quinta-feira, 2 de maio de 2013

Grávida de vida



Descrição da imagem: Leandra, uma jovem com deficência física – que atinge sobretudo seus membros inferiores (ela tem baixa estatura) – beija os lábios de um rapaz também com deficiência física que se apóia em uma muleta. Eles estão na areia da praia em trajes de banho.

Por Kátia Fonseca

Trago, hoje, para a nossa companhia aqui no blog, Leandra Migotto Certeza, a gatinha aí dessa foto (dando uma bitoca no noivo). Como a maioria dos jovens, Lê é superativa, quer pegar o mundo com as mãos (e muitas vezes consegue!) e, melhor de tudo, acredita que pode mudar a sociedade em que vive. Escolheu ser jornalista e, com seus textos e ideias, está fazendo bem feita a sua parte na construção deste mundo melhor. Um exemplo da sensibilidade e lucidez da Leandra eu mostro aqui, no texto Grávida de mim mesma. Leiam, se emocinem e acreditem no poder da geração jovem, com ou sem deficiência. 


Grávida de mim mesma

Por Leandra Migotto Certeza

Estou grávida de mim mesma. A concepção aconteceu tão rápido que eu nem me dei conta que o óvulo foi fecundado há mais de 14 anos, depois de muitas tentativas imaturas. A gestação é dolorida e pesada, e está só começando… 


O embrião se contorce a cada nova descoberta. A respiração fica mais lenta ou acelera a cada novo choro convulsivo ou abafado. O medo e a insegurança dão lugar a novas descobertas. 

Conhecer a si mesmo no mesmo ritmo que se sente é complicado, mas parece o jeito mais sólido e intenso de se transformar e evoluir. Eu não posso engravidar, mas tenho o direito de ser mãe tendo uma deficiência física! Eu não posso dançar flamenco e tango, mas tenho o direito de me arrepiar quando vejo os corpos se unirem com a alma, a cada passo dos bailarinos. 

Queria estar no lugar de quem tem um corpo diferente do meu. Tenho o direito de desejar ser outra pessoa, e como é bom! Não preciso bancar a conformada, aceitar a roupa de heroína (que me colocaram) ou me afundar no poço da depressão. Escolhi o caminho do meio. 

Eu não posso fazer amor com tanta volúpia, e em posições que sempre sonhei; mas posso ter orgasmos estupendos! Eu não posso sentir meu corpo mudar, ao abrigar um novo ser em meu ventre, mas posso amar – incondicionalmente – as crianças que habitam e habitarão o meu coração. 
Crescer é isso… Lidar com frustrações o tempo todo. Saber que a resiliência é o nome bonito que deram para a capacidade de amar. Eu não posso amamentar um bebê quentinho em meus braços, mas tenho muita seiva escorrendo, pelos fios da minha alma, para alimentar espíritos sedentos. 

Eu tenho 96 cm, e o tamanho de quem eu queira ser, a cada novo amanhecer. Eu tenho o direito de me revoltar, quebrar vidraças internas, gritar bem alto e depois adormecer no colo do meu amado. 

Fui poupada de tantas dores que a ferida só aumentou. A culpa não existe. É um sentimento idiota que o ser humano inventou para se auto-punir, por temer se olhar no espelho. 

Religião é re-ligar, e não desligar o ser da realidade da sua imperfeição. Mas o melhor mesmo é encontrar um significado novo, a cada dia, para o que podemos ou não conseguimos. 

O processo de crescimento é lento, mas tem raízes, tronco, caules, folhas, flores e frutos. Muitos frutos! Não é infértil. É grávido de vida. O meu auto-conhecimento se intensificou com a pancada da impossibilidade de não engravidar nunca. 

O meu conhecimento sobre a vida; se multiplica cada vez que eu aprendo a me adaptar às potencialidades; e me dou o direito de vomitar o que sei que posso transformar, mesmo que ainda seja indigesto. 



Data: 09/02/2010

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