sexta-feira, 28 de junho de 2013

Caleidoscópio

O embrião do meu amado e acalentado livro Caleidoscópio está crescendo... Aguardem... 

Por isso escreve

Certo dia, Sophia teve a felicidade de ouvir, que quando fazemos alguma coisa é porque simplesmente precisamos fazer. O ato de compor uma música, pintar um quadro, tocar um instrumento, esculpir uma peça, escrever um poema ou um simples texto, assim como outras inúmeras ações são considerados divinos dons artísticos. Porém, a beleza está em se fazer por fazer. Pelo simples fato de exprimir uma necessidade interior que transcende a qualquer norma, conceito ou objetivo preestabelecido. Por isso escreve.

 Escreve pela paz que sente ao colocar no papel todos os sentimentos e experiências vividas até agora. Sem se ‘pré-ocupar’ com o que as pessoas irão pensar; com o que realmente se tornará um dia seu caderno, e com o que o espírito tanto sonhara.

Como cada dia é um dia; e cada momento é um simples sopro de vida, por isso, escreverá sem fronteiras. É complicado escrever uma história da qual faz parte. Porém, acredita que o interessante será essas mudanças de tempo e espaço, o que tornará prazeroso o ato de escrever... (Leandra Migotto Certeza em ?/07/94)

Dentro do meu mundo, sinto falta.
Falta da certeza de senti-lo
Pequena em relação a tudo.
Quero mostrar o que vejo
Quero tocar aqueles que não enxergam
Quero ser alguém única de glória.
           Tudo é vago, ao mesmo tempo, que é forte.

Por que não tentar ter esperança de outro mundo? 

(Leandra Migotto Certeza em ?/?/1996).

Em tempos de manifestações...

Queridas leitoras e queridos leitores, 

Encontrei esta crônica em meus arquivos e constatei que infelizmente, praticamente NADA mudou de 2006 até hoje. 

Momento histórico, em que mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas em todo o Brasil para mostrar que existem, pagam as taxas mais altas de impostos do PLANETA e exigem que seus DIREITOS como cidadãos sejam respeitados IMEDIATAMENTE por meio de ações práticas URGENTES, independente de partidos políticos, ideologias e teorias!!  

Raízes, troncos, folhas, flores, e frutos...*

Por Leandra Migotto Certeza

A família pode ser a base como muitos dizem, mas as raízes podem estar plantadas em terrenos diversos. Para aqueles que não tem pais ou parentes, os amigos conquistados ao longo da estrada é que dão a sustentação em sua vida. Para aqueles que nem amigos têm, os colegas que passam voando como folhas podem dizer palavras estruturais. Creio que o mais significativo é o que nós fazemos com essas palavras para se transformarem em flores e frutos cheios de luz.

Minha numerosa e adorável família - com absoluta certeza - foi crucial em minha vida. Mas se meu espírito não estivesse aberto para ouvir e enxergar suas diretrizes, eu não teria evoluído. Agora também não existe relação sem troca de experiências. Sei que só a minha força interna pode ensinar como meus pais, avós, tios, primos, e amigos poderiam melhor conviver comigo, mulher com deficiência física em todas as fases da vida. A diferença assusta, porque não sei qual o imbecil motivo, os seres humanos teimam em querer somente a perfeição e a simetria.

Quando nasci creio que a grande maioria, dos meus familiares sentiram medo. Medo da diferença! Medo de sentir medo. Medo de se verem no espelho, pois TODOS e TODAS somos diferentes! Eu também tive medo. Medo de não me aceitar como sou, apesar de lá no fundo da minha alma ter a certeza que eu sou além da aparência e/ou os sentidos pelos quais me comunico. Nesses momentos, a família deu aquela força, mas se eu não estivesse vontade de lutar, nada teria se movido do lugar. 

Sou privilegiada por ter dito condições financeiras para fazer tratamentos ótimos, estudar em escolas com crianças com e sem deficiência, passear, brincar, aprender coisas novas, ser cuidada e até muito paparicada. Aproveitei o que a vida me deu sempre consciente das flores e frutos que eu tinha o dever de espalhar pelo mundo.

Não sou melhor nem pior do que ninguém. Na verdade admiro e aprendo muito a cada amanhecer com pessoas que construíram suas raízes totalmente sozinhas! Bom, seria se não precisasse contar essas tristes histórias. Abomino discursos ridículos, assistencialistas, moralistas, piegas, e principalmente, demagógicos, que retiram a responsabilidade das pessoas. Como por exemplo: o povo brasileiro ‘é guerreiro mesmo’ e ‘gosta de lutar e de sofrer sempre com um sorriso nos lábios’. Eu espero e luto para que - o mais rápido possível - a maioria dos relatos que escreverei sejam sobre famílias que vivem felizes sem precisarem se sacrificar para sobreviverem. Mas infelizmente, hoje ainda é extremamente necessário falar da luta de muitas famílias!

