Também foi publicada no portal Inclusão Já - http://inclusaoja.com.br, que luta em defesa do direito a educação
inclusiva para apoiar às políticas públicas em prol de uma sociedade
brasileira, que respeita e aceita toda a diversidade humana, começando pelo
alicerce fundamental da cidadania: a educação!
Hoje
Leandra está com 36 anos e continua uma forte atuante pelos Direitos Humanos
das Pessoas com Deficiência, em especial pela Educação de Todas e Todos,
segundo determina a Convenção Internacional sobre os Direitos Humanos das
Pessoas com Deficiência, criada pela ONU – Organização das Nações Unidas e
ratificada como Emenda Constitucional pelo Brasil em 2008, portanto, deve ser
cumprida à risca como determina o artigo 24 referente à Educação: “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com
deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base
na igualdade de oportunidades; os Estados Partes assegurarão sistema
educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de
toda a vida”.
Texto:
Leandra Migotto Certeza*
Fico feliz em poder contar um pouco da minha história pelo
universo escolar. Querem viajar comigo pelo túnel do tempo? Há 26 anos eu
nasci. Em um tempo em que a diversidade natural do ser humano ainda era pouco
abordada pela mídia. Hoje se fala muito em Educação Inclusiva ,
Responsabilidade Social, Terceiro Setor, Voluntariado, Inclusão Social, Consumo
Consciente... Porém, a distância entre a teoria e a prática ainda é grande.
Vejam só...
Pré-escola: onde criança quer mais é ser feliz!
Graças à amizade de meus familiares com diretores de uma escola, consegui cursar o pré-primário em meio às delícias da infância. Comi muita areia, brinquei de pega-pega, "pulei" corda, cantei cantigas de roda, visitei parques, fiz desenhos, aprontei com massinha de modelar, "subi" em trepa-trepa, brinquei de roda, aprendi a ler e escrever. Aos cinco anos, dava um jeito de participar de tudo. Como minhas pernas ainda não tinham forças para agüentar meu corpo, usava o bumbum e corria pelo pátio junto com os amigos. Sabia que para fazer algumas coisas precisava de ajuda, como subir em uma cadeira ou escada, pegar um livro na estante, ir às excursões... Mas nunca deixei de ser e estar na escola!
Muitas crianças com deficiência ainda não conseguem ter acesso à
escola. Minha sorte foi que os meus familiares conheciam os diretores e
explicaram que eu não seria uma aluna que, segundo o preconceito da época,
traria "problemas" aos outros colegas, professores ou pais. Embora
menor do que eles, pois tinha o tamanho de uma criança de dois anos, era bem
alta no tom de voz quando queria dizer algo. Acho que isso até hoje é uma das
minhas características mais fortes e que às vezes acaba sendo um pouco
exagerada... Mas naquela época, essa espécie de "compensação" foi
super importante para que eu nunca fosse esquecida do jeitinho que era.
Aos seis anos de idade, depois de ser alfabetizada, vivi a triste
experiência de ser segregada a uma escola dita "especial". Pois, após
diversas tentativas de minha mãe em me matricular na antiga primeira série, em
um colégio com alunos sem e com deficiência, acabei indo parar dentro de uma
verdadeira jaula! Naquela época, devido ao descaso dos governos e da sociedade,
as escolas em sua maioria adotavam o modelo assistencialista. Então, cursei
dois anos em um colégio regular conveniado a uma instituição especializada em
crianças com deficiência.
