quarta-feira, 21 de setembro de 2011

História de conquistas e derrotas

Fonte: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=8851

Cidadão de papel

Rede SACI
17/12/2003

Caminhada pela Inclusão realizada em São Paulo no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência marca a luta dos cidadãos que ainda precisam fazer valer seus direitos

Leandra Migotto Certeza*

SÃO PAULO/SP - Chegar ao local de trabalho, ir à escola, comparecer a uma consulta médica, levar os filhos para passear no parque, buscar a avó no clube, fazer compras no supermercado, voltar da faculdade, atravessar a rua sozinho, subir no ônibus com segurança, andar de metrô com independência, ouvir o noticiário da TV, solicitar uma informação no caixa do banco, entender o que diz uma embalagem de suco de laranja. Essas e outras inúmeras ações tão corriqueiras parecem fáceis para qualquer pessoa, porém, para quem tem alguma dificuldade de locomoção e/ou comunicação, ainda é praticamente impossível realizá-las com autonomia!

Três de dezembro, data em que a Organização das Nações Unidas instituiu como o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, 300 pessoas caminharam do edifício da Gazeta até o MASP na Av. Paulista em São Paulo para - como afirmou a presidente do CMPD - Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Dora Simões - serem vistas com dignidade!

Segundo o CMPD pessoas com deficiência ainda matam um leão por dia para exercerem sua cidadania. Em meio às calçadas esburacadas, falta de sinalização sonora e visual nas ruas, além do pequeno número de guias rebaixadas, rampas, elevadores, legenda oculta na TV, cardápios em Braille, e da modesta inclusão escolar no ensino regular público e privado, entre outras dificuldades, essas pessoas cumprem seus deveres sem usufruírem os direitos.

Há mais de 50 anos pessoas com deficiência física, mental, auditiva, visual, e/ou múltipla nem sequer eram vistas pela sociedade brasileira que as confinavam em instituições assistencialistas. Terem seus direitos assegurados na Constituição de 1988 foi uma das grandes vitórias conquistadas por pequenos grupos de deficientes. Hoje o Brasil tem um conjunto de leis abrangente. O problema é fazer com que essas leis saiam do papel e sejam cumpridas. "É preciso que os direitos sejam tirados da gaveta e expostos", afirmou a presidente do CMPD.

Pais, profissionais e pessoas com deficiência que estiveram na caminhada afirmaram que atos públicos pacíficos como esse ainda são necessários, pois a principal reivindicação é o cumprimento efetivo das políticas públicas de inclusão dos deficientes encaminhadas todos os meses - há mais de 20 anos - aos líderes dos governos federais, estaduais, e municipais.

O setor que mais necessita de mudanças é o transporte público. Já é lei, mas as fábricas de ônibus ainda não produzem os veículos seguindo o conceito de desenho universal, onde não apenas pessoas com deficiência, como idosos, obesos, gestantes, crianças, e/ou quem quebrou um pé, terão acesso digno. E os pouquíssimos estão com as plataformas e elevadores quebrados, além do que a SPTRANS - São Paulo Transportes realiza poucos treinamentos com os motoristas, e a maioria deles não tem a presença do usuário, a própria pessoa com deficiência.

A presidente do CMPD também critica a necessidade da pessoa com deficiência retirar nas subprefeituras o formulário de cadastro para o serviço especializado de transporte, o polêmico ATENDE. "Isso não é necessário, pois o usuário já terá de comprovar sua deficiência passando por um exame médico, e retornar à subprefeitura com o formulário e um laudo". Para o CMPD, o ATENDE é um serviço muito oneroso aos cofres públicos, e não cobre a demanda e a diversidade de uma parcela da população que necessita de um transporte coletivo gratuito de boa qualidade e acessível, não apenas para ir e voltar de centros de reabilitação, hospitais e escolas.

A falta de acessibilidade no transporte público não existe só em São Paulo. Em Salvador, dia 30 de setembro, obedecendo a uma solicitação do Centro de Vida Independente da Bahia (CVI), o juiz federal da 13º Vara, Carlos D'Ávila Teixeira, determinou que as empresas de transporte mantenham, em cada linha interestadual com início em qualquer ponto do estado, uma diária com veículos adaptados aos deficientes físicos e pessoas com mobilidade reduzida.

Por esses e outros inúmeros motivos, a caminhada que marcou Dia Internacional da Pessoa com Deficiência foi mais uma forma encontrada por essa parcela significativa da sociedade - 14,5% segundo o censo 2000 do IBGE - declararem para a opinião pública que os governos não cumprem as leis 10.098/2000; 10.048/2000; 7.853/1989; 8.213/1991 entre outras, as quais abordam o acesso ao transporte, saúde, educação, trabalho, esporte, e lazer.

Fato esse bastante preocupante, pois até 2025, a taxa de deficiência irá aumentar de 14% para 18%, um crescimento de quase 30%. Porém parece que ninguém ainda tem consciência dessa realidade, pois Dora Simões entrou em contato com o responsável pela Coordenadoria de Participação Popular da Prefeitura, Paulo Silvio Ferreira, solicitando a publicação da passeata no Diário Oficial do Município, oficializando como a 1ª Caminhada pela Inclusão das Pessoas com Deficiência, mais um carro de som, e segurança por parte da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Suas solicitações não foram atendidas! A publicação e o carro de som foram negados, sob alegação que este seria um ato irresponsável!

Em carta aberta à população distribuída durante a caminhada, as oito associações que organizaram o ato público registraram: "Não somos minoria, somos cidadãos que com nossos votos mudamos a história deste país. Precisamos restaurar nossos direitos de cidadania, pois a lei é para todos".

Alcione Maria Lourenço, 57 anos, deficiente visual, membro da Associação Comunitária Esperança do Futuro filiada ao CMPD declarou: "No próximo ano esperamos contar com um número bem maior de pessoas nesta caminhada em São Paulo, em esperamos que sirva de incentivo para outros Estados e países, pois é um dia internacional e muito importante". A voluntária do CMPD também desabafou: "É o fim da picada! Querem nos calar! Além de não lerem as propostas, encaminhadas todos os meses - para conseguirmos melhorias nas políticas públicas - elaboradas democraticamente por mais de 1900 membros do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente, dificultam nossas manifestações. O que acontece na sociedade que os negros, homossexuais, mulheres, sem terra, vítimas de violência, ecologistas entre outros segmentos já estão conseguindo - ainda com muita dificuldade - espaço nas ruas e na mídia, e as pessoas com deficiência ainda não são ouvidas?".

Informações: Conselho Municipal da Pessoa Deficiente.
Casa da Retorta - Rua da Figueira nº 77 Próximo a Estação Pedro II do Metrô -Tel: (11) 3315-9077 ramais: 2284/2285

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