrisos dos meus amigos
O abraço da minha família
O sol forte e lindo
O ar macio e frio

Agora estarei no mar
Estou a perfumar
Estou aqui
Estou ali,
Não estou olhando pra fogueira

E estou
No Mar
Eu estou
Na Chuva
Eu estou
No fogo
Da fogueira
Eu estou

Na Areia

Para mim o que fica é o colheita.
Colheita de sorrisos fartos e doces de uma moça ‘diferente’ que eu conheci aos 6 anos.
De cabelos louros e pele clara, iluminou um lado da minha vida que eu não conhecia.
Foi com a convivência divertida ao lado dela que eu aprendi a amar incondicionalmente a Natureza em toda a sua grandeza e PLENITUDE.
E FINITUDE

Foi brincando de boneca-gente (empurrando seus braços duros feito robô - eu dizia), que descobri a alegria em rir da própria casca que habitamos.
Quando menina, não lembro de tê-la visto triste uma única vez…
E como me deixava feliz quando abria um sorriso e me abraçava apertado olhando para dentro da minha caixa também ‘diferente’.
Eu me sentia segura e acolhida ao seu lado...

Quando comecei a questionar tudo e não entender muita coisa, foi ela quem me mostrou caminhos tão ‘diferentes’ e possíveis, bem longe do que ‘as pessoas da sala de jantar’ (que bem fala Marisa Monte), teimava em jogar na minha cara.
Traduzia letras de música de rock e me falava que eles não eram tudo, apenas uma parte (e na maioria das vezes um pouco duvidosa…. rsrsrs).
Falava sério - olhando nos olhos - que a Xuxa não era exemplo de NADA.
Demorei um pouco para entender que o caminho da auto-aceitação não passava pela imagem distorcida de supostos modelos sociais que inocentemente acreditamos ser os melhores e únicos.

Depois veio a fase mais cheia de ensinamentos (palavra que acredito ela não gostaria que eu falasse, mas para mim foi).
Aprendi a fazer papel reciclado sendo levada - com muito carinho no colo por ela - em uma oficina em que me senti tão incluída…
Aprendi que é preciso não produzir aquilo que o homem não tem a capacidade de descartar sem agredir a natureza.
Aprendi a não adquirir materiais e embalagens sem nenhuma utilidade.
Aprendi a separar os resíduos da forma correta para a coleta seletiva.
Aprendi a comer os alimentos (principalmente as frutas) por inteiro! Mesmo que a casca de pêssego fosse horrível! rsrsrsrs

Nossos adoráveis e quentes papos sobre política (em todos os sentidos, incluindo a responsabilidade de cada uma na sociedade) me fizeram ser quem sou hoje.

Tenho na memória o dia em que vi seus olhos se encherem de água quando uma linda árvore ardia em chamas bem na nossa frente!
Pra mim ela também parecia sentir a dor daquele pedaço de natureza se esvaindo…
Por mais que ela fosse a pessoa por quem eu mais entendi o significado de FIM, parecia que no fundo ela acreditasse que a natureza era ETERNA.

Sempre divertida e estabanada… Comia com tanta vontade que a gente até ficava sem fome… rsrsrs.
Andava rápido. Falava alto. Olhava nos olhos.
Aceitava a vida… Mas no fundo, pra mim, tinha uma tristeza misteriosa…

Foi com ela que aprendi que o AMOR não se compra nunca! Nem com chantagem emocional, egoísmo ou prepotência.
E que para ser feliz lá no fundo, primeiro é preciso saber nos respeitarmos.
Mesmo que machuquemos profundamente quem amamos muito um dia…
Não era perfeita. E nem sonhava em um dia ser…

Quando ela adoeceu dei um soco muito forte no travesseiro e BERREI!!
Tão jovem… Com a vida inteira pela frente… Puta merda! Ela não!
Mas logo meu coração acalmou e chorei muito junto com uma mistura esquisita de sorrisos…
Chegou a hora dela, caramba. Assim, como vai chegar a minha!
Foi esta a MAIOR lição que aprendi com a breve mais INTENSA passagem dela por aqui.
Tudo PASSA! TUDO mesmo!!

Ainda bem que tive a GRANDE felicidade de ter tido a oportunidade de conviver com ela e aprendido tanta coisa boa sobre a vida que é tão efêmera...

Não sei quantos anos eu vou ficar por aqui. Mas enquanto durar, guardarei com muito carinho e amor, a doce lembrança da uma grande amiga-tia e saberei colher os frutos que ela plantou em mim…

Patrícia Blautch, te agradeço por ter estado ao meu lado…   
    

PS: escrevi este texto no dia do aniversário da Pat (5 de outubro) porque ela pra mim sempre será lembrada VIVA!!!      



*Leandra Migotto Certeza tem Osteogenesis Imperfecta, é
comunicadora pela Universidade Anhembi Morumbi, jornalista desde 1998 com ampla e premiada experiência em inclusão. Trabalha como consultora e palestrante em empresas, ONGs, escolas e universidades. É estudante de Jornalismo Literário - Narrativas Biográficas e de Escrita Criativa. Escreve poemas desde os 9 anos.
Lançaráo selo Caleidoscópio de biografias sobre pessoas com deficiência, e começará pela Coleção Janelas contando a sua trajetória profissional. Assina a coluna “Bate papo” no portal Sem Barreiras, mantêm 2 blogs e participa do Coletivo Mulheres pela Inclusão.