Lá estagnei. Pois, numa mesma sala, uma vitoriosa professora,
tinha o árduo e mágico objetivo de ensinar crianças com diferentes graus de
deficiência e séries distintas. Em meio às lições de alfabetização - o que eu
já dominava - crianças com comprometimentos mentais, dividiam a atenção com as
que possuíam dificuldades de mobilidade como eu. É claro que todos saiam
prejudicados, pois além de não termos nossas especificidades respeitadas, não
tínhamos a mínima possibilidade de desenvolvermos nosso potencial. Mas sem
dúvida, o fato mais marcante - e que ainda hoje, infelizmente, é encontrado em alguns Estados do
Brasil - era a existência de uma grade que nos separava do outro mundo - o das
crianças ditas "normais"! Isso era um horror! Tínhamos que tomar
lanche também em um pátio separado. Parecia que iríamos transmitir alguma
doença contagiosa ou "aterrorizar" as outras crianças com a nossa
aparência diferenciada.
Em um completo sistema assistencialista, éramos considerados
coitadinhos que mereciam cuidado especial, mas fora do convívio com as outras
pessoas. Não éramos vistos como cidadãos, com direitos e deveres. Hoje, penso
que talvez fosse a transição de um processo educacional para o outro, pois,
anos antes, a maioria das crianças com alguma deficiência não eram nem mesmo
consideradas "aptas" à educação, permanecendo sob cuidados médicos ou
como eternos bebês nos colos das suas mães. Era o início das chamadas:
"Classes Especiais", que ainda existem hoje. Porém, graças à luta de
inúmeras pessoas, elas são bem melhores do que antes, apesar de ainda estarem
bem longe do objetivo da Educação Inclusiva: não à segregação!
Mas, naquela época era muito complicado para uma menina de sete anos, esperta como eu (creio que para inúmeras outras também, pois não sou melhor ou pior do que ninguém), ser ignorada e ter de pedir, por favor, para ser vista pelo mundo. Por isso, sempre que possível, dava uma fugida e passeava pelos corredores do colégio no colo das "tias". Elas me levavam de volta ao sonho do qual despertará: o convívio com todas as crianças. Não que eu não me sentisse bem perto dos meus amigos com alguma deficiência, pois, desde os três anos, estava no meio deles, nas sessões de fisioterapia e hidroterapia em uma instituição especializada. Mas não entendia porque tinha que me manter escondida dos outros sem deficiência.
E é por isso que hoje, quando participo de congressos e escrevo
artigos sobre Educação Inclusiva, sei da importância que o TODO têm na vida de
uma pessoa. As crianças, os jovens e os adultos têm o direito, assegurado na
nossa Constituição Federal, à educação em meio à diversidade inata ao ser
humano. Todos nós nascemos sem nenhum preconceito, pois só os
"formamos" após sermos "ensinados" do que é
"certo" ou "errado" - apesar de eu não gostar dessas
palavras, pois não refletem a complexidade e amplitude humana. Portanto, nunca
vamos discriminar alguém por não ter um braço ou uma perna, ou porque fala,
ouve, enxerga ou anda diferente de nós. Muito pelo contrário, criança que é
criança, quer mais é ser feliz! Não importa como!
Depois de muita luta, finalmente, uma escola inclusiva!
Eu fui muito feliz, mesmo depois de alguns tropeços pela vida e, literalmente, ossos quebrados. E em 1986, depois de muitas andanças por aí e "portas na cara", finalmente minha mãe, meio que por milagre, conseguiu me matricular em uma escola dita regular. Mais uma vez, eu, infelizmente, ainda era a única aluna com alguma deficiência que havia estudado lá. Pois, a maioria das mães encontravam inúmeras dificuldades para conseguir que seus filhos fossem aceitos nas escolas; uma vez que ainda não era lei, como é hoje, a obrigatoriedade em matricular qualquer aluno que batesse na porta de um colégio.
Nessa escola eu pude desenvolver todo o meu potencial de uma menina de 9 anos. Como havia parado de andar, era levada no colo pelos colegas e professores, que nunca me deixaram de fora das atividades, inclusive das broncas. E uma vez fui parar na diretoria e tomei suspensão por ter xingado uma menina, que - diga-se de passagem - era muito chata. Esse fato ilustra o verdadeiro significado da inclusão em sua plenitude: tratar todas as pessoas igualmente respeitando suas diferenças. Acredito que esse sentimento pode estar dentro de cada um de nós ou em pessoas mais sensíveis "ligadas" na evolução da vida.
