segunda-feira, 20 de julho de 2009

Bola de meia, bola de gude

A sutileza do conhecimento

Por Leandra Migotto Certeza

O olhar doce e ingênuo de um menino de seis anos ao perguntar se é triste ficar só sentada em uma cadeira de rodas e não poder andar é a semente de um mundo livre de pré-conceitos, e não discriminações. Elas sempre irão existir, por mais que nós tentamos eliminá-las. Mas com certeza a distância entre o conhecimento e o julgamento ficará muito maior. É preciso apenas ouvir o que as crianças têm a nos dizer e não conduzi-las ao nosso próprio egoísmo e medo.

Brincar de ‘ser deficiente’ sentando em uma cadeira de rodas não nos destitui de nada. Continuamos, obviamente, não desejando que nossos filhos sofram um acidente a qualquer momento, mesmo tendo a absoluta certeza que todos os seres humanos não estão livres da imprevisibilidade.

Agora ter a grande oportunidade de ser aceita e querida por um lindo e inteligente menino de seis anos é muito mais gratificante do que todos os julgamentos por termos nascidos ou não com alguma deficiência. Um acidente genético poderá um dia ser evitado – mesmo que, na minha humilde opinião, esta previsão seja completamente incoerente – agora, o olhar de alegria do menino ao jogar ‘basquete imaginário’ com sua prima em uma cadeira de rodas é um sinal de que o ser humano pode evoluir, e muito. Só depende da disposição dos adultos em aceitar a convivência saudável com a diversidade. Diversidade esta que está em cada célula do nosso corpo ou em cada átomo do Universo. Então, por que será que teimamos em sermos perfeitos, se a perfeição não existe?

Eu e meu marido fomos pais, mais uma vez, por quatro dias. Eu em minha cadeira de rodas e ele com seu par de muletas. Ainda buscamos autonomia financeira, mas temos independência emocional de sobra para mostrarmos as várias faces da vida para um menino de seis anos, curioso e esperto, que nos amou incondicionalmente. Amor este que nos preencheu de mais amor, e nos fez mais fortes e sábios, para respondermos e questionarmos os julgamentos dos adultos, que ainda não enxergam a profundidade e a simplicidade que um abraço de uma criança sem preconceitos tem.

Jogar bola com o novo parceiro, que tem um par de muletas e duas pernas diferentes, foi tão divertido quanto empurrar uma cadeira de rodas, com tanta naturalidade, pela quadra de futebol. Conhecer os limites e as possibilidades dos primos com deficiência física foi tão importante quanto aprender o nome de outros animais marinhos. Querer dormir ao lado dos ‘novos amigos’ foi tão tocante quanto ensinar uma menina mais nova - sem deficiência - a colocar um fone de ouvido em uma exposição de arte.

Obedecer a ‘prima-tia’ e seu marido foi tão fácil quanto comer dois pratos de arroz com feijão na casa da avó ou no restaurante. Respeitar a prima - que é mais baixa do que o menino - foi tão simples quanto se lambuzar todo com um delicioso sorvete de chocolate. Dar a mão para a mãe da menina mais nova, sem deficiência, ao atravessar uma rua, foi tão importante quanto brincar de usar o par de muletas do novo amigo com deficiência.

Conhecer, conviver, aprender, experimentar. Este é o segredo de saber viver bem, livre de pré-conceitos. O menino talvez não desejasse ter alergia a certos alimentos, mas tem, e aprendeu a ser muito feliz com suas limitações. A prima talvez preferisse não andar só em uma cadeira de rodas, mas aprendeu a ser muito mais feliz com suas possibilidades. E o novo amigo com deficiência não queria ter sido abandonado em um orfanato, mas aprendeu a dar muito carinho para depois receber sempre mais.

Quando na Terra existirem muito mais meninos e meninas que cresceram sem pré-conceitos, os poucos adultos e idosos (que ainda insistirem na busca pela suposta perfeição como a única forma de evolução) finalmente, reconhecerão que perderam preciosos dias de suas vidas sem conhecerem a diversidade; e aprenderão a serem apenas meninos e meninas, muito felizes com suas possibilidades e seus limites.

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