quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

“A educação inclusiva deve ser uma lição de casa para o mundo”

Entrevista com Francelene Rodrigues

Por Leandra Migotto Certeza - Jornalista.

Francelene Rodrigues, 37 anos, nasceu e sempre morou na comunidade do bairro Itaim Paulista, na zona lesta cidade de São Paulo. Tem quatro filhas adolescentes e um neto. Sua deficiência física, a tetraplegia, foi adquirida após uma violência doméstica do meu ex-marido, em 1998.

Atualmente, Francelene atua como líder comunitária onde vive; é Conselheira de Saúde do Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/AIDS Sérgio Arouca; e agente educacional de prevenção às DSTs e AIDS, por meio do projeto: “Elas por Elas”. Contribui em outro projeto com idosos, na Casa de Missão, em São Miguel Paulista, também na zona leste da cidade de São Paulo; além de participar, desde 2001, de conselhos gestores locais e regionais; e do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência.

A estudante palestra sobre inclusão social em organizações não-governamentais, se diverte, cuida da casa e dos filhos, e namora quando se identifica com alguém. “Não me curvo frente aos erros, nem admito sentimentos de pena. Sou feliz assim como sou. Não mudo. Cresço com minhas experiências. Hoje sou um instrumento de inclusão!”, destaca a professora entrevistada desta edição, contando em detalhes o seu processo educacional.

Caleidoscópio: Conte um pouco como foi o seu processo de inclusão educacional. Quais foram os maiores desafios e conquistas?

Francilene: Amo estudar. O processo educacional foi tranqüilo, até adquirir a deficiência física. Sempre estudei em escolas públicas e conclui o magistério. Complicado foi quando decidi voltar aos estudos, pois a minha matricula no ensino médio supletivo foi recusada. Precisei adquirir outros conteúdos para prestar vestibular.. Mas insisti e venci, e logo depois ingressei na faculdade, com algumas barreiras que ao decorrer do curso universitário são superadas a cada dia. Mas muitos outros obstáculos aparecerão pelo caminho até eu terminar o curso. Sei que eles precisam ser sempre ultrapassados.

"Sou feliz assim como sou. Não mudo. Cresço com minhas experiências. Hoje sou um instrumento de inclusão!” - Fracilene


Caleidoscópio: Passou por preconceitos e discriminações?

Francilene: Uma barreira inquebrantável sempre será o preconceito, que ainda existem em relação às pessoas com quaisquer tipos de deficiência no mundo, não só na faculdade. Esse sentimento, muitas vezes, vem da família; e é indiscutível que esse tema ainda seja uma barreira para muita gente. O maior preconceito foi em entender que eu mesma era preconceituosa com as pessoas e não elas comigo.

Caleidoscópio: Sempre quis ser assistente social? Qual a importância dessa profissão em sua vida?

Francilene: Decidi pela profissão, devido ao envolvimento dentro de minha própria comunidade na qual sou líder, e Conselheira de Saúde desde 2001. Sempre trabalhei em prol de melhorias para o bairro onde vivo. Amo a profissão que escolhi, e sei que mercado de trabalho está aberto, pela amplitude em conhecimentos, desafios e competências, que a área possui. Ser assistente social para mim é primeiramente ser cidadã, capaz de garantir direitos ao próximo e a si mesmo. Estou no 4º semestre do curso de Serviço Social da faculdade Unicastelo do campus de Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo. Logo que cheguei à faculdade, foram feitas adaptações para garantir a acessibilidade em quase todos os espaços, e ainda faltam alguns ajustes. Mas hoje me sinto livre para me locomover, pois fizeram rampas e instalaram dois elevadores. Fiquei muito feliz pelas mudanças.

Caleidoscópio: Como avalia a carreira para profissionais com deficiência?

Francilene: O maior desafio dessa profissão é garantir direitos. Atualmente o mercado de trabalho está aberto, mas as pessoas com deficiências precisam se capacitar ainda mais.

Caleidoscópio: Tem colegas de sala com deficiência? Como é a relação com eles? E os professores?

Francilene: Só tive contato com duas pessoas com deficiência: um que usa cadeira de rodas e outra com nanismo. Elas são muito descontraídos, e estão ali para fazer a diferença como eu. Melhorou muito para mim, porque eu me sentia um pouco ‘constrangida’, mas hoje vejo outras pessoas com deficiência pelos corredores, e logo me apresento como estudante veterana. Os professores da faculdade Unicastelo são nota dez, e sabem respeitar e compreender as limitações dos alunos com deficiência.

“Hoje me sinto livre para me locomover na faculdade, pois fizeram rampas e instalaram dois elevadores. Fiquei muito feliz pelas mudanças” - Francilene.


Caleidoscópio: Como está a educação inclusiva no Brasil? O que precisa ser incentivado e o que é necessário mudar?

Em linhas gerais, no Brasil, a educação inclusiva ainda deixa muito a desejar; primeiro porque os professores da rede pública, e mesmo da particular necessitam com urgência de capacitação, oferecida pelos seus próprios órgãos competentes. Os professores precisam também ter dedicação, paciência, consciência, competência; e o mais importante: ter aptidão e envolvimento não só porque a inclusão está na moda, e sim porque é urgentemente necessária em pleno século XXI. Mas ainda há barreiras e resistência desses profissionais. Acredito que só se faz educação se educando, e ela começa em casa. Em relação às escolas e/ou universidades acessíveis na zona leste da cidade de São Paulo, ainda deixam muito a desejar; mas sei que aos poucos os professores se dedicam a ter um olhar inclusivo.

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