Diversidade em sala de aula: contexto atual da educação.
Por Leandra Migotto Certeza - jornalista.
Por Leandra Migotto Certeza - jornalista.
A experiência de Adriangela Bonetti, com a Escola Municipal de Educação Infantil José Prestes de Guaporé no Grande do Sul, é um exemplo de que a educação inclusiva de alunos com deficiência é cada vez mais freqüente. Pedagoga pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e Especialista em Administração Escolar pela Faculdade Portal de Passo Fundo, a educadora conta os principais desafios encontrados e os resultados obtidos.
Seu depoimento inaugura a nova sessão do Caleidoscópio: "Palavra do Educador", um convite aos professores a compartilharem suas vivências enviando artigos para o e-mail: leandramigottocerteza@gmail.com
"Acredito, sinceramente, que as diferenças existem para o crescimento de todos e não para a segregação” - Adriangela Bonetti
Minha experiência como coordenadora da capacitação em educação inclusiva, surgiu da necessidade de adaptar recursos didáticos para todos os alunos aprenderem; além de modificar a cultura que permeava no contexto escolar de que os alunos que possuem deficiência ‘deveriam’ ser atendidos somente em classes especiais e não na escola regular.
O objetivo foi possibilitar, por meio de estratégias diversificadas, que todos os alunos desenvolvessem habilidades essenciais à vida e à convivência com a diversidade, tanto em sala de aula, como na sociedade, de acordo com suas capacidades intelectuais e físicas. Iniciei um planejamento que previa várias atividades por dia, com no máximo 30 minutos para cada uma, pois percebi que além de serem alunos inteligentes com boa motivação para aprender, eram também muito dinâmicos.
Realmente, os primeiros dias não foram fáceis de trabalhar com a turma de 26 alunos e vários ritmos de aprendizagem. Por isso, conversei com a professora, e fui informada que antes do meu trabalho, haviam optado por um monitor em sala, para ‘atender’ os alunos com deficiência, e que talvez isso tenha contribuído na insegurança e dependência de alguns, principalmente na aluna com incapacidade motora cerebral (deficiência física), pois o monitor a acompanhava fazendo atividades diferenciadas da turma.
Realmente, os primeiros dias não foram fáceis de trabalhar com a turma de 26 alunos e vários ritmos de aprendizagem. Por isso, conversei com a professora, e fui informada que antes do meu trabalho, haviam optado por um monitor em sala, para ‘atender’ os alunos com deficiência, e que talvez isso tenha contribuído na insegurança e dependência de alguns, principalmente na aluna com incapacidade motora cerebral (deficiência física), pois o monitor a acompanhava fazendo atividades diferenciadas da turma.
As refeições eram oferecidas em horários distintos, ela só subia e descia escadas se apoiando nele, e não interagia com os colegas nas atividades do recreio. Ela ainda não havia aprendido todas as letras do alfabeto, não conhecia números, e apenas com bastante limitação ortográfica e motora, escrevia seu nome. Por isso, demorou mais tempo para que ela conseguir abandonar os ‘vícios e privilégios’ e ter autonomia.
O caso dessa aluna me fez perceber que era necessário desenvolver conteúdos interessantes com recursos adaptados e diversificados para os alunos produzirem de forma autônoma, além de acabar com a cultura de que os alunos com deficiência deveriam ser tratados de forma diferenciada. Só assim superariam suas limitações. Além disso, como os alunos apresentavam ritmos de aprendizagem bem diferenciados, eu precisava estar constantemente atenta para sempre ‘mantê-los ocupados’. O objetivo principal foi fazer com que os alunos conseguissem alimentar-se; subir e descer escadas sem ajuda; e participar do recreio com os demais colegas e das atividades que a turma realizaria fora da escola.