É importante ressaltar, que, felizmente, eu tive uma grande sorte,
pois nunca ninguém me tratou diferente dentro da medida das minhas diferenças.
A equiparação de oportunidade - mesmo que ainda apenas intuitivamente - sempre
era usada para que eu me sentisse completamente incluída. O que significa isso?
Quer dizer que, se eu precisasse de uma carteira mais baixa; uma rampa; ser
levada no colo (pois hoje sei que deve ser ao máximo evitado, porque todas as
crianças têm o direito à privacidade, individualidade, oportunidade de
crescimento e desenvolvimento adequado à idade); ou ser acompanhada por minha
mãe em passeios, entre outras coisas, tudo era providenciado.
Naquela época pouco se falava sobre os conceitos de Acessibilidade
e Desenho Universal, os quais garantem rampas, elevadores, sistemas de
computação para leitura em voz alta direcionada aos cegos e/ou deficientes
visuais, intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para surdos e/ou
deficientes auditivos; salas de recursos e/ou professores de apoio para algumas
deficiências metais, entre outros recursos. E como eu não sabia quase nada
sobre o assunto, não exigi muito da escola para adaptar as dependências de
forma que amanhã outros alunos com dificuldades como eu pudessem utilizar.
Hoje, fico feliz, em saber que o colégio foi ampliado e dispõe de rampas e
elevadores. Mas ainda pretendo fazer um trabalho de conscientização sobre a
inclusão, para que eventuais alunos com outras deficiências, como auditiva,
visual, mental ou múltipla (união de duas ou mais deficiências), ou crianças
obesas possam se sentir tão bem quanto eu.
Outro ponto super importante a relatar, é que o conteúdo do currículo, da pedagogia e das atividades do antigo primeiro grau e do ginásio não foi alterado em nenhum aspecto. Nunca recebi nota alta em matemática - matéria que detesto até hoje e não sei direito - só porque parecia uma "bonequinha de louça", como diziam os médicos ou professores. Muito pelo contrário, era punida da mesma forma caso colasse nas provas - coisa que só fazia em matemática mesmo... Além disso, não era elogiada mais do que os meus amigos por uma pesquisa ou nota, pois sempre estive na média em relação ao desempenho escolar da sala. Caso merecia reconhecimento era exclusivamente pelo que havia feito com muito orgulho e dedicação!
Infelizmente, só permaneci lá até a antiga oitava série. Minha formatura do curso ginasial foi marcante. Todas as minhas amigas me incentivaram a participar. E com um certo receio sobre o que a minha imagem física poderia trazer aos outros - coisa super valorizada quando se têm 14 anos - fiquei muito feliz ao entregar rosas à diretora, mesmo estando sentada em uma cadeira com meu lindo vestido branco.
É isso aí, durante esse fundamental período da vida escolar, pude contar com pessoas éticas, responsáveis, profissionais e acima de tudo humanas, que nunca me deixaram me sentir menor ou maior do que ninguém. Fiz muitos amigos e amigas. E depois de formada em uma universidade voltei ao colégio e me emocionei com a alegria das professoras e diretoras ao me verem andando. Antes de terminar o "capítulo" desse relato, não posso esquecer de dizer que quando conheci essa escola, tanto os diretores como os professores não temeram em enfrentar uma situação nova e desafiadora. Acreditaram na minha capacidade, nas informações conscientes de minha mãe e acima de tudo na vida, pois ela, felizmente, não é dada igualmente a todos nós! Acredito que é isso o que os educadores devem ter em mente hoje em pleno século
Ensino médio: mudanças que a adolescência traz
A minha evolução física e psicológica acompanhou a escolar. E aos 15 anos, voltei a fazer exercícios para andar novamente, com a ajuda de um par de muletas, e consegui me matricular em um colégio também regular. Lá, felizmente, já encontrei outros alunos com alguma deficiência. No primeiro ano do antigo colegial, éramos quatro: eu com Osteogenesis Imperfecta (formação óssea imperfeita, que pode acarretar, entre outros fatores, baixa estatura e dificuldade de andar, mas, principalmente, fragilidade óssea devido a não absorção de cálcio); um menino com paralisia cerebral (o que, superficialmente falando, é a falta de comunicação do intelecto com as partes do nosso corpo, e ocorre, na maioria das vezes na hora do parto, podendo comprometer os movimentos, a musculatura e a fala dessas pessoas, mas em nada altera o raciocínio); uma menina surda, que fazia leitura labial e sabia um pouco de Libras; e um garoto com deficiência auditiva, que usava um aparelho para ouvir um pouco e falava muito bem.
