As conquistas das pessoas com deficiência são muitas, mas o preconceito ainda existe
Por Adriana Lage na Rede Saci - 15/12/2009
Felizmente, a situação das pessoas com deficiência tem melhorado muito nos últimos anos. Hoje em dia, palavras como inclusão, diversidade e acessibilidade estão sendo incorporadas ao nosso cotidiano. As escolas já aceitam melhor os alunos com deficiência, empresas se esforçam para cumprir a Lei de Cotas, novas edificações só recebem o alvará se forem acessíveis, dentre outras conquistas.
Até nas novelas estamos presentes. Querendo ou não, temos que reconhecer que grande parte da população assiste às novelas e acaba aprendendo que as pessoas com deficiência são seres humanos como qualquer pessoa, com qualidade e defeitos, habilidades e deficiências. A informação é sempre a melhor arma na luta contra o preconceito.
Torço muito para que um dia datas como 3 de dezembro não existam mais. Acredito que estamos no caminho certo. Fico impressionada como algumas pessoas ainda possuem um pensamento tão pequeno em relação às pessoas com deficiência. Nos últimos dias, algumas situações me deixaram chateada:
- Sou cliente assídua de uma feirinha próxima a minha casa. Parei em uma barraca e me interessei por algumas blusas. Quando a vendedora percebeu que minha compra estava chegando perto dos R$ 100,00, ela começou a insistir para que eu não levasse as peças. Por sorte, um vendedor de bolsas do qual sou cliente foi mexer comigo e comentou que sou uma excelente cliente e que meu cheque é garantido. Após ouvir esse comentário, ela ficou toda sem graça e me devolveu todas as peças que eu queria levar. Fiquei chateada com a atitude dela. Tive a impressão que a vendedora imagina que deficientes não possuem renda.
Há tempos atrás, eu teria desistido da compra. Na mesma semana, na academia que freqüento, minha mãe comentou com uma vendedora de roupas que eu queria olhar as peças. A mulher inventou um monte de desculpas e não me mostrou as roupas. Minha mãe ficou indignada com a situação e, na aula seguinte, contou o caso da feira pra ela. Resultado, nessa segunda feira, ela foi até minha casa para que eu comprasse as roupas e se surpreendeu com minhas compras.
- A festa de final de ano da empresa em que trabalho foi realizada em um Hotel Fazenda. A equipe é formada por cerca de 130 pessoas, sendo uma cadeirante, uma usuária de bengala (esclerose múltipla) e um deficiente auditivo. Em momento algum, o comitê organizador da festa pensou na acessibilidade. Liguei para o local da festa e fui informada que eles não estavam aptos para me receber. O local possui muitas escadas, não possui rampas e nem banheiro adaptado.
Para entrar no banheiro, minha amiga precisou subir 6 degraus. A cadeira de rodas também não passou nas portas. Comentei com meu chefe e com outras pessoas que eu gostaria muito de ir, mas que ficaria difícil por causa da acessibilidade. Muitas pessoas não concordaram com meus argumentos. Resultado, as pessoas foram para a festa e eu fiquei trabalhando normalmente.
Após a festa, várias pessoas comentaram que eu acertei quando escolhi não participar da festa. Ao invés de me divertir, ficaria estressada com tantas escadas para subir... Querendo ou não, me senti excluída. É fácil para quem não anda em uma cadeira de rodas e tem equilíbrio no tronco falar que as pessoas carregariam a cadeira sem problemas. Ninguém pensa o quanto é desconfortável e perigoso para a cadeirante!!
- Estava conversando com um amigo que é atleta paraolímpico sobre esporte. Ele me contou indignado, e com toda razão, que em provas como o Iron Biker (competição internacional de ciclismo) e na Volta Internacional da Pampulha (corrida), os deficientes podem participar, mas só recebem uma medalha de prêmio. As outras categorias são premiadas com dinheiro. No esporte paraolímpico, o Brasil está entre as potências mundiais. Imagina então se não estivesse....
- No último domingo, estava no clube conversando com uma amiga cadeirante, que é nadadora, e ela me disse que uma das sócias do clube não gosta da sua presença, pois se sente incomodada com as cicatrizes que ela possui devido a um acidente de carro.
- Fui passear com minhas irmãs e minha prima pela Savassi, um bairro famoso em Belo Horizonte e ponto de encontro da galera, e passei aperto para andar nas ruas esburacadas, com degraus altos nas calçadas, sem nenhum rebaixamento ou rampa. Tanto na pastelaria quanto na sorveteria, existem degraus para entrar na loja, sem falar nas mesas que não combinam com os pés da cadeira de rodas...
- Quanto se trata de relacionamentos, a situação ainda é complicadíssima. Tenho amigos deficientes que não conseguem arrumar nenhuma namorada por causa do preconceito e acabam tendo que recorrer às profissionais do sexo. Fico brava demais quando recebo algumas propostas que no final das contas se resumem a tirarem casquinhas de mim, como se eu não servisse para ter um relacionamento estável e duradouro. Muitas pessoas ainda pensam que só porque você anda em uma cadeira de rodas está ‘encalhada’ e desesperada... As coisas não são assim!!!
Enfim, o que mais me mata de tristeza é esse preconceito velado. As pessoas falam que não são preconceituosas, mas acabam nos excluindo sim, seja através das barreiras arquitetônicas ou das atitudinais. Mas, se Deus quiser, e ele há de querer, um dia isso muda!
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