segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um diploma com gosto de superação

A síndrome de Down não impediu João Vítor de conseguir um diploma universitário. Ele termina o curso em junho de 2009.
Publicado em 13/10/2008 por Paola Carriel.
Aos 19 anos, João Vítor Mancini prestou vestibular e passou no curso de Educação Física na Universidade Tuiuti do Paraná. Mas, além dos desafios comuns dos jovens que iniciam a vida universitária, ele tinha mais um obstáculo pela frente: a síndrome de Down.
João Vitor é um pioneiro na universidade, pois além dele só existem mais três portadores da síndrome que conseguiram passar no vestibular em todo o Brasil, mas não se sabe como foi o desempenho acadêmico deles. E disso o rapaz se orgulha: está prestes a se formar em junho de 2009, com um trabalho de conclusão de curso sobre a importância da educação física para o desenvolvimento dos portadores da síndrome de Down.
E, para quem acha que os professores pegaram mais leve com ele, João Vítor revela as dificuldades com sua matéria preferida. “Peguei dependência duas vezes em Anatomia”, diz. Aplicado, o rapaz não mediu esforços para passar na disciplina. Ele e os pais fizeram um acordo com a universidade: quando o laboratório estivesse livre, João Vítor iria para lá estudar. Após um semestre passando quase todas as tardes no laboratório, o resultado foi uma nota dez na prova.
O rapaz é o orgulho dos pais, Gonçalo Silva e Roseli Mancini. Eles souberam que o filho tinha síndrome de Down apenas após o parto. “Demos as mãos, rezamos e decidimos seguir em frente juntos”, diz a mãe. A primeira providência foi contar para toda a família e ligar para o pediatra que havia cuidado de Roseli na infância. “Ele havia estudado nos Estados Unidos e sabia muito sobre a síndrome, e nos ensinou formas de estimular o João Vítor”, conta.

Com dois dias de vida o menino já recebia estímulos dos pais, como música ambiente no quarto, claridade e ficar deitado no berço sempre de bruços. “Ele precisava ficar com o pescoço mais forte e cada vez que ouvia um barulho fazia um esforço e levantava a cabecinha para ver o que era”, lembra a mãe. Nos dois primeiros anos, ele freqüentou uma escola especial, mas depois os pais optaram por matriculá-lo em uma escola regular. “Esta parte foi muito difícil, pois recebemos muitos ‘nãos’”, afirma Silva.

João Vitor passou a estudar junto com outras crianças e diz que sofreu muito preconceito. “Alguns colegas me xingavam e brigavam, mas sempre tive apoio dos professores e da direção da escola”, afirma. Apesar disso, foi um aluno exemplar e nunca reprovou de ano. Passou no vestibular sem nem ter feito cursinho. “Era só para ser um teste”, diz. No último ano do ensino médio ele resolveu fazer a Educação de Jovens e Adultos (EJA), dividida por matéria em vez de bimestres. Ao saber da aprovação na Tuiuti, ainda faltavam duas matérias, uma delas Física. Mas ele passou as férias de verão estudando e conseguiu finalizar o ensino médio.

A mãe conta que João Vítor sempre foi muito determinado: “Ele dizia para nós que um dia iria fazer faculdade. É mérito dele, pela sua coragem em seguir em frente”. Quando a notícia da aprovação se espalhou, muitos jornais fizeram reportagens com a família. Silva ficou tão orgulhoso do filho que comprou vários jornais e saiu distribuindo para os amigos.

Agora, o plano de João Vítor é montar uma academia para pessoas com necessidades especiais. “O esporte é muito importante no desenvolvimento”, diz o rapaz, já com o merecido ar de bacharel em Educação Física. Os pais afirmam, cheios de orgulho, que ele é mesmo uma pessoa muito especial.

Educação e família fazem a diferença.

A síndrome de Down é um distúrbio em que os bebês nascem com três cromossomos 21, em vez de dois. Essa anormalidade pode causar fraqueza muscular, anomalia cardíaca, baixa estatura e retardo mental. A freqüência é de um caso para cada 1,6 mil nascimentos. Alguns especialistas acreditam que a educação e a participação da família podem fazer a diferença no desenvolvimento dos portadores.

“Para um ser humano nada é impossível. Não podíamos voar e inventamos o avião”, diz a psicóloga Regina Maria de Souza, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela acrescenta que as pessoas não podem ser reduzidas às suas diferenças. “Assim como todos os brasileiros, quem tem necessidades especiais também sofre com o difícil acesso à educação, principalmente no ensino médio”, afirma.

No entanto, a psicóloga é otimista em relação à inclusão. “É possível haver outros casos como o de João Vítor? Sempre vou responder que é. Nem todos vão chegar lá, assim como nem todos os brasileiros chegam à universidade”, explica. “É preciso acreditar no ser humano. Ao contrário, como poderíamos ter o Stephen Hawking? Um tetraplégico que é o maior físico da atualidade”, exemplifica.