Nessa escola também fui muito bem aceita por todos durante os três anos. E, já com 17 anos, lutava mais pelos meus direitos, mesmo que eles ainda não tivessem respaldo legal, além da Constituição Brasileira - que, infelizmente e vergonhosamente, ainda hoje não é respeitada pela maioria das pessoas. Então, solicitei algumas modificações físicas para garantir a acessibilidade às dependências do colégio. Infelizmente enfrentei maiores resistências, pois era a única que ainda usava uma cadeira de rodas e os diretores temiam as possíveis "profundas mudanças" na estrutura física da escola. Assim, mais uma vez eu contei com a famosa "ajuda", que hoje é considerada inadequada e ineficiente.
Pois, atualmente, experiências bem sucedidas demonstram o quanto é possível fazer adaptações físicas na estrutura das escolas e dentro dos sistemas de comunicação, com materiais, tecnologia e mão-de-obra financeiramente acessíveis. E, na maioria das vezes, com a reutilização e/ou reaproveitamento de recursos. Além do mais, cada dia que passa - infelizmente com exceções - aumenta o número de escolas construídas seguindo o conceito de Desenho Universal. Mas o que ainda é extremamente escasso é a fiscalização dos órgãos públicos e da própria população, em relação ao cumprimento das leis brasileiras que garantem a acessibilidade.
Agora, em relação aos professores do antigo colegial, a maioria compreendia a necessidade de maior atenção aos alunos com deficiência, na medida em que ainda não dispunham de outros mecanismos como o domínio da Libras, ou a experiência com a fala de pessoas com paralisia cerebral. E nunca me esqueço o dia em que numa aula da antiga e saudosa disciplina de Educação Moral e Cívica, o professor, atenciosamente, fez o aluno com paralisia cerebral ler sua redação em voz alta, deixando-o todo cheio de auto-estima e dignidade. Pois mesmo com dificuldade na fala ele tinha o total direito de usar a sua voz para expor suas idéias.
Contudo, ainda é muito triste, o relato abafado de muitos fatos de
puro descaso, omissão e/ou crime de alguns diretores de colégios em relação
principalmente, aos alunos com deficiência mental e física. Vide o que
aconteceu recentemente, em uma escola de Itanhaém, no Estado de São Paulo, onde
um aluno com paraplegia e sem controle de suas funções fisiológicas,
terrivelmente não tem outra alternativa senão fazer as necessidades na frauda,
pois não há um banheiro que ele possa utilizar com sua cadeira de rodas.
Voltando à minha trajetória, é importante declarar que, em relação
os alunos - em sua maioria, adolescentes e jovens entre 16 e 20 anos -, as
reações eram as mais diversas. Isso era natural, pois em uma fase em que a
identidade está sendo colocada em jogo pela sociedade e a personalidade está
sendo meio "moldada", ficava difícil fugir aos estereótipos. E muitas
vezes, os alunos com deficiência eram um pouco incompreendidos. Creio que mais
por falta de informações a respeito de suas particularidades do que por
preconceito, pré-julgamentos ou ações discriminatórias.
