quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Jornalismo Literário - Entrevistas

A COMPLEMENTAÇÃO PELA CAPTAÇÃO

Por Vânia Coelho


           Jornalista é um representante do público, um
 embaixador da audiência  (Edvaldo P. Lima)


COMO ELABORAR A PAUTA PARA O LIVRO-REPORTAGEM?

            Captar é apreender, observar e, pela percepção, ver o que não é mostrado, ler nas entrelinhas, “naquilo” que foi dito pela metade, “daquilo” que é percebido nas onomatopéias, nas metáforas, nas metonímias, nas impressões e expressões humanas, nos sussurros e murmúrios, na lágrima, na dor e no grito. Grito este que clama por socorro ou denota uma alegria que contagia. Captar é enxergar os olhos que falam e os lábios que calam. É ver os olhos que se desviam em soslaio e ouvir o que não foi dito.           
O faro jornalístico do qual tanto falam os especialistas da área tem a ver, também com a captação da temática no jornalismo investigativo e interpretativo, isso porque os temas que tanto servem de alicerce para pintores e poetas do mundo todo, porque sensibilizam o lado humano e alguns grupos sociais que os compõem, devem, no jornalismo, ser de interesse público geral, portanto pertinente à sociedade em todos os sentidos, de forma a prestar um serviço com a pesquisa e a produção midiática. Logo, captar é apreender o essencial, as entranhas, o útero que germina personagens maus e bons, criaturas do poder e da submissão. Captar é ver de olhos vendados. Há olhos que captam a fotografia “perfeita”, pois o fenômeno é apreendido por um corpo sensível e inteligível. A captação faz parte da entrevista de compreensão.

        A Entrevista de Compreensão é um instrumento de captação do jornalista. No livro Páginas Ampliadas: o livro reportagem como extensão do jornalismo e da literatura (2009) de Edvaldo Pereira Lima, no capítulo 2 intitulado Os procedimentos de Extensão, parte II - A complementação pela captação, o autor salienta a importância da pauta para o desenvolvimento da tarefa jornalística, no que tange à produção da grande reportagem impressa. Segundo ele, a pauta realizada para a produção de um livro-reportagem ganha relevância quando a meta busca o aprofundamento da contemporaneidade. Uma pauta bem elaborada, clara, precisa e bem planejada, de cujas abordagens objetivas facilitam o traçar das diretrizes para a coleta e a pesquisa (material registrado) em livros, internet, revistas, jornais, gravações digitais e audiovisuais, documentos, artigos, entrevistas, pesquisa social, etnográfica e observacional, deve ser clara e objetiva, portanto necessita-se de uma abordagem dedutiva sobre o tema e um estudo detalhado das linhas de força que a compõe. É preciso ter como registro na Planilha do PEX, uma pauta bem definida, e um roteiro (cronograma) para iniciar a etapa chamada de captação. A pauta eficiente deve conter:

a) Definição exata do assunto a ser abordado;

b) Objetivos claros e precisos;

c) A formulação do problema;

d) Plano de captação

Faz-se necessário, ainda, afirma Lima, localizar o assunto em vários âmbitos, tais como:

a) Área de atividade econômica;

b) Segmento social;

c) Campo de conhecimento;

d) Espaço: posicionamento geográfico-social;

e) Tempo: sentido cronológico dos acontecimentos e personagens.




            Os objetivos (que só podem ser definidos em função dos problemas e dos conflitos que os originam) que a matéria pode atingir direcionam a condução da pauta que deve ter ponto de alcance e visão integral. Para a professora Cremilda Medina (citada por Lima), o jornalista deve ter cautela com a cosmovisão desatualizada, o que ela chama de “primarismos”. Para Medina, não se pode caminhar pelas linhas do periférico e do pitoresco tão somente, pois a entrevista jornalística da grande reportagem é um instrumento de captação do real e, essa compreensão pressupõe, em seu aspecto humanizado, um diálogo interativo entre entrevistador e receptor. Isto é, o consumidor/leitor deve entender o diálogo traduzido e interpretado pelo jornalista e consumi-lo, aproveitá-lo, pois o resultado deve interferir no público de uma forma ou de outra, pelo riso ou pelo choro, pelo conhecimento ou pela denúncia, pela ampliação ou inferência.
     Isso porque o jornalista tem o papel consciente de estimular relações e diálogos, criar um clima autêntico de conexão entre entrevistado e receptor, auxiliar na compreensão do verdadeiramente real, mas também emocionar, sem o qual, diz Lima, “nenhum ato comunica na dimensão humana o que o jornalismo pretende”. Já Medina intitula de plurálogo o diálogo democrático que surge da entrevista de compreensão. Segundo ela, há duas tendências agrupadas na entrevista:

a. Espetacularização: caricatura das possibilidades humanas;
b. Compreensão: busca do aprofundamento (idiossincrasias)

a. Na Espetacularização, há quatro subgêneros:

