segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Falta de respeito


Fonte: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=32897

“No balanço do balaio, saculejo, saculejo, saculejo...”

Rede SACI
Belo Horizonte - MG, 07/10/2011

Texto de Adriana Lage comentando sobre sua experiência como usuária do transporte coletivo em Belo Horizonte/MG.

Adriana Lage

O texto de hoje foi inspirado na música, de Vander Lee, No Balanço do Balaio. Sinceramente, sei que o ser humano se adapta a tudo nessa vida. Sei também que a necessidade nos faz ganhar força e coragem. Mas verdade seja dita, não nasci pra andar de ônibus! Que coisa mais estressante! Reconheço que sou uma mulher frouxa quando o assunto é transporte coletivo. Agora virou uma questão de honra; quero aprender a andar de ônibus sem pagar tanto mico e ficar tão quebrada. Já fiz três experiências não muito agradáveis. Duas aqui em BH e uma em Buenos Aires. A frota de ônibus de Belo Horizonte está repleta de veículos com elevadores. Essa foi uma das grandes conquistas dos mineiros com deficiência. Até os ônibus suplementares já dispõem de elevadores. Antigamente, tínhamos vários casos de ônibus cujos elevadores estavam estragados ou que a chave do equipamento tinha ficado na garagem da empresa. Em outros casos, o trocador não sabia manejar o equipamento. Hoje em dia, com o aumento da acessibilidade na frota mineira, com as cobranças e participação ativa dos usuários, os problemas melhoraram muito. Querendo ou não, grande parte da população com deficiência utiliza o ônibus como principal meio de transporte.
Depois de um passeio pelo Parque Municipal, fiquei devendo um café no Palácio das Artes para minha irmã, já que ela tinha considerado programa de índio nossa ida à feira de tecnologias assistivas. Adoro ir ao Palácio das Artes, mas nunca tinha ido ao café. Ele fica no andar de baixo. Para chegar até lá, o cadeirante precisa usar uma plataforma. Passei um medo danado. O elevador dá umas agarradas e uns pulinhos que não são muito agradáveis. Até esse dia, pensava que não tinha medo de altura! Rsrs. Pro meu azar, o café estava fechado. Minha irmã teve a brilhante idéia de irmos ao shopping de ônibus. Lá fui eu passar mais medo no elevador maluco. Quando sai de lá, o funcionário morreu de rir e foi me dar uma aula sobre a segurança da plataforma.
Como alguns manifestantes grevistas haviam fechado algumas pistas da Afonso Pena, tivemos que ir até outro ponto de ônibus. Um fato que tem me chamado atenção em BH são os rebaixamentos nas calçadas. Não sei qual infeliz teve a idéia de fazer rebaixamentos com degrau no final! Tem cada rampinha horrorosa: rampa íngreme, com degrau, esburacada... Essa ‘praga’ tem se alastrado pela cidade. Uma pena!
Quando o ônibus chegou, ele não estava muito cheio. O motorista teve que fazer algumas manobras até consegui deixar o veículo rente ao passeio. Se não fosse minha irmã ir até a porta e falar com ele que tinha uma cadeirante no ponto, ele teria ido embora sem nos levar.
A trocadora foi descer o elevador. Mais uma vez, o motorista precisou manobrar o veículo. O elevador desceu sem problemas, mas a parte final estava estragada. Minha mãe tentou empurrar a cadeira com o joelho e fui parar lá na frente da cadeira. Depois de muito custo, conseguimos entrar. Só depois dessa dificuldade toda é que a trocadora nos avisou que a cadeira teria que entrar de costas para o ônibus. Felizmente, um homem que estava esperando no ponto nos ajudou e entramos mais rapidamente.