A família também foi orientada sobre como proceder em casa com eles, a fim de cooperar com o que já se fazia na escola. Pois, para mim estava bem claro que naquela turma não havia ‘aluno problema’, e ‘indisciplinado’ como alguns falavam, mas sim alunos com muita vontade de aprender; dinâmicos e que não estavam sendo compreendidos e atendidos da forma como poderiam produzir. Por isso, as aulas eram mescladas por atividades bem lúdicas. Iniciávamos sempre com a “Hora do conto”, seguida de análise dos ‘problemas’ do texto. E às vezes eu mesma fazia a leitura, e em outras os próprios alunos. Nem sempre um texto era lido, e os ‘problemas’ surgiam de uma novidade que um colega contava, por exemplo. O importante era começar a aula chamando a atenção dos alunos para o que seria estudado.
Os resultados começaram a aparecer: não havia indisciplina fora do controle, pois estavam ocupados em realizar as atividades juntos; os apelidos preconceituosos que alguns possuíam foram esquecidos; e o trabalho em grupo já era rotina, pois ao contrário do que às vezes se pensa, os alunos produzem e se concentram mais trabalhando juntos.
Porém, percebi resistência por parte de alguns em trabalhar com os colegas com deficiência. Assim, foi necessário conversar bastante para vencer o preconceito antes que se arraigasse no coração e mente dos pequenos. Para isso, contamos com Ziraldo, que de forma tão sábia escreveu FLICTS, um livro fantástico sobre as diferenças. Não demorou muito e os frutos começaram a aparecer. Vários alunos se alfabetizaram e já conseguiam auxiliar outros colegas para ler e escrever. Percebia-se também que a cooperação e o espírito de equipe cresciam a cada dia. Mas ainda era necessário elogiar, pois além de merecê-los os alunos precisavam ser mais motivados e incentivados a progredir.
O desafio com certeza era grande, mas tentador; e exigia um trabalho coletivo. Então, busquei ajuda para conseguir que todos se desenvolvessem conforme suas possibilidades, e orientei aqueles que eram rotulados de ’indisciplinados’. Obtive apoio de colegas da Secretaria Municipal de Educação, Direção e Vice, além dos Coordenadores que ajustaram algumas situações no cotidiano escolar para todos participarem do recreio juntos. A família fosse convidada a acompanhar mais de perto a vida escolar; e para os alunos com deficiência foi elaborado um Plano Educacional Individualizado metas e ações visando o seu bom desenvolvimento. Além disso, os educadores previram no Projeto Político-Pedagógico, como fariam a inclusão escolar.
Depois passei a me preocupar em mediar mais situações de aprendizagem. Isso foi necessário, pois alguns alunos produziam muito, em um ritmo bom, por isso, era justo ajudá-los também a avançarem no conhecimento. Caso contrário, eles poderiam se tornar indisciplinados, se não tivessem à sua disposição atividades nas quais canalizassem suas inteligências e energias. Pensando nisso, desenvolvi alguns projetos intitulados: “Biblioteca Na Sala de Aula: Um Ambiente Propício à Leitura” e “Meios de Transportes e Educação para o Trânsito”. E graças ao apoio financeiro do Ministério Público local, conseguimos realizar todas as etapas dos projetos, e transformamos a sala de aula um ambiente mais prazeroso, lúdico e de aprendizagens múltiplas, além de promover a socialização e interação da comunidade escolar.
Os dias foram se passando e a turma manifestava progressos significativos também nos relacionamentos; atitudes e valores entre si. Então, logo percebi que a aluna com incapacidade motora cerebral começou a se alfabetizar, começando escrever no quadro-negro seu nome, letras, sílabas, palavras e frases, e as lia, mesmo que incompletas (pois, faltavam os elementos de ligações). Mas o que importava era que ela escrevia três palavras, e lia cinco ou mais. E depois de dois meses de aula já não necessitava de ajuda para subir ou descer escadas. Alimentava-se com autonomia; brincava no recreio como os demais participando da fila; das aulas de educação física, e das atividades junto com a turma.