1) Perfil pitoresco: caricatura com traços sensacionalistas;

2) Perfil inusitado
: aspectos exóticos da personagem;

3) Perfil do condenado
: coloca a personagem na posição de réu ou vilão;

4) Perfil da ironia: realiza um julgamento condenatório da personagem, de forma sutil, eufemista e intelectualizada por metáforas, metonímias, símiles, etc.
b. Na Compreensão, há vários subgêneros, a saber:

1) Entrevista conceitual;

2) Entrevista de enquete;

3) Entrevista investigativa;

4) Entrevista de confrontação;

5) Perfil  Humanizado.


            Lima cita outros subgêneros da Entrevista de Compreensão. Mais adiante, pretende-se tratar, particularmente, dos subgêneros citados por Medina e os demais citados pelo jornalista Lima, que somam: histórias da vida, observação participante, memória, visão pluridimensional simultânea e documentação. 
Deve-se desenvolver conceitos e classificações da Entrevista de Compreensão, de modo a tornar claros os procedimentos, gêneros e subgêneros que envolvem a captação como instrumento e eixo norteador das entrevistas que resultam no livro-reportagem. 

TEORIA DA ENTREVISTA DE COMPREENSÃO


            A entrevista de compreensão é uma técnica particular das grandes reportagens, ela não é aliada do grande espetáculo, nem da sociedade imagética, em que a aparência predomina, nem do sensacionalismo ou imediatismo.
Para Lima, o jornalista-escritor é o tecedor invisível da realidade que salta das páginas para o coração, para a mente e para todo o aparato perceptivo do leitor. Essa realidade deve fazer a diferença no público consumidor. A entrevista visa captar a essência através da compreensão, da observação, da percepção e apreensão da personagem. Objetiva-se, nessa entrevista que um diálogo possível seja estreitado e o repórter deve ser mais ouvinte e menos falante. A pauta da entrevista de compreensão é aberta, flexível e em movimento para que o repórter possa atingir uma percentagem alta na eficácia da meta.  
O processo noticioso da grande reportagem geralmente é alicerçado no pensamento dedutivo, em que se parte de uma verdade universal para uma verdade menos universal, isto é, do geral ao particular. O inverso também pode ser válido, depende da estrutura que se pretende edificar. Exemplo de dedução:Todas as mulheres praticam suicídio. Cleópatra é mulher. Logo: Cleópatra é suicida

No exemplo acima, o raciocínio caminha do particular para o geral, ou seja, de uma verdade menos universal para uma verdade universal, acontece nesse raciocínio lógico a particularização do fenômeno.

Sócrates é homem. Sócrates é mortal. Todos os homens são mortais

É um exemplo de indução, pois parte do pensamento de que Sócrates é um homem e é mortal, remete à mortalidade e à masculinidade de um homem: Sócrates (particular) e se caminha para a conclusão de que todos os homens são mortais, não apenas Sócrates, mas todos os seres masculinos (geral). Trata-se da indução. 

Tudo o que é espiritual é incorruptível. Ora, a alma humana é espiritual. Logo, a alma humana é incorruptível

No exemplo acima, parte-se de uma verdade universal para uma menos universal, ou seja, o processo do raciocínio é dedutivo, pois se particulariza o pensamento, vai-se da aparência, superfície (geral) à essência (submersa). Caminha-se a partir da ideia de que tudo, amplamente tudo é incorruptível e chega-se à ideia de que a alma humana, particularmente, é incorruptível. Deve-se perceber e investigar o que pode ser contestável e incontestável nessas afirmações/ negações. Exemplo de afirmação contestável:

Cleópatra é mulher. Cleópatra suicidou-se. Todas as mulheres são suicidas 

As entrevistas devem ser extensas, não que isso significa entrevistar uma personagem durante horas a fio, mas sim,  ter muitas horas de entrevista com as mesmas personagens ou personagens diferentes. O repórter deve ter sempre em mãos parâmetros de negatividade e de afirmatividade, munido de material teórico, documentação e das entrevistas, terá condição de usar as entrevistas de acordo com a estrutura pré-estabelecida na pauta da reportagem. Há várias formas de utilizar as entrevistas: 

a) Aproveitar diversas entrevistas ao longo das páginas construídas.
b) Reproduzir uma longa entrevista com trechos, ora mais aproximado a um subgênero, ora predominantemente classificável sob outro;
c) Aproveitar a entrevista para compor depoimentos coletados na condição de simples aval de um tema que se discute. Para afirmar, negar, contextualizar, contradizer, comparar, ou seja, como uma espécie de citação.
A entrevista é a essência integral de uma reportagem, é a forma de expressão e de representação da ação jornalística. Deve ser dotada de:

