segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Turismo inacessível!


Fonte: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=32896

Que país é esse?

Rede SACI
Belo Horizonte - MG, 07/10/2011

Adriana Lage comenta sobre a acessibilidade no Rock in Rio e sobre a forma como as pessoas com deficiência são tratadas em shows.

Adriana Lage

Nos últimos dias, muito se falou sobre o Rock in Rio. Sem sombra de dúvidas, foi um evento importante, mas que serviu para mostrar que a cidade ainda não está preparada para receber tantos turistas com deficiência. Quisera eu ter coragem para encarar 100 mil pessoas. Penso assim: a partir do momento que se está disposta a encarar um evento com tantas pessoas, se está na chuva é pra se molhar mesmo. Ou, como diria um cadeirante que esteve na Cidade do Rock, “está no inferno, abraça o diabo!”. É utopia pensar que as coisas seriam perfeitas. Mas isso não justifica o fato da prometida acessibilidade não ter sido tratada com mais carinho por parte dos organizadores do evento e demais envolvidos.

Pensei seriamente em ir ao evento, principalmente nos últimos dias. Cada show maravilhoso! Tentei convencer minhas amigas, mas, como as levei pro Rio no final de semana do retorno da Madona à cidade, ainda estou de ‘castigo’. Foi um verdadeiro caos. Imagino então o que deve ter sido a cidade durante o Rock in Rio! Assisti a alguns shows pelo Youtube e pela TV. Não escreveria sobre o assunto, mas nunca vi o facebook pipocar com tantas reclamações sobre o evento em relação à acessibilidade!

Tenho um amigo cadeirante, provavelmente a peça mais rara que conheço nessa vida, que foi no dia dos metaleiros. Não me espantaria nem um pouco caso ele estivesse no meio da multidão! Mas resolveu ficar no local reservado para cadeirantes. Ele gostou muito e não achou a visibilidade do local tão comprometida. A única ressalva feita foi que havia muito mais acompanhantes para o cadeirante do que o previsto. Por exemplo, tinha cadeirante com mais de cinco acompanhantes. O povo ficava em pé e tampava, muitas vezes, sua visão. Infelizmente, nosso país ainda carece de muita educação! Li algumas matérias em que pessoas com deficiência reclamavam sobre a visibilidade ruim do local reservado para cadeirantes. Achei interessante o local ser suspenso. Acho que nunca fui a shows com mais de 6 mil pessoas. Não é muito agradável quando todos começam a pular e a cadeira de rodas vai junto. Imaginem só 100 mil pulando?!

Li uma matéria na qual o Marcelo Yuka, cadeirante e músico, elogiava a acessibilidade do evento. Ele se apresentou no Palco Sunset e assistiu a shows na área vip. “Sempre pode melhorar, mas essa estrutura do Rock in Rio é a melhor que eu já vi em termos de acessibilidade. Não tem nada igual em nenhum outro lugar do mundo”, disse Yuka. Bacana, mas, cá entre nós, ele é famoso! Assistir show na área vip é bem diferente de estar no meio da muvuca.

Algumas informações que coletei nas matérias lidas:

- Falta de cardápios em braille nos restaurantes;
- Como precisavam atender mais pessoas, os elevadores dos ônibus praticamente não foram usados. Os cadeirantes eram carregados para andar mais rápido;
- Muitos funcionários das empresas de ônibus não sabiam operar os elevadores;
- Falta de banheiro adaptado próximo ao local reservado para cadeirantes.
- A área reservada para pessoas com deficiência era bem distante. E ficou cheia de acompanhantes aproveitando o fato de estarem com uma pessoa com deficiência. Pra variar, quando algum cadeirante pedia licença pra enxergar o show, os andantes saiam contrariados da frente;
- As vans que transportariam as pessoas até a entrada não saíram do papel;
- A grama sintética facilitou o deslocamento dos cadeirantes;
- O único banheiro masculino adaptado era químico. Como era de se esperar, qualquer pessoa entrava nele. Ou seja, novamente as pessoas com deficiência foram desrespeitadas. Um cadeirante descreveu em sua matéria o estado de calamidade pública do banheiro que tentou utilizar e desistiu. Vou poupá-los dos detalhes... E olha que não estava nem na metade da noite. Em outra matéria que li, uma mulher reclamou dizendo que perguntou a vários seguranças onde ficava o banheiro adaptado e ninguém soube respondê-la; Existiam vários banheiros em alvenaria, mas nenhum deles era adaptado;
- Vários emails enviados para os organizadores questionando sobre a acessibilidade não foram respondidos;
- Algumas pessoas com deficiência gostariam que a área reservada para elas fosse mais central, o que permitiria melhor visibilidade. Muitos prefeririam deixar a área reservada e assistir aos shows junto com a multidão;
- Deficientes visuais acompanhados de cão guia não tiveram muitas dificuldades.
- Desinformação e falta de ônibus adaptados;

Espero que os problemas encontrados nessa edição do evento sejam analisados e levados em consideração para que não se repitam nas próximas edições. Os problemas de acessibilidade encontrados no Rock in Rio servem pra alertar a cidade do Rio de Janeiro para que se prepare melhor para eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Quem foi, com certeza, deve ter se divertido bastante e enfrentado as dificuldades com muito bom humor. Detalhe: alguém sabe me dizer se colocaram piso tátil no palco pro Stevie Wonder? Legal demais a chegada dele ao palco. É um artista e tanto! Tenho que reconhecer que adoooro “I Just called to say I Love you”. Não entendo por que, às vezes, diminuem a iluminação do palco para a entrada do Hebert Viana. Eu faria ao contrário! Colocaria holofotes pra mostrar as dificuldades que ele enfrenta no palco.

Sinto falta de mais comprometimento por parte dos artistas. Li uma vez que Daniela Mercury só faria shows em locais que respeitassem a acessibilidade! Já pensou que maravilhoso seria se mais artistas comprassem essa briga? Sempre ficamos segregados em algum cantinho do palco com a visibilidade comprometida. Recentemente, conversei com uma tetraplégica, irmã de um músico de uma banda mineira famosa, sobre a acessibilidade nos shows da banda. Ela me disse que isso não depende da banda e sim dos organizadores do evento. Ou seja, posso esperar problemas no dia do show! Sinceramente, acredito que, se os artistas batessem o pé, duvido que os organizadores não começariam a tratar questões de acessibilidade com mais carinho.

Somos um público ainda esquecido! Por exemplo, sábado passado, fui a um show na Serraria Souza Pinto. O lugar é bem acessível. Gostei! Mas não reservaram lugar nenhum para cadeirantes. Por sorte, estava bem vazio, senão passaria aperto! Consegui assistir ao show do Bauxita em frente ao palco. O tempo passou, mas ele ainda dá um caldo! Como diria minha irmã, fiquei babando por ele... Na hora do show do Léo Jaime, as pessoas já tinham tomado todas, e começaram a me atropelar em frente ao palco. Achei melhor sair da muvuca, pois ganhei várias cotoveladas e empurrões. Como diria meu grande ídolo, saudoso Renato Russo, “que país é esse”? A legislação está aí, todos já sabem o que precisa ser feito, mas cadê a boa vontade pra cumprir o necessário? Vale lembrar que acessibilidade não é favor! É direito e, como tal, precisa ser respeitada e posta em prática.

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