Conversa franca entre os “dinossauros” da inclusão e os “super-jovens” do século XXI.
Por Leandra Migotto Certeza.
Quando eu nasci, em 1977, muitas mudas já tinham sido plantadas em solos afofados por mãos calejadas. Todas regadas com suor e lágrimas: de dores e alegrias. No solo, muitas sementes preciosas, que não chegaram a germinar, alimentaram com encorpados nutrientes, as fortes raízes de pequenas árvores que começavam a crescer. Depois vieram as folhas. Uma a uma brotando. Tudo só foi possível, graças à luz do sol, ao frescor das águas, a leveza da brisa, a força das chuvas, e principalmente, ao olhar atendo de poucos, mas fortes mulheres e homens de coragem. Cada um doou um pedacinho de sua alma àquelas mudinhas cheias de determinação em viver e mostrar ao mundo a transformação de sonhos em realizações, que nascem da união entre seres humanos.
Mãos, braços, mentes, próteses, pés, corações. Pernas, rodas, olhos, órteses, ouvidos, muletas, sentimentos. Idéias, aparelhos, bengalas, cães-guia, ações. Todos juntos cultivaram as mudas, acompanharam o crescimento de cada caule, de cada galho, de cada folha. Os guerreiros e saudosos amigos com deficiência: Rui Bianchi do Nascimento, Sérgio Cunha Lisbôa, Maria de Lurdes Guarda, Araci Nallin, Maria Neide de Palma, Sérgio Del Grande e muitos outros de igual importância, viveram cada dia para plantar árvores da inclusão, da cidadania, da autonomia, da independência, da tolerância, da diversidade, da fraternidade, do amor, da solidariedade, da união, da gratidão, da persistência, da fé, e da PAZ.
Os queridos amigos com deficiência: Messias Barbosa, Maria Amélia Galan, Gilberto Frachetta, Ana Rita de Paula, Elza Ambrózio, Suely Satow, Claudia Sofia Pereira, Doralice Simões, Francisca das Chagas Felix de Sousa, Lia Crespo, Flavia de Paiva Vital, Elisabete Araki, Tuca Munhoz, Francilene Rodrigues, Galeno Silva, Pérola Ventura, Sidney Tobias de Souza, Salete Fernandes, Juovelina Nunes, João Bentin, Marco Antonio Pellegrini, Izabel Maior, e muitos outros de igual importância, vivem hoje para polinizar cada semente de inclusão plantada por seus amigos. Hoje, eu e muitas outras pessoas com deficiência; começaram a sentir o perfume de suas flores, mas só nossos filhos, sobrinhos, primos, netos, e bisnetos colherão seus primeiros frutos.
Para manter as árvores da inclusão vivas é preciso cultivá-las e preservá-las sempre. Afofar o solo, cortar as ervas daminhas, matar os parasitas, regar, adubar, tirar as folhas mortas. E deixar o solo, a chuva, e o vento agirem na medida certa do amanhecer ao anoitecer. É uma intensa e eterna vigília. É uma ação que requer muita perseverança, tenacidade, esperança, força de vontade, determinação, e principalmente, fé em abundância.
Quando vemos garotos e garotas, jovens e crianças com deficiência, que vestiram a camisa da inclusão pela primeira vez - mas já abraçaram os troncos dessas árvores com tanta garra - creio que devemos sentir muita alegria em saber que as sombras frondosas das antigas inspiraram o plantio de novas mudas. Mas é preciso urgentemente que esses meninos e meninas com deficiência, NUNCA se esqueçam da floresta que seus antepassados plantaram.
Cada árvore tem uma história, uma raiz, uma idade, uma trajetória. Deve-se sempre ouvir - atentamente e respeitosamente - o que estes antepassados têm a dizer sobre as batalhas que enfrentaram pela inclusão, pois muitas guerras ainda precisarão ser vencidas. Cada folhinha nova revigora essa floresta, mas sem raízes que as sustentem com firmeza, nenhuma flor nascerá mais e nenhum fruto surgirá mais. Os jovens guerreiros da inclusão têm a obrigação de aprender as lições com quem deixou suas marcas de sangue pelas estradas da diversidade.
Os movimentos sociais - protagonizados por pessoas com deficiência - que se articularam mais a partir do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, em 1981, como: o CPSP – Clube dos Paraplégicos de São Paulo, ADEVA – Associação de Deficientes Visuais e Amigos, FCD – Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes, o NID – Núcleo de Integração do Deficiente, MDPD – Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes, ONEDEF - Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos, FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos, APCB – Associação de Paralisia Cerebral do Brasil, CVI – Centros de Vida Independente, Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente, Conselho Municipal da Pessoa Deficiente, entre outros de igual importância, foram os principais responsáveis por mudanças significativas na história mundial e nacional.
Muitas batalhas foram travadas, barreiras transpostas e dificuldades vencidas para que hoje; os jovens com deficiência (adquiridas ou não), seja de qual for sua classe social, idade, gênero, etnia, opção sexual ou nacionalidade possam usufruir os vários direitos conquistados. Os jovens de hoje têm o dever de conhecer a única história desses movimentos sociais contadas somente pelas bocas dos “dinossauros” da inclusão. Pois, muitos deles nem eram nascidos, ou eram crianças de colo, quando as primeiras mudas destas árvores foram plantadas. Estes jovens não têm o direito de renegar o verdadeiro e único passado de suas vidas! Só poderão continuar plantando essas árvores em solos férteis adubados pelos seus antepassados. Mudas em solos áridos não vingam.
