quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Não vou fingir que a simulação da deficiência funciona

















Crédito da foto: dominikgolenia / Foter / CC BY-ND


Fonte de publicação: http://www.inclusive.org.br/arquivos/30635


Texto escrito por Emily Ladau*.

As atividades destinadas a simular a experiência da deficiência são muitas vezes louvadas como experiências emocionantes, poderosas e que servem para abrir os olhos das pessoas. Com apenas algumas horas em uma cadeira de rodas, usando tampões de ouvido, ou vestindo uma venda nos olhos, as pessoas supostamente ganham uma compreensão mais profunda do que é a vida de quem tem uma deficiência. Eu, por exemplo, não concordo com isso.
O objetivo por trás de aumentar a sensibilidade e a conscientização é respeitável, mas há muito tempo me pergunto se a simulação de deficiências realmente consegue fazer isso.
Como um jogo de faz-de-conta pode conscientizar alguém sobre uma deficiência que carrego por toda minha vida? Claro, sei que existem várias pessoas e organizações que tentam fazer o melhor ao usar atividades de simulação para criar mudanças positivas. Mas, no final do dia, o vislumbre temporário da deficiência que esses exercícios fornecem é apenas isso – temporário. É simplesmente impossível mergulhar totalmente no ser de outra pessoa.
É aqui que reside o problema da simulação de deficiência. Pode tornar uma pessoa mais consciente das experiências do outro, mas não mergulha profundamente até a raiz da discriminação contra pessoas com identidades minoritárias. Em vez disso, é mais provável evocar empatia ou piedade do que a verdadeira aceitação. Várias vezes ouvi reações que apontam isso. Por exemplo, conversando com uma amável amiga minha que teve que circular em cadeira de rodas por Washington para um projeto da escola, ela me disse: “Eu não sei como você faz . Quando eu tentei entrar no trem, desisti e saí da cadeira para reguê-la sobre o vão entre o trem e a plataforma. É tão difícil usar uma cadeira de rodas!”.
Supondo que a maioria das pessoas que participam de atividades de simulação tenham reações semelhantes (o que mais encontrei), por que isso não causa mudanças realmente visíveis ao acabar com as barreiras de estigma e acessibilidade que enfrento todos os dias? Vinte e três anos após a aprovação do American with Disabilities Act (lei americana dos direitos das pessoas com deficiência), a comunidade de pessoas com deifiência física ainda enfrenta a falta de acessibilidade em tantos lugares. Claramente, a mensagem de viagem que se espera da simulação de deficiência não está funcionando.
Alguns podem argumentar que isso ocorre porque muitas atividades de conscientização da deficiência simplesmente não estão sendo feitas da maneira correta, ou que não há muitas pessoas envolvidas nelas. Bem, para mim elas simplesmente não funcionam. A simulação não é a maneira ideal de transformar a visão da sociedade sobre a deficiência.
Considere o fato de que, para muitos, a deficiência é uma identidade e uma cultura, assim como a raça, a religião, a etnia, o gênero, a orientação sexual, etc. Agora, imagine se as escolas e as organizações começassem a realizar eventos de consciência negra em todos os lugares, durante os quais pessoas brancas pintassem a cara de preto  e passeassem nas ruas por algumas horas para entender as experiências dos negros. Penso que é um eufemismo dizer que isso despertaria forte indignação por diversos motivos.
Em primeiro lugar, o termo “consciência” faz com que os grupos minoritários pareçam um problema. Em segundo lugar, uma breve atividade nunca pode substituir uma vida de experiências. Se ser negro e ser deficiente são identidades, por que os eventos de conscientização da deficiência são considerados únicos aceitáveis, enquanto os eventos de conscientização para outras identidades seriam, sem dúvida, considerados ofensivos? Para mim, ter minha identidade como pessoa com deficiência física reduzida a uma experiência de simulação isolada é o oposto da aceitação .
Se essa lógica não o convenceu de que a simulação de deficiência não é eficaz, reflita sobre a situação em sentido inverso: minha deficiência enfraquece severamente as articulações e os músculos nas pernas, então a única maneira de experimentar a caminhada é vestindo pesados aparelhos de perna feitos de metal e plástico. O perambular estranho que faço ocasionalmente em minha cozinha durante a fisioterapia, de maneira alguma, me dá uma verdadeira compreensão sobre o que é, para uma pessoa sem deficiência, andar, subir escadas ou transpor os obstáculos do dia a dia.
Da mesma forma, uma pessoa sem deficiência que usa uma cadeira de rodas para se locomover desajeitadamente, de modo algum terá uma compreensão genuína do que é ser uma pessoa com deficiência rolando em duas rodas e sendo impedida de prosseguir por um meio-fio alto todos os dias. Em cada caso, a simulação não é natural ou precisa. Tanto eu como a pessoa sem deficiência estaríamos usando nada mais do que dispositivos externos feitos de metal e plástico para fazer algo que normalmente não fazemos, e isso não se traduz na compreensão de experiências internas profundas de alguém que não somos.
Além disso, seria tolo se, ao falar com alguém que andasse, eu dissesse: “Eu não sei como você faz isso. Andar é tão difícil. Claro que é difícil para mim. Mas para uma pessoa sem deficiência é instintivo. E usar uma cadeira de rodas é difícil para uma pessoa sem deficiência. Para mim, que sempre me locomovi desta forma, é inato. Fora isso, ser deficiente não é só um desafio por causa das minhas circunstâncias físicas, um esteriótipo que uma simulação normalmente leva os participantes a acreditar; É difícil também por causa de barreiras ambientais, sociais e de atitudes.
Então, você pode estar “consciente” de mim o quanto quiser. Você pode tentar rolar um quilômetro na minha cadeira de rodas. Você pode analisar e discutir e dissecar a experiência de um milhão de ângulos diferentes. Mas precisamos parar de confundir a empatia com aceitação. Devemos abraçar as diferenças como um fato da existência humana sem primeiro precisar imitá-las, pois esses tipos de atividades não contribuem efetivamente para avanços de longo prazo no movimento dos direitos das pessoas com deficiência.
*Emily Ladau escreve regularmente para The Mobility Resource, onde este texto foi publicado originalmente em 2014.