A trocadora foi recolher o elevador enquanto eu e minha irmã líamos as instruções para posicionar o cadeirante no ônibus. Minha irmã colocou o cinto de segurança em mim e foi pagar nossa passagem. Nesse instante, entrou um rapaz no ônibus me dizendo que o cinto estava no meu pescoço. Eu nem tinha percebido! Tinha grande chance de me machucar. Estava perdida com o cinto quando um senhor me disse que deveria passá-lo embaixo do meu peito. Ele riu e falou: “é, as coisas melhoraram, mas vocês ainda passam muito aperto nessa vida”.
Ele sugeriu que minha irmã se sentasse na cadeira para deficientes visuais com cão guia. Mas não sobrou espaço. Ela ficou me zoando falando que tinha lugar vago no ônibus e eu a fazendo ficar em pé. Mesmo com o cinto e com a cadeira de rodas travada, eu saía do lugar. Sabem aquela música do Frejat em que ele diz que rir de tudo é desespero? Pois essa sou eu em momentos de stress. Minha irmã disse que parecíamos duas patricinhas andando de ônibus.
Quando foi fazer a curva na Avenida João Pinheiro, minha cadeira começou a tombar pra direita. Eu estava segurando na barra, mas não consegui me segurar. Falei no melhor estilo mineirês em pânico: “gennnte, tá tombando!” O senhor que estava em pé ao meu lado gargalhou. O homem custou a parar de rir. Minha irmã me xingou dizendo que falei alto demais. Depois disso, pra evitar mais micos, ela sempre me prevenia: daqui a pouco, curva pra esquerda; segura que lá vem curva pra direita... achei que fosse ter um troço na curva do Ponteio! Mas foi tudo melhor do que eu esperava.
Na hora em que desceu do ônibus, o senhor que ficou rindo das minhas trapalhadas, se despediu de mim me desejando boa sorte e dizendo: “segura aí!”. Minha irmã, que é toda palhaça, pôs a mão no rosto dizendo que a faço passar muita vergonha!
Quando fui descer do ônibus, novamente, contei com a ajuda de dois rapazes que estavam no ponto do ônibus. Assim que desci, toda descabelada e dolorida, minha mãe me disse uma pérola que me fez morrer de tanto rir. Ela me disse: “Adriana, minha filha, isso é pra você pensar bem antes de namorar pobre que não tenha carro. Já pensou que complicação?”. Faz sentido o comentário dela; estava se referindo às dificuldades que eu enfrentaria já que tenho medo de andar de ônibus. Lendo rapidamente pode parecer um comentário preconceituoso. Mas é apenas cuidado de mãe! Mesmo porque, quando se está apaixonada, acho que vale a pena ir até nadando encontrar a pessoa amada!
Não me lembro se já comentei sobre a minha primeira experiência andando de ônibus como cadeirante. Se sim, me perdoem pelo momento Alzheimer. Nesse dia, peguei a hora do rush. Foi um caos! Não tinha cinto de segurança e minha mãe foi segurando minha cadeira de rodas. O ônibus estava lotado. Nunca levei tanta bolsada e cotovelada na cabeça. Minha cadeira estava travada, mas, toda hora, uma senhora dava uma joelhada no freio e me tirava do lugar. Nesse dia, os passageiros fizeram cara ruim quando entrei no ônibus. Querendo ou não, demora um cadinho.
Enfim, acho que a utilização de piso rebaixado ou elevadores facilita, e muito, a vida das pessoas com deficiência. Mas acho desconfortável o fato da cadeira tombar nas curvas e não parar quieta no lugar. Por exemplo, no único táxi adaptado da cidade o motorista coloca trava nas rodas além do cinto de segurança. Particularmente, tenho dificuldades em manter meu pescoço ereto andando de ônibus ou mesmo no táxi acessível sem o apoio para a cabeça. Um dia desses vou testar com a cadeira motorizada. Acredito que seja mais confortável, já que a cadeira é bem mais pesada que a manual. Foi uma experiência interessante e divertida. Pena que agora fiquei devendo uma Moleca nova pra minha irmã. De tanto segurar a cadeira de rodas com o pé, a sapatilha ficou toda suja! A viagem de ônibus me saiu mais cara que um táxi...

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