1) Individualidade

2) Atualidade

3) Força

4) Expressão

5) Tensão

6) Drama

7) Esclarecimento

8) Explicação

9) Emoção

10) Razão

11) Beleza

12) O que não foi dito

13) O que não foi mostrado

14) O que não foi informado

15) Novidade e atualidade.



O diálogo possível surge na relação entrevistador/entrevistado. Isso acontece devido ao contato humano e porque a pauta é aberta, não há o aprisionamento do lead e nem rigidez do poder de síntese e da objetividade, pelo menos não a objetividade das matérias de jornais. E isso não significa que deve haver subjetividade, muito pelo contrário, subjetividades são condenadas. O poder de síntese resulta na objetividade. O entrevistador, ao catalogar os resultados, não deve abrir mão da objetividade, mas deve ser profundo de forma clara, detalhado e preciso em cada parágrafo, cada imagem. Esse estilo de entrevista faz parte do processo de ampliação da notícia ou de um fato que ainda não virou notícia. É na construção dos diálogos que surgem o inesperado, a novidade, a beleza, a emoção, o drama, o conflito (tensão) etc. É o resultado da relação que se manifesta em forma de grande reportagem que edifica a história de uma personagem, a denúncia ou um confronto político, o perfil de um músico ou o retrato de uma nação. 
Para Lima, a entrevista de compreensão traz um painel de multivozes, e o repórter é apenas um sutil maestro que costura os depoimentos, interliga visões do mundo como tal talento, que parece natural tal arranjo, como se surgisse ali espontaneamente. O repórter necessita de um nível elevado de cultura e intelectualidade para poder comparar, inferir e interpretar determinados momentos de informação (visual, expressiva, motora, corporal, etc) durante as entrevistas. Para se realizar esse estilo de entrevista, o jornalista necessita de:

1) Apreender os fenômenos compreensíveis e incompreensíveis;

2) Observar o comportamento da personagem apreendendo os tiques nervosos, o teor das respostas, a fragilidade das exposições, a dificuldade de resposta, a austeridade, a descontração, o suor, as pálpebras (calmas, irritadas, trêmulas, tímidas, diretivas), os lábios (trêmulos, tranquilos, com tique nervoso, mordidas nos cantos da boca), etc;

3) Sabendo ouvir, o repórter pode mudar o teor da pergunta seguinte, caso contrário, não;

4) Dialogar e estender ao máximo os diálogos possíveis

5) Criar um formato descritivo da personagem, utilizando-se das técnicas da descrição: psicológica, física e comportamental. Nesse exemplo, dar ênfase ao cenário: personagem e entorno são indissociáveis (entorno pertinente);

6) Atingir o máximo de excelência, no domínio da entrevista.
Na entrevista de compreensão, o domínio e alcance das metas/pautas são exemplos de eficácia, estes resultados denotam excelência. Há outros estilos de entrevista que fazem parte da entrevista de compreensão, são os chamados subgêneros:

a) Conceitual;

b) Investigativo;

c) Confrontamento e  ou polemização;

d) Perfil humanizado;

e) Histórias de vida;

f) Entrevistas biográficas

g) Memória;

h) Documentação;

i) Visão pluridimensional simultânea;


Entrevista Conceitual

     Diz-se entrevista conceitual quando os resultados da entrevista apontam conceitos acerca da temática que pauta impõem. Lima exemplifica com o livro-reportagem Cheiro de Goiaba do jornalista colombiano Plinio Apuleyo Mendoza. No diálogo com Gabriel Garcia Marquez, autor do famoso Cem Anos de Solidão, o jornalista explora, com amplitude, o conceito de realidade no romance, pois está diante de uma autoridade literária. Ler trechos da entrevista, p.108. Vale a pena ler, é uma ilustração adequada ao conceito.