É claro que muitas mudanças precisam surgir, discussões devem ser travadas, novidades devem ser testadas e outras vozes devem ser ouvidas. O rio segue seu curso, mas a paisagem muda com o passar dos tempos. A evolução é inevitável e muito benéfica, desde que beba na fonte daqueles que abriram suas margens com suor e lágrimas. Revolucionar é fundamental. Quebrar com estruturas arcaicas também. Nada é imutável. Ninguém é perfeito. Nenhuma idéia é universal e inquestionável. Os valores do amor, paz, cidadania, autonomia, independência, liberdade, e fraternidade podem vestir novas roupas, desde que NUNCA percam suas essências.
Creio que os “super-jovens” do século XXI precisam aprender as diferenças básicas e fundamentais entre: políticas públicas e projetos isolados; integração e inclusão; manifestação política popular e eventos privados ou do terceiro setor; acessibilidade e desenho universal; pessoas com deficiência física e pessoas com deficiências em geral; associações e órgãos públicos; assistência social e direitos sociais; assistencialismo e empoderamento; entre outras. Também precisam conhecer o significado de conceitos básicos e fundamentais como: democracia, políticas afirmativas, movimento social, sociedade civil organizada, discriminação, desigualdade social, preconceito, entre outros. Além de saberem como realmente funcionam os poderes e serviços públicos, as leis, e ações relativas às pessoas com deficiência, antes de falarem aos quatro cantos, em nome de mais 14,5% da população brasileira e 10% da mundial.
E também creio que cabe aos “dinossauros” da inclusão muita HUMILDADE, paciência, lucidez, tranqüilidade, flexibilidade, espírito de equipe, abertura ao novo, jogo de cintura, e diplomacia para ouvir com muita atenção o que a nova geração tem a dizer. Dar bronca quando preciso, e corrigir duramente os erros por eles cometidos, mas nunca se colocarem em cima de pedestais, desejando serem glorificados e reverenciados. O isolamento dos grupos que se dizem donos da verdade, com certeza absoluta, também não leva a lugar algum, a não ser a um retrocesso no processo de inclusão duramente conquistado.
Os conflitos só são saudáveis quando os dois lados têm igual número de argumentos. Ninguém deve ser simplesmente ignorado por ser jovem, assim como ninguém deve ser duramente pisoteado por ser velho. Todos vivenciam experiências enriquecedoras que somente trocadas, compartilhadas, multiplicadas, somadas, misturadas, dividias, dialogadas, e discutidas ganharão força para continuarem plantando muitas outras árvores da inclusão, tão necessárias quando as que fazem parte da atual floresta da DIVERSIDADE!
“Ilusões do amanhã”
“Por que eu vivo procurando um motivo de viver,
Se a vida às vezes, parece de mim esquecer
Procuro em todas, mas todas não são você
Eu quero apenas viver
Se não for para mim que seja para você
Mas às vezes você parece me ignorar sem nem ao menos me olhar
Machucando-me pra valer
Atrás dos meus sonhos eu vou correr,
Eu vou me achar, pra mais tarde em você me perder.
Se a vida dá presente para cada um o meu, cadê?
Será que esse mundo tem jeito?
Esse mundo cheio de preconceito
Quando estou só, penso na minha solidão,
Juntando pedaços de mim que caíam ao chão
Juro que às vezes, nem ao menos sei quem sou.
Talvez eu seja um tolo, que acredita num sonho
Na procura de te esquecer
Eu fiz brotar a flor
Para carregar junto ao peito
E crer que esse mundo, ainda tem jeito,
E como príncipe sonhador
Sou um tolo que ainda acredita no amor”.
O autor desse poema é Alexandre Lemos – o príncipe sonhador. Ele era aluno da APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Rio de Janeiro, e tinha na época 28 anos. O texto foi publicado na Revista “Cartas Abertas”, número 31 de julho/agosto/setembro de 2003, criada pela FCD – Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes.
“Caminhada”
“É preciso caminharmos juntos,
É preciso acreditar sem medo,
Buscar o amor mesmo sob as guerras do pranto;
É preciso acreditar na esperança
Tentar até a última gota
Persistir contra o limite
É preciso se dar as mãos, e fazer-se forte na luta pela vida
Não importa o poço que se faz presente
A fé é bem mais importante
É preciso gritar por um mundo mais justo
Esqueça sua cor, sua religião, seu orgulho, sua dor
O amor é bem mais importante
É preciso evitar a lágrima do amigo
Para que a nossa não seja esquecida
É preciso um amigo para não estar sozinho
E assim se conseguirá
Porque já se reuniram forças
É preciso caminhar juntos
Acredite...”
Antonio Reis Sobrinho, autor deste poema é de Feira de Santana - BA e faz parte da FCD – Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes. O texto foi publicado na publicação da FCD, a Revista “Cartas Abertas”, número 63 de 1989.
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