O que acontecia era que alguns colegas ficavam um pouco impacientes, pois o tempo de realização das coisas dos alunos deficientes era um pouco maior do que o deles. Ou, na maioria das vezes, também não sabiam como poder ajudá-los nas atividades cotidianas. Fatos esses, resolvidos hoje, em algumas escolas, por meio de dinâmicas e treinamentos específicos sobre as principais características das pessoas com deficiência. O que facilita muito na hora de "quebrar o gelo" entre as pessoas diferentes. Pois, um dos principais pressuposto do conceito de inclusão social é o conhecimento do outro em sua totalidade, para depois conseguirmos interagir naturalmente sem qualquer receio.
Agindo dessa forma, os pré-julgamentos, e atitudes discriminatórias seriam
evitadas. Afirmo isso, pois infelizmente, ainda hoje, muitas pessoas sofrem com
atitudes puramente racistas e preconceituosas. E palavras como: aleijado,
caolho, manco, monstro, coitado, perna de pau, débil mental, mongolóide,
baleia, anão, anormal, aberração da natureza entre outros terríveis e
abomináveis xingamentos acabam sendo maldosamente usadas por algumas pessoas,
ao se referirem às com alguma diferença.
Porém, eu, na maioria das vezes, não ficava de fora de nenhuma
atividade do colegial, mas nunca me senti à vontade quando o assunto era sexo e
relacionamentos amorosos. Creio que esse tabu ainda é um dos mais complexos de
serem quebrados, pois a sexualidade de uma pessoa com deficiência, infelizmente
ainda é um mito para muitas pessoas. E naquela época, como eu não tinha um
distanciamento com a adolescência; conhecimento sobre o assunto; e nem
experiência profissional na área da inclusão, sofri bastante com os olhares
assustados dos colegas, principalmente dos garotos. Pois, na hora de paquerar
as meninas, todos, sem exceção, simplesmente e friamente desviavam o olhar de
mim. Eu chorava muito por não ter a altura normal (pois até hoje meço 1 metro de altura), pernas
retas e um bumbum no lugar, usar um par de muletas e parecer um "ser
estanho" perto de qualquer menina de 17 anos.
Resumo minha passagem pelo colegial como uma metamorfose. Pois, nessa fase percebi a importância da família e dos verdadeiros amigos. Foi só depois que me dei conta que o colégio em si, mesmo que ainda pouco acessível fisicamente, foi um ambiente inclusivo. Pois, ao conviver com as adversidades que a diversidade nos impõe, cresci muito. E hoje luto para que outros jovens passem por essa fase sem ou com menos dor do que eu. E em meus textos e palestras alerto para a importância de se conviver com a diversidade desde criança.
E, apesar de ainda ser um tema extremamente polêmico, também creio
que para a maioria dos alunos com deficiências mentais - salvo raríssimas
exceções - estudar em meio às crianças com e sem deficiência é extremamente
importante para o estímulo do seu potencial, não sub ou super estimando-o.
Portanto, o ambiente escolar inclusivo é a melhor solução para quebramos tabus
e construirmos uma sociedade mais humana!
Cursinho pré-vestibular: um passo muito importante rumo a
faculdade
Continuando minha trajetória pela educação, em 1995, antes de
ingressar na faculdade - meu grande sonho -, fiz cursinho pré-vestibular. Lá
também encontrei muitas dificuldades com as barreiras físicas e
comportamentais. Nunca ninguém se preocupou em construir uma rampa no lugar dos
degraus da entrada do prédio, mesmo com a presença de uma aluna em cadeira de
rodas. Pois eu já usava apenas um par de muletas e subia a escadinha sem problemas.