Entrevista Investigativa
O subgênero investigativo apóia-se em depoimentos em off que são confrontados com as coletas de dados realizadas em on, mais a pesquisa documental, tudo isso para comprovar a veracidade do que se vai transmitir, mais toda documentação do dossiê. Lima dá o exemplo do jornalista Jonathan Raban, autor que investiga a censura do Egito contemporâneo. Raban primeiro entrevista escritores em off, tendo o cuidado para não identificá-los. Conversa com escritores que conseguem traduzir a realidade política em metáforas, como faziam os compositores na época da Ditadura Militar, no Brasil. Entrevista um dramaturgo, cuja trilogia é camuflada e aprovada pela censura prévia somente para publicação, mas censurada para atuação no palco. Na investigação, o repórter deve ter conhecimento amplo sobre o tema, talento e perspicácia para confrontar distorções e contradições de um sistema político, contrapondo a uma realidade interna uma manipulação e uma conivência no plano externo, diz Lima

Entrevista de confrontação
No gênero confrontação/polemização, o repórter realiza a entrevista por meio de uma mesa redonda, um debate, em que os entrevistados são submetidos a um diálogo direto. Os posicionamentos de cada entrevistado vêm à superfície e são fotografados (capturados, observados, interpretados, traduzidos) pelo entrevistador. Lima exemplifica esse gênero com a obra Direto da selva: as aventuras de um repórter na Amazônia de Klester Cavalcanti que investiga um caso de contrabando de mogno na Amazônia. Ler a entrevista, p. 112.

Entrevista Perfil Humanizado
O perfil humanizado é um gênero que, como diz o nome, humaniza a personagem, traçando um perfil particular e singular ao mesmo tempo. Os resultados podem ser divulgados no formato de entrevista: pergunta e resposta. Exemplo desse gênero de entrevista encontra-se no livro-reportagem Conversas com Llosa de Ricardo Setti. Nesse exemplo, o repórter conduz um diálogo interativo de qualidade com o entrevistado, construindo-lhe um perfil humano, ancorado em alguns eixos:
·         Vida particular: família, sexo, drogas, dinheiro, lazer;
·         Amigos e Inimigos;
·         Escritor e homem;
·         Política e Futebol;
·         Escritor e fama
·         Livro e Ofício.
Na entrevista de compreensão e subgêneros, a pauta deve ser flexível para que o repórter possa abandoná-la, caso necessite. A qualquer momento, o repórter pode entrar numa variante mais empática com o entrevistado. Muitas vezes, a emoção e a descontração fazem surgir a pessoa atrás do mito. O resultado é a descoberta compreensiva do universo, por vezes, misterioso, exuberante e nem sempre comum do ser humano, diz Lima.

Histórias da Vida
          As histórias de vida são realizadas por meio de entrevistas de compreensão e, como resultado, tem-se a reprodução do diálogo entre o entrevistador e o entrevistado. Pode-se na construção do texto, misturar narrativas em primeira e terceira pessoas, conforme citações parciais ou integrais. As entrevistas podem ou não vir acompanhadas da observação participante. 
        Na história de vida, o modelo autobiográfico faz parte do processo de construção da personagem Um exemplo encontra-se no trecho dramático e tenso de John Reed, em que o autor coloca a sua vivência no turbilhão da insurreição mexicana de Madero e Pancho Villa em México Rebelde (1959) esboçando o que seria o potencial futuro, desse modo de captação são produzidas as histórias de vida. Ler exemplo da p. 115.

Entrevistas Biográficas
Nas entrevistas biográficas, o repórter resgata, às vezes, a oralidade de certos atores, contribuindo para a reprodução das idiossincrasias de determinadas culturas para o universo social. Os dados biográficos diferem amplamente do modo como se estabelece uma biografia no universo da história (diacrônica), faz-se necessário que surjam dos diálogos características particulares e ímpares que possam revelar as idiossincrasias do entrevistado. Ler exemplo nos trechos da obra Xingu: uma flecha no coração do jornalista Washington Novaes, cujo discurso resgata a oralidade, perdida no tempo, dos índios.

Observação do Participante
A Observação Participante trata da participação do repórter no ambiente da personagem ou do tema, é uma espécie de narrador-personagem. Surge com o News Journalism e está totalmente ligada à época de efervescência e transformação social, comportamental e artística (teatro, literatura, cinema e mídia). Inúmeros acontecimentos mudaram o mundo: o movimento hippie e o underground (negação ao entretenimento hollywoodiano) a contracultura, a luta pela liberdade sexual, o pacifismo, o naturalismo, o orientalismo, a negação do serviço militar obrigatório e a luta contra o armamento nuclear, entre muitos outros movimentos.
O filme Aconteceu em Woodstock foi baseado numa história real de 1969, o maior festival da época tem início quando o hotel dos pais de Elliot é ameaçado de despejo, então, ele oferece a área para promover um show de rock e arrecadar dinheiro. Só não imaginou as enormes proporções que o festival alcançaria. 
        O News Journalism vai criar uma forma de captação, diz Lima, dentro desses contornos de liberdade sexual e sensitiva, como um modo de acompanhar a revolução pacifista entre aspas, e dar conta do todo dessas mudanças. A realidade é retratada com cor, vivacidade e presença. Isso significa que, o repórter, dentro do gênero observação do participante pode mergulhar e se envolver totalmente aos acontecimentos e às situações.
Os jornalistas tentam viver na pele as circunstâncias e o clima do ambiente das personagens. A observação do participante corresponde ao narrador personagem, necessariamente não se precisa narrar em primeira pessoa.

