quinta-feira, 19 de maio de 2011

Orgulho de ter autismo



Por Silvia Sperling*

Depois de 2 de abril, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, temos mais uma oportunidade para falarmos sobre a doença no dia 18 de junho, o Dia do Orgulho Autista. Mas por que a data alusiva ao orgulho? Orgulho de quê? 

Muitos sustentam a bandeira de que é necessário promover a diversidade e que a pessoa com autismo é somente uma pessoa que compreende o mundo de uma forma distinta da maioria, e que portanto não se deve procurar a cura, pois não é uma doença e sim um modo de ser.

É claro que lutamos por um mundo mais tolerante com as formas físicas e intelectuais, e que o convívio com o diferente sempre enriquece. É verdade também quem tem autismo nos faz enxergar além do que nos habituamos e fomos criados para atentar, e nos obriga a pensar modos alternativos de viver. 

Mas temos que lembrar que as características do espectro autista estão presentes em uma parcela significativa  da população e abrange desde pessoas com traços leves, que não comprometem seu desenvolvimento físico e intelectual, e consequentemente a inserção escolar e no mercado de trabalho, até casos de regressão ou interrupção na evolução normal da criança, ocasionando formas de autismo moderado a severo, com prejuízos importantes na linguagem, compreensão, comportamento e autonomia.

Como o pai ou mãe de um filho com autismo moderado ou severo pode concordar com a idéia de que seu filho não é doente e portanto não necessita ser curado?

Temos que nos orgulhar sim, de nossos pesquisadores que buscam incessantemente as causas biológicas do autismo e que desta forma poderão desenvolver medicamentos e terapias eficazes na regressão dos sintomas incapacitantes desta patologia.

Temos que nos orgulhar também da crescente divulgação sobre o autismo e a desmistificação das pessoas com autismo. Da batalha por inclusão em escolas regulares com profissionais qualificados e convívio social integral.

E por fim, temos que aproveitar a data para nos orgulharmos de nossos filhos, familiares e amigos com autismo: únicos e corajosos, que desafiam nosso entendimento e cativam nossa admiração, superando as barreiras impostas pela doença, fazendo emergir quem tem autismo e imergir o autismo como síndrome.

*Silvia Sperlig é nutricionista, mãe de Otávio Sperling Canabarro, (7 anos com autismo) e escreve suas experiências no BLOG: HTTP://autismo-umavidaempoucaspalavras.blogspot.com


Descrição da imagem: Silvia e Otávio juntos contemplando uma linda paisagem.

Politicamente fascista

Por MARCELO COELHO - COLUNISTA DA FOLHA


O comediante Danilo Gentili pediu desculpas pela piada antissemita que divulgou no Twitter. A saber, a de que os velhos de Higienópolis temem o metrô no bairro porque "a última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz".

Aceitar suas desculpas pode ser fácil ou difícil, conforme a disposição de cada um. O difícil é imaginar que, com isso, ele venha a dizer menos cretinices no futuro.

Não aguentei mais do que alguns minutos do programa "CQC", na TV Bandeirantes, do qual é ele uma das estrelas mais festejadas. Mas há um vídeo no YouTube, reproduzindo uma apresentação em Brasília do seu show "Politicamente Incorreto", em outubro de 2010.

Dá para desculpar muita coisa, mas não a falta de graça. O nome oficial do Palácio do Planalto é Palácio dos Despachos, diz ele. "Deve ser por isso que tem tanto encosto lá." Quem o construiu foi Oscar Niemeyer, continua o humorista. E construiu muitas outras coisas, como as pirâmides do Egito.

A plateia tenta rir, mas só fica feliz mesmo quando ouve que Lula é cachaceiro, ou que (rá, rá) o nome real de Sarney é Ribamar. Prossegue citando os políticos que Sarney apoiou; encerra a lista dizendo que ele só não apoiou o próprio câncer porque "o câncer era benigno".

Os aplausos e risadas, pode-se acreditar, vêm menos da qualidade das piadas e mais da vontade de manifestação política do público. Detestam-se, com razão, os abusos dos congressistas brasileiros. Só por isso, imagino, alguém ri quando Gentili diz preferir que a capital do país ficasse no Rio: "Lá pelo menos tem bala perdida para acertar deputado".

Melhor parar antes que eu fique sem respiração de tanto rir. Como se vê, em todo caso, o título do show não é bem o que parece. "Politicamente incorreto", no caso, faz referência às coisas erradas feitas pelos políticos, mais do que ao que há de chocante em piadas sobre negros ou homossexuais.

A questão é que o rótulo vende. Ser "politicamente incorreto", no Brasil de hoje, é motivo de orgulho. Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer "incorreto" --e com isso se vê autorizado a abrir seu destampatório contra as mulheres, os gays, os negros, os índios e quem mais ele conseguir.

Não nego que o "politicamente correto", em suas versões mais extremadas, seja uma interdição ao pensamento, uma polícia ideológica.

Mas o "politicamente incorreto", em sua suposta heresia, na maior parte das vezes não passa de banalidade e estupidez.

Reproduz preconceitos antiquíssimos como se fossem novidades cintilantes. "Mulheres são burras!" "Ser contra a guerra é viadagem!" "Polícia tem de dar porrada!" "Bolsa Família serve para engordar vagabundo!" "Nordestino é atrasado!" "Criança só endireita no couro!"
Diz ou escreve tudo isso, e não disfarça um sorrisinho: "Viram como sou inteligente?".

"Como sou verdadeiro?" "Como sou corajoso?" "Como sou trágico?" "Como sou politicamente incorreto?"

O problema é que "politicamente incorreto", na verdade, é um rótulo enganoso. Quem diz essas coisas não é, para falar com todas as letras, "politicamente incorreto". Quem diz essas coisas é politicamente fascista.

Só que a palavra "fascista", hoje em dia, virou um termo... politicamente incorreto. Chegamos a um paradoxo, a uma contradição.

O rótulo "politicamente incorreto" acaba sendo uma forma eufemística, bem-educada e aceitável (isto é, "politicamente correta") de se dizer reacionário, direitista, fascistoide.

A babaquice, claro, não é monopólio da direita nem da esquerda. Foi a partir de uma perspectiva "de esquerda" que Danilo Gentili resolveu criticar "os velhos de Higienópolis" que não querem metrô perto de casa.

Uma ou outra manifestação de preconceito contra "gente diferenciada", destacada no jornal, alimentou a fantasia mais cara à elite brasileira: a de que "elite" são os outros, não nós mesmos. Para limpar a própria imagem, nada melhor do que culpar nossos vizinhos.

Os vizinhos judeus, por exemplo. É este um dos mecanismos, e não o vagão de um metrô, que ajudam a levar até Auschwitz.