Mas essa menina, que também estava na mesma sala que eu, tinha que ser carregada pela tia-avó - já com uma certa idade - todos os dias para conseguir estudar. Raramente, um aluno ou professor "dava uma força", mas nunca se preocuparam em proporcionar independência a ela, pois pagava em dia sua mensalidade, como todos os outros alunos, portanto tinha o direito a acessibilidade. Eu insistia para que ela e sua tia solicitasse aos diretores uma rampa, mas elas tinham medo de perder a vaga e o desconto no curso. E era óbvio que se tratava de uma relação extremamente assistencialista. Era como se a escola tivesse o terrível e completamente falso direito de dizer: "Você não tem do que reclamar. Afinal, deixamos você estudar aqui e ainda lhe ajudamos com um desconto".
Esse fato era inadmissível, pois já em
Finalmente o grande sonho: ensino superior!
É por isso que em 1996, quando passei no vestibular para cursar
Comunicação Social em uma faculdade particular, não me preocupei em perguntar a
diretoria se seria aceita - o que infelizmente e vergonhosamente fui obrigada a
fazer durante 15 anos de minha vida! Estava pronta para acionar o Ministério
Público, caso ocorresse algum problema. Isso não significa que fui
"chata" com os diretores, professores, funcionários ou alunos, pois o
processo de inclusão deve ser um mútuo conhecimento das especificidades entre
as pessoas e o ambiente. E é importante deixar claro que defender direitos não
implica em cometer infrações, desde que se esteja dentro da lei. Afinal, na
hora de cumprirmos nossos deveres cíveis, como pagar impostos, votar para
eleger nossos governantes e responder à justiça sobre nossos atos, ninguém nos
diferencia em pessoas com deficiência ou não. Não é verdade?
Também é importante lembrar que, muito antes de 1996, algumas conquistas em termos de legislação foram alcançadas pelas pessoas com deficiência. Porém, ações eficazes ainda não eram colocadas
Atitudes essas, ainda eram um pouco assistencialistas, pois os diretores da faculdade não haviam se conscientizado sobre a importância da independência e autonomia das pessoas com deficiência. Era como se esses alunos fossem depender das outras pessoas durante toda sua vida, ou permanecerem em um único espaço físico. Hoje, fatos como esse, infelizmente, ainda ocorrem, mas talvez em menor escala em algumas escolas da chamada "classe média". Pois, as áreas mais periféricas das grandes cidades e o interior dos Estados - salvo exceções - ainda sofrem bastante com a falta de informação das escolas sobre o direto à educação que essas pessoas têm.
E, por incrível que pareça, em 1998, mesmo cursando o terceiro ano
da faculdade, a sala de aula onde eu estudava localiza-se no segundo andar do
prédio. Com grandes dificuldades para subir uma escada de mais de 20 degraus,
eu praticamente não descia durante o intervalo, pois o tempo não era suficiente
para subir depois. Conseqüentemente, acabava ficando segregada de todo ambiente
escolar.
E só depois de dois meses de muitas reclamações e uma burocracia
tremenda consegui mudar de sala. Porém, a maior parte das dificuldades
encontradas era em relação à falta das equiparações de oportunidades ao meio
físico, pois o relacionamento com todos os professores e colegas foi tranqüilo.
Sempre fui aceita por todos e até incentivada a me tornar mais independente
fisicamente e psicologicamente. Pois, apesar de já começar a desenvolver uma
atitude inclusiva em relação à vida, ainda tinha algumas dificuldades de
aceitação interna, medos e traumas. E, com o passar dos anos, em meio às loucas
e gostosas aventuras universitárias me encontrei como mulher, cidadã e
portadora de uma limitação física. Foi um grande aprendizado para todos, pois
os professores e amigos também comentavam sobre a valiosa troca de experiências
ao conviverem comigo.
Em 1999, já mais desinibida, comecei a reivindicar fortemente meus diretos. E a primeira grande luta foi conseguir uma vaga para estacionar o carro, com o qual eu era conduzida por parentes ou amigos, pois, de acordo com o Decreto 3.298 de 1999, um dos Parágrafos Únicos, já determinava que: "... I - nas áreas externas ou internas da edificação, destinadas a garagem e a estacionamento de uso público, serão reservados dois por cento do total das vagas à pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, garantidas no mínimo três, próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas e com as especificações técnicas de desenho e traçado segundo as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)..."
Mas, somente depois de diversas cartas ao diretor e reuniões adiadas com a coordenação - além de, literalmente, terem batido a porta na minha cara -, consegui solicitar a reserva de uma vaga em frente à faculdade. O que acabou finalmente colocando em prática o direito de ir, vir e permanecer em um estabelecimento de ensino, não apenas para mim, como para todos os demais alunos com alguma deficiência física.
Assim, o aluno usuário de cadeira de rodas também pode usufruir desse direito, pois, infelizmente, as calçadas e ruas próximas à faculdade eram praticamente intransitáveis devido aos buracos e elevações. Porém, as adaptações nos banheiros só foram terminadas no final de 1999, ano em que eu estava me formando
Hoje, as novas unidades da agora universidade encontram-se mais acessíveis,
porém ainda não contemplam todas as necessidades e direitos constitucionais dos
futuros alunos com alguma deficiência ou necessidade especial. Pois é fato que,
variando de acordo com cada estabelecimento de ensino superior, muitos ainda
não demonstram interesse em preparar o ambiente para receber, principalmente,
alunos que necessitem de sintetizadores de voz, intérprete de Libras ou
recursos pedagógicos de alguns materiais de apoio no exame pré-vestibular e
durante as aulas. Além da falta de iniciativa na qualificação de professores e
funcionários para lidarem com as especificidades dessas pessoas.
É preciso
divulgar mais, que o conceito de Desenho Universal pressupõe a acessibilidade
física e de comunicação. Pois algumas pessoas ainda pensam que adaptar é apenas
construir rampas, as quais muitas vezes são feitas fora dos padrões da ABNT
(Associação Brasileira de Normas Técnicas). E também esquecem que outras
pessoas, como crianças, obesos, grávidas, mães com carinho de bebê e idosos,
poderão fazer uso desses espaços!
Voltar a estudar: um grande desafio!
No penúltimo ano da faculdade, lutei muito para conseguir estagiar
na área e só consegui trabalhos paralelos à minha formação. Em todos os
lugares, precisei reivindicar meus direitos à equiparação de oportunidades,
pois os conceitos de educação inclusiva apenas estavam começando a serem
disseminados. Enviar currículos e procurar vagas de estágio ou emprego nos
meios de comunicação era muito difícil, pois eram pouquíssimas as empresas que
acreditavam no potencial de pessoas com deficiência. Hoje já é mais fácil
conseguir outras oportunidades de emprego.
Principalmente, devido a Lei 8.213
de 1991 - que funciona como uma política afirmativa para garantir a inserção
qualitativa desses cidadãos aptos ao mercado de trabalho e que há 10 anos ainda
não era aplicada com rigor -, graças à fiscalização do Ministério Público. Mas,
com certeza, naquela época, a oportunidade de acesso à educação foi
fundamental, para qualificar-me para à terrível concorrência do sistema
capitalista. E caso não tivesse apoio da minha família, também não teria
estudado em colégios inclusivos. Pois na época eram raras as escolas públicas
que aceitavam crianças com deficiência, por isso, cursei particulares e muito
caras.
Infelizmente, muitas crianças em pleno século 21 ainda não têm acesso à escola, menos ainda, às com alguma deficiência. Pois não conseguem nem mesmo sair de suas casas devido à precária condição dos meios de transporte. Creio que esse seja o principal fator para a nossa exclusão, pois como ter direito à saúde, educação, cultura, esporte entre outros, se não se pode chegar até eles?
É por isso que eu ainda não consegui ingressar em um curso de pós-graduação
Educação inclusiva: refletir para evoluir!
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