Memória

       No gênero Memória, o repórter pode resgatar as impressões psicológicas e sociais de uma personagem. Objetiva-se chegar a uma dimensão superior de compreensão tanto dos autores sociais como da própria realidade maior em que se insere a situação examinada. Como diz o nome memória, trata-se de trazer à tona, registrar e publicar as riquezas psicológicas da personagem, e deste, na sociedade. Lima exemplifica com a obra Los mares de México do mexicano David Martin Del Campo que aborda o tema particularizando (processo dedutivo) e humanizando, com toque comovedor, um fragmento da vida de pescadores, recuperado pelo ouvir interessado da comunidade que observou e apreendeu. Ler p. 127.
Documentação

Essa parte é muito importante, sem ela não há dados, não há aprofundamento do conhecimento, não há comprovação. Documentação é a coleta de dados em fontes registradas, como base e auxílio da fundamentação temática. Um jornalista bem informado não passará por tolo ou ingênuo. Como escolher um tema, desenvolvê-lo apenas com a opinião do alter? Este estilo de pesquisa de captação focaliza a “situação” e a “questão” e não o fato isolado. Munido de documentação, a matéria do jornalista, salienta Lima, ganha vigor e poder de sustentação. A coleta de dados traz possibilidades ampliadas de sucesso para os demais instrumentos de captação. 
Lima cita como exemplo a pesquisa documental bastante sólida realizada pelo jornalista Fernando Moraes para a produção de Olga. Moraes recorreu às instituições de seis países, inclusive o Brasil, consultou inúmeros periódicos nacionais e internacionais, coletou dados bibliográficos e tomou depoimentos de vinte personagens vivas. Outros exemplos citados pelo autor foram as obras de Willian Meyers Los creadores da Imagem: segredos de criação publicitária, e o famoso Esta noite a Liberdade de Dominique Lapierre e Larry Collins.
Segundo ele, Meyers reuniu um dossiê documental que conta com uma bibliografia nunca inferior a dez livros, caminhou da psicologia do consumo à ideologia das tendências, dos métodos de aferição de valores às técnicas de marketing. Os dados coletados foram todos direcionados ao mundo da publicidade (tema do livro-reportagem), somou inúmeros depoimentos e realizou pesquisa conceitual.
Lapierre e Collins coletaram dados de modo a somar uma documentação memorável pela extensividade e quantidade: leram 10 mil páginas de arquivos e documentos; 400 obras; seis milímetros de película, mil fotografias, as quais 600 eram inéditas, 800 horas de entrevista. Os autores percorreram mais de 250 mil quilômetros.

Visão pluridimensional e simultânea
No exercício da captação do fenômeno cria-se uma ponte para que o “eu” que observa saiba mais do que o fenômeno observado. Nesse gênero, o livro-reportagem ensaia introduzir em seu enfoque uma lente que passa a observar a realidade na dimensão ampliada, perceptível através da ciência moderna. São monólogos interiores que surgem como resultado dessas entrevistas de visão plural e simultânea. Manifesta-se por meio do ponto de vista autobiográfico em 3º pessoa. Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Virgínia Woolf e Simone de Beauvoir são alguns exemplos de escrita literária que traz como condução o fluxo de consciência.


 O observador (narrador onisciente) entrevista as personagens de modo a retirar delas o que vai internamente: pensamentos e emoções e tudo o mais que conseguir. O resultado são os monólogos interiores das personagens. Cesário Verde, poeta luso da modernidade lisboeta, escreve O Sentimento de um Ocidental, poema em que dialoga, de luneta, com o fenômeno que observa. Escreve em primeira pessoa sobre as impressões que a cidade malfadada e inebriante de Lisboa causa-lhe, enquanto àquele que observa, àquele que não pertence à cidade, pois está fora dela para apreendê-la e evidenciá-la. 

FONTE:
http://literacomunicq.blogspot.com.br/2015/02/captacao-da-entrevista-de-compreensao.html