Desse momento em diante percebi ainda mais claramente que o desenvolvimento é do aluno, mas com a estimulação por meio de recursos adaptados será de forma mais plena. Por isso, sempre demonstrei aos meus alunos interesse e confiança: informando-os constantemente sobre aquilo que poderiam produzir, mesmo que estivesse além de suas capacidades, em um primeiro momento, o que os motivava bastante. Foi desta forma que o aluno com graves problemas psicológicos aprendeu logo a usar o banheiro sem ajuda, começou a se alimentar com mais calma e firmeza, e agora participava com os outros colegas de todas as atividades dentro e fora da sala de aula.
E embora não tivesse ainda a compreensão dos sinais gráficos, ele lia livros para os colegas, observando as gravuras. Fazia gestos e mudava a expressão facial em alguns trechos do livro. Manuseava bem o caderno, mesmo não escrevendo ordeiramente. Esforçava-se para desenhar, gostava de trabalhar com massa de modelar e adorava dançar e cantar. Aulas com música o deixavam muito feliz. E era comum ele ficar cantando a música trabalhada na aula por dias. Também manuseava jogos pedagógicos e ganhava muitas vezes no jogo de memória. Como a escola recebe alunos de bairros carentes, muitos alimentos e outros objetos eram conhecidos somente por meio das figuras dos jogos que ajudaram todos a melhorar o vocabulário.
Não fizemos um planejamento separado para aos alunos com deficiência, e sim, métodos diferentes com recursos adaptados, diversificando estratégias para que todos possam acessar os conteúdos conforme suas possibilidades. Certamente, se para muitos parece pouco ou nada o que se faz para incluir todos nos sistemas de ensino, para outros os avanços são enormes, e às vezes gigantescos.
O que faz a diferença, para mim, é que não existem esforços sem conquistas, existem, sim, metas sem ações. É preciso mudar a atitude e ver a educação como um espaço para todos. Os educadores devem ser os primeiros a acreditar que é possível transformar as escolas em espaços de aceitação, acolhida, interação, desenvolvimento e aprendizagem para todos. Conduzir esta experiência de forma tão direta me fez ver que a limitação está em todos nós.
Algumas são mais raras, menos familiares e aceitáveis, porém mais evidentes. Por isso, é necessário valorizar e destacar o que dá certo, o que evoluiu, e o que é bom. Assim, será possível a cada um enxergar o que tem de bom no ‘mau’ e o que tem de mau no ‘bom’. Acredito, sinceramente, que as diferenças existem para o crescimento de todos e não para a segregação.
Que trabalhar com elas no seres humanos é uma oportunidade de provarmos a nós mesmos o quanto estamos dispostos a aprender, e admitimos a necessidade de sempre buscar novos meios para ajudar os alunos a se desenvolverem; além de mediar o processo para que todos tenham inicialmente autonomia e gerencie suas vidas e aprendizagens significativas em sociedade.
Concluo que enquanto educadora não necessito de formação específica para trabalhar com alunos com deficiência, até porque, nenhum educador conseguiria, durante seu curto período de vida, conhecer e saber trabalhar com todas que existem. Nem que ele vivesse dentro de uma universidade.
O que é preciso é assimilar a ideia de que ao professor da sala de aula regular compete ofertar ao aluno a apropriação dos conteúdos. E isso é possível quando o professor se apropria (com conhecimento) dos diversos recursos e estratégias que estão à sua disposição, e oferece a todos aos alunos no mesmo tempo e espaço. Pois, o professor é responsável pelo atendimento educacional regular; e pelo atendimento educacional especializado que o aluno com deficiência receberá nas salas de recursos multifuncionais.
“Os educadores devem ser os primeiros a acreditar que é possível transformar as escolas em espaços de aceitação, acolhida, interação, desenvolvimento e aprendizagem para todos” - Adriangela Bonetti.
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