Conheci mães que carregam seus pesados filhos com deficiência nos braços por longas distâncias, e sobem em ônibus caindo aos pedaços e sem adaptação nenhuma. Lutam com uma garra e coragem - que não sei de onde brota - para que eles conquistem seus espaços na sociedade. Elas não medem esforços para levá-los a escola, ao hospital, a clínica de reabilitação, e tantos outros lugares. 

Sem falar naqueles que não tem absolutamente ninguém que olhem por eles, nem para ensinar os caminhos. Vocês já pararam para pensar que em pleno século XXI muitas pessoas com deficiência vivem pior do que animais jogados em depósitos, chamados de ‘instituições’? Ninguém faz - nada ou pouquíssimo - de concreto para que essa situação mude! Fiquei sabendo de um homem com deficiência intelectual - que depois de ser jogado na rua, desalojado de uma dessas instituições - foi queimado vivo! Uma grande amiga me disse que, infelizmente, ainda existem muitos casos como esse.

É por isso, que tenho o dever de informar os cidadãos sobre essa realidade. Apoio familiar é muito importante, mas se os Governos federais, estaduais e municipais, e toda a sociedade não cumprirem com seu papel, as pessoas simplesmente, desaparecerão da face da terra! A existência de transportes públicos adaptados e acessíveis a todos, é um dos caminhos mais urgentes - nesse momento - para as pessoas com deficiência física, auditiva, visual, intelectual, múltipla e/ou surdocegueira conquistarem direitos e cumprirem deveres, com o sem o apoio das famílias e dos amigos. Pois como poderão ser ouvidos, sem nem conseguem chegar até os representantes? Não adianta nada existirem escolas, parques, hospitais, órgãos públicos, entre outros lugares, um pouco mais inclusivos, se estas pessoas ainda não têm condições de usufruir deles com qualidade!

Por isso, as pessoas, com ou sem deficiência precisam lutar por transportes acessíveis, totalmente seguros e confortáveis!! Até o fim de suas vidas pelo direito de ir, vir e permanecer nos lugares com DIGNIDADE. 

O Brasil tem umas das melhores legislações do mundo em relação às pessoas com deficiência. Sem contar os mais de 20 documentos internacionais os quais o país é signatário desde 1955. Em meio a tantas leis, parece simples fazer valer os diretos dessas pessoas, mas a teoria ainda é bem diferente da prática! Haja vista a dura realidade relatada na matéria do jornal Folha de São Paulo escrita em 2003. Muitos anos depois, infelizmente, afirmo que quase nada mudou!

A reportagem (de um jornal da cidade de SP) levou o professor de tênis Sérgio Gatto, 36 anos, para um passeio pela cidade. No trajeto, ele demonstrou algumas das dificuldades vividas pelos cadeirantes. 

Na estação de metrô da praça da Sé (centro), da linha azul, Gatto precisou descer com a cadeira de rodas pela escada rolante, de costas, para que a roda encaixasse nos degraus. Para não correr o risco de a cadeira virar, pediu a uma pessoa para que ficasse um degrau abaixo do dele. "Eles dizem que têm funcionários para nos ajudar, mas como chamá-los daqui de cima?", questionou. Continuando o "passeio" pela praça da Sé, algumas surpresas. Ao tentar atravessá-la, Gatto deparou-se com cinco lances de escada. 

A solução foi tentar o percurso pela lateral da praça. Mas a calçada acabou de repente, sem nenhuma rampa que permitisse a Gatto continuar sozinho. Na avenida Paulista, o professor esperou 20 minutos por um ônibus adaptado. Nos 40 minutos seguintes, não passou mais nenhum. Nesse período, atravessaram a Paulista 88 ônibus comuns. 

A reportagem também percorreu algumas das principais avenidas da cidade. Bons exemplos, como a Avenida Paulista, com guias rebaixadas em todos os cruzamentos, são minoria. A rua Brigadeiro Faria Lima tem rebaixamento em metade de seus cruzamentos, mas há casos incompreensíveis como na rua Iraci, onde só há rebaixamento em uma das duas esquinas. Na Avenida Brasil, apenas dois cruzamentos têm rebaixamento de guias.

*Crônica originalmente publicada na “Agenda do Portador de Eficiência” / 2006.