segunda-feira, 7 de março de 2016

Ser mulher e ter uma deficiência



                                                 Foto: Vera Albuquerque.
Beijo doce
pele macia
desejo molhado
entrega
Olhar apaixonado
Tudo tão humano...
Não deveria ser preciso falar ao mundo que a beleza está em ser quem somos
Corpos assimétricos, falas, sentidos e sentimentos diferentes
É só isso...
Mas ainda há um oceano separando a simplicidade do corpo dizendo a que veio e da naturalidade em se encarar a condição humana da DIVERSIDADE!

Leandra Migotto Certeza

Grávida de mim mesma

Por Leandra Migotto Certeza

Estou grávida de mim mesma. A concepção aconteceu tão rápido que eu nem me dei conta que o óvulo foi fecundado há mais de 14 anos, depois de muitas tentativas imaturas. A gestação é dolorida e pesada, e está só começando… O embrião se contorce a cada nova descoberta. A respiração fica mais lenta ou acelera a cada novo choro convulsivo ou abafado. O medo e a insegurança dão lugar a novas descobertas. Conhecer a si mesmo no mesmo ritmo que se sente é complicado, mas parece o jeito mais sólido e intenso de se transformar e evoluir.

Eu não posso engravidar, mas tenho o direito de ser mãe tendo uma deficiência física! Eu não posso dançar flamenco e tango, mas tenho o direito de me arrepiar quando vejo os corpos se unirem com a alma, a cada passo dos bailarinos. Queria estar no lugar de quem tem um corpo diferente do meu. Tenho o direito de desejar ser outra pessoa, e como é bom! Não preciso bancar a conformada, aceitar a roupa de heroína (que me colocaram) ou me afundar no poço da depressão. Escolhi o caminho do meio.

Eu não posso fazer amor com tanta volúpia, e em posições que sempre sonhei; mas posso ter orgasmos estupendos! Eu não posso sentir meu corpo mudar, ao abrigar um novo ser em meu ventre, mas posso amar – incondicionalmente – as crianças que habitam e habitarão o meu coração. Eu não posso amamentar um bebê quentinho em meus braços, mas tenho muita seiva escorrendo, pelos fios da minha alma, para alimentar espíritos sedentos.

Crescer é isso… Lidar com frustrações o tempo todo. Saber que a resiliência é o nome bonito que deram para a capacidade de amar. Eu tenho 96 cm, e o tamanho de quem eu queira ser, a cada novo amanhecer. Eu tenho o direito de me revoltar, quebrar vidraças internas, gritar bem alto e depois adormecer no colo do meu amado. Fui poupada de tantas dores que a ferida só aumentou. A culpa não existe. É um sentimento idiota que o ser humano inventou para se auto-punir, por temer se olhar no espelho.

Religião é re-ligar, e não desligar o ser da realidade da sua imperfeição. Mas o melhor mesmo é encontrar um significado novo, a cada dia, para o que podemos ou não conseguimos. O processo de crescimento é lento, mas tem raízes, tronco, caules, folhas, flores e frutos. Muitos frutos! Não é infértil. É grávido de vida.

O meu autoconhecimento se intensificou com a pancada da impossibilidade de não engravidar nunca. O meu conhecimento sobre a vida; se multiplica cada vez que eu aprendo a me adaptar às potencialidades; e me dou o direito de vomitar o que sei que posso transformar, mesmo que ainda seja indigesto.

Hoje jogo fora um ser que poderia ter germinado e não foi
Sinto a dor de algo se esvaindo pelas minhas entranhas
Quente, vermelho
Que incha o meu corpo, mas esvazia minha alma
Não posso germinar e dar a luz
O motivo? Não sei.
E nem me explicaram...
Só apagaram as luzes do meu ventre e calaram a minha alma
Tenho inveja das barrigas soltas por aí... E das crianças a chorar e a sorrir.

Leandra Migotto Certeza.
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Artigo 6 da Convenção da ONU | Mulheres com deficiência
1. Os Estados Partes reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação e, portanto, tomarão medidas para assegurar às mulheres e meninas com deficiência o pleno e igual exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantir lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente Convenção.

Fonte: